quarta-feira, 25 de abril de 2018

GPI Deus por Dom Mauro Morelli parte 2


Divulgando...
Boa tarde povo!
4ª dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Agora temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre depois do primeiro parágrafo do texto postado.
Degustem!


Aqui áudio mp3 do texto anterior


CONTINUANDO...

            O nosso século viveu Hiroshima, viveu o holocausto, viveu o Vietnã, e vive essa guerra blasfema, mantida pela ordem econômica internacional. Na minha linguagem religiosa chamo de blasfêmia. Hoje, fruto da concepção de desenvolvimento das políticas econômicas, o mundo gerou uma monstruosidade. Em cada seis pessoas uma está sendo esmagada, destruída de forma, repito, blasfema! No esmagamento das pessoas, como cristão, encontro a mais terrível blasfêmia contra Deus. Essa experiência da destruição humana se constitui para nós, hoje, a base da inquietude. Nós homens e mulheres que cremos na fé do Evangelho de forma muito viva, nos sentimos perturbados, não com a negação intelectual ou acadêmica de Deus. Nós nos sentimos molestados, perturbados, agitados pela negação da justiça e do amor que solapam a nossa própria experiência de Deus.



            A grande questão para nós, hoje, não é se Deus existe, é onde está Deus. O nosso sofrimento no testemunho, na vivência da fé, na pregação não é perguntar se Deus existe. Podemos entrar nesse campo de uma forma ou de outra, nos sentimos ameaçados na nossa fé em Deus exatamente a partir da verificação da negação da justiça, e da destruição da vida.
            Esse aviltamento, esmagamento, essa tortura permanente, institucionalizada da pessoa humana, essa destruição da vida no universo é que nos leva a perguntar: onde está Deus? Creio que era essa pergunta que se fazia nos campos do holocausto, e creio que esta é a pergunta que se faz em qualquer lugar em que se viva a ameaça constante, permanente de destruição. Vivo num desses lugares de guerra. A guerra da Baixada Fluminense é fruto da ordem e do progresso que foram sonhados, programados e implantados a ferro e fogo no Brasil.
            Diante desse plebiscito que vem aí, estou me sentindo bastante limitado, e não gostaria de poder optar entre coroa, quepe ou chapéu. Gostaria de poder voltar para o quilombo do Brasil, uma outra possibilidade. A partir da minha realidade da Baixada, desse mundo em guerra, fruto desse sistema do qual o Brasil é parceiro, estamos, há tanto tempo, querendo encontrar os caminhos democráticos, o caminho da democracia, e não vamos encontrar.
            Porventura alguém já visitou alguma sociedade democrática? Fico sempre surpreso quando viajo e alguém me diz: aqui é um país democrático. A última experiência que tive foi em São Domingos. Participei daquele 4º Encontro de Bispos da América Latina, depois descobriram também que havia o Caribe. Fiz questão de dizer também, na primeira sessão, que a próxima reunião deveria se latino-americana e caribenha. De forma feliz, o Papa acabou dizendo que gostaria que fosse pan-americana. Mas descobri, chegando a São Domingos, que todos queriam me convencer de que ali existia uma sociedade democrática, e em um certo momento, em um programa de televisão, eu disse: olha, acabaram me convencendo.
            Só encontrei até hoje dois estados democráticos: São Domingos e o Vaticano, não existe outro. A democracia, a partir da minha visão da Baixada Fluminense, seria uma sociedade pensada, constituída, planejada, programada, orientada a combater a marginalização e a discriminação. Uma sociedade que canalizasse energia, recursos, leis, a fim de que pudéssemos ir construindo uma família que não discriminasse nem nos marginalizasse; mais do isso, uma sociedade que além de ser constituída assim amanhecesse indignada com a primeira discriminação ocorrida e fosse comprometida a lutar contra todas as formas de marginalização e discriminação.
            Então vivo nesse mundo em que a cidadania é negada e tenho visto e contemplado essa nossa realidade a partir da minha perspectiva de fé. Cheguei à conclusão, retomando aquilo que dizia há pouco, que a grande blasfêmia do nosso tempo se manifesta nessa dupla forma: a destruição da vida e a perversão do sentido de Deus. Vivemos recentemente a experiência insana de um invocando seu Deus e o outro também, um dizendo que era Alah e o outro dizendo que era Deus-Jesus Cristo, numa guerra estúpida como todas as guerras, falando de Deus. É uma experiência muito recente. A idolatria é um processo sutil daqueles que têm o poder de conseguir mais poder divinizando aquilo que construíram. Isso pode ocorrer em qualquer instituição, inclusive na igreja a que pertenço, da qual faço parte, e certamente muitos de vocês. Creio que existe uma perversão do sentido de Deus em nós mesmos, cristãos.
            Diria que essa perversão se manifestava no meu tempo de criança na arrogância com que nós, Igreja Católica, nos colocávamos diante do mundo como senhores absolutos da verdade. Uma arrogância que esteve presente em grande parte dessa história. Uma arrogância que dificultou o enfrentamento de uma questão, não tenho tempo para falar de todas, séria no nosso contexto latino-americano: em São Domingos, não fomos capazes de dizer aos povos ameríndios e aos descendentes dos africanos que pecamos contra eles. Ficou atravessada na nossa garganta e no nosso coração essa grave questão, que foi mais uma vez a blasfêmia do genocídio contra os povos nativos e o crime inafiançável da escravidão, sustentada, abençoada, justificada por muitos que professavam a fé em Jesus Cristo.
            Essa é uma grande questão: a perversão do sentido de Deus, que sempre vai ligada a um projeto que acaba destruindo a própria pessoa humana. O que aconteceu aqui no século XVI? Exatamente isto. Uma experiência perversa de Deus, marcada por uma indisfarçável parceria entre a cruz e a espada, e entro no espaço das pesquisas arqueológicas, por exemplo, no Piauí há setenta mil anos, onde gente como nós circulava, transava, celebrava a vida a seu modo. Chegaram aqui no século XVI os colonizadores e os missionários, e o que é que aconteceu? Uma terrível cruzada de conquista não só para conquistar o ouro, o tesouro e o corpo, mas a própria alma. Aquilo que atinge ao se humano me atinge profundamente: o genocídio, a colonização.
            Mas como é difícil separar as coisas: como bispo tortura-me perceber que quiseram conquistar almas, indo num caminho oposto à legítima e autêntica tradição apostólica, a evangelização. O anúncio de Deus, de Cristo deve ser feito segundo a experiência antiga da igreja que começava a caminhar. Através do testemunho, do diálogo e do derramamento do amor, da solidariedade, da justiça. Era assim que se evangelizava: o anúncio de Deus dos primeiros cristãos era um anúncio desmistificador, não havia templo, não havia lugar, nas casas era uma celebração da vida, não havia imposição, era através de um diálogo, como Paulo: “ No areópago li que vocês homenageiam um Deus desconhecido. É sobre esse Deus que quero conversar.”
            Creio que teríamos matéria, hoje, para um concílio verdadeiramente ecumênico sobre a questão do choque entre Evangelho e as culturas. Hoje, nós, cristãos, somos questionados por todo nosso método de trabalho e pelas consequências desastrosas do impacto que causamos sobre as culturas. E em São Domingos, inclusive, não fomos capazes de superar a arrogância e a ignorância, e até pleitear: queremos construir uma cultura cristã. Como se fosse possível alguma cultura ser privilegiada com determinado título divinizado. Aqui, o que se fez, como se fez na África, foi uma conquista das almas, uma conquista terrível em que os povos não eram respeitados na sua consciência, e o próprio Deus era prisioneiro da nossa arrogância.
            Imaginem por que será que Deus teria passado quarenta mil anos esperando o Papa mandar os missionários para Ele se manifestar aos povos nativos? Será que Deus iria esperar que o barco se Colombo trouxesse os missionários para que Ele dialogasse com seu povo? Há quarenta mil anos Deus se entretinha com seu povo. Esses povos todos tinham uma bela e profunda experiência de Deus que se revelava não nos seus crimes, mas nas suas virtudes. Certamente também eram pecadores, certamente também cometiam aberrações, mas creio que a qualidade de vida, a harmonia comunitária, era muito mais expressiva, mais bela e verdadeira do que a vergonha da corrupção e dos relacionamentos doentios, mórbidos e injustos da Europa no século XVI, para situar-me no momento da conquista.
            A perversão de Deus, do sentido de Deus, leva alguém a violentar as consciências, leva alguém ou uma instituição a entrar como um trator sobre um povo todo, sobre povos; negando toda a história, todo o passado, pretendendo anunciar Deus blasfemando contra Ele, porque O reduz à sua própria experiência, à sua própria insignificância, à sua própria instituição, ao seu próprio projeto, e Deus sempre esteve aqui, sempre caminhou no meio do seu povo. O que os missionários de ontem e de hoje deviam fazer, como os indígenas fazem, era colocar o ouvido no chão e sentir o povo e Deus celebrando a vida com suas danças. Chegaram negando tudo, arrasando tudo e demonizando tudo. Esta palavra é importante, citada pelo próprio Jesus no Evangelho: “Ele foi satanizando quando se percebeu na verdade o que ele estava significando.”
            Hoje a experiência religiosa do povo africano permanece satanizada nos meios católicos, evangélicos e protestantes. Crescemos, cristãos dessas várias igrejas, certos de que o demônio é celebrado ali, onde se encontram as religiões afro. Em nome disso perseguiu-se e persegue-se até hoje, e no entanto, pergunto eu, será que o demônio é parceiro da mãe-de-santo que dá a vida, dias e horas com ternura, com paciência, com bondade, escutando as aflições, os sofrimentos, as angústias e tentando partilhar ânimo, encorajamento de vida com as pessoas que sofrem? Será que o demônio estava nesse trabalho, nesse testemunho que permitiu ao povo negro, de alguma forma, guardar sua própria identidade, isto é, manter sua própria dignidade? Percebem aonde vai a perversão do sentido de Deus? Essa questão da destruição da pessoa humana e o perversão do sentido de Deus nos leva a uma terrível crise de fé. Repito, uma fé em crise, não mais por uma erosão intelectual, mas uma fé em crise pela destruição da justiça e da vida. Pergunta-se hoje até quando os miseráveis continuarão crendo em Deus. A teologia da Libertação surgiu exatamente porque se percebeu, no mundo da reflexão acadêmica, que Deus não estava no mundo limpo, asseado, civilizado, constituído, organizado, incentivado, embatinado, mas Deus se encontrava lá no meio dos destruídos, dos marginalizados.
            Entrei no Vaticano outro dia e senti-me visitando aquela igreja grande. Um monumento à nossa própria arrogância, não sei, e quando saí, três bispos iam saindo, um deles, já arcebispo, olhou-me e falou: Ah! Eu vou falar lá no Brasil que dom Mauro estava sentado dentro da basílica do Vaticano. E respondi que, de fato, me interessava conhecer um pouco das coisas, e que como um cristão mais secularizado conseguia até pensar em Deus no meio daquela blasfêmia toda e que ele podia dizer que eu sempre estava num bom lugar. Completei: estava numa capela ali no canto, refletindo um pouco sobre a graça da minha vida e a missão que tenho, porque lembrei de São Pedro e da missão apostólica, refletindo sobre isso; a graça da minha vida é a missão que tenho. Quando você não me encontrar diante do Santíssimo você vai encontrar-me no meio das prostitutas, sempre num bom lugar. O pobre do arcebispo arregalou um olho desse tamanho, o outro bispo, que era um pouco malandro, segurou-se para não dar uma gargalhada, mas não me contive. Diante da cretinice daquele meu irmão, só podia dizer o que disse.
            Gostaria de dizer ainda que a minha experiência de Deus me leva, hoje, a perceber como é importante a luta pela cidadania. Já não rezo para ninguém escapar do fogo do inferno, mas confesso para vocês que há muito tempo não rezo pedindo para ninguém ir para o inferno. Aliás, para entrar lá também precisa ser muito competente. Tenho dificuldade para imaginar que exista. Nem o Collor conseguiu. O que aquele coitado não tinha era competência. Era daqueles que chamo de pecador burro, não é?
            À medida que você vai caminhando na vida, você vai fazendo suas teorias, e a gente acaba professor no fim da vida. Já tenho uma teoria: nunca encontrei ninguém com problema de fé na minha vida. Tenho encontrado pessoas com aquilo que marca a condição humana: uma cabeça confusa, um coração irrequieto, cuja grande questão é ser amado: se conto, se não conto, se existo, se me percebem, bolso muito vazio ou muito cheio, e – não querendo escandalizar minhas irmãs mulheres, vocês já são bem liberadas, mais do que eu – os testículos mal colocados (no lugar da cabeça). Só pensa nisso, só imagina isso e depois não sabe o que fazer com isso também. Minha oração, no tempo de hoje, é uma oração pela vida.
            Confesso que não posso imaginar que uma criança que nasça nesse mundo branquinha, amarelinha e vermelhinha, beijada por Deus na testa, possa ser jogada nas trevas exteriores. A minha grande questão nesse tempo é se as crianças que nascem na terra têm lugar na terra. Eu tenho a impressão que nós os pregadores ensinamos o povo a morrer. Aquela pregação que vi no interior de São Paulo, onde está minha experiência de criança, íamos para a zona rural, visitar meu avô, e tinha 17 porteiras no caminho, cada porteira que passava tinha escrito “Casas Pernambucanas” e “Salva tua Alma”, religião é religião e negócio é negócio.
            Ensinamos o povo a salvar a sua alma, e torcemos de felicidade quando um desgraçado na última hora, recebe uma absolvição. Tinha padre que era perito em seguir ambulância para conseguir ungir um miserável atropelado e dizer: “Salva a tua alma”, quer dizer lançou a absolvição em cima, está salvo. Usando outra linguagem: “no último momento eu consegui que ele proferisse o nome do Senhor, ele aceitou o Senhor Jesus, ele se salvou”. Muita preocupação com o “salva tua alma”.
            Em um determinado momento da minha peregrinação fiquei muito irritado com um membro eminente da cúria romana que é brasileiro. Não deveria ficar, mas não sou tão perfeito assim. Todas as vezes em que vinha aqui despejava advertências, exortações apostólicas, mais papista do que o papa. Então publicou um panfleto com o título: “Perigos, erros, e não sei o que, da Teologia da Libertação”. Telefonei para Dom Ivo, que era presidente da CNBB, e avisei que ia responder. O Jornal do Brasil demorou três semanas para publicar minha matéria.
            O artigo era assim: Teologia do Genocídio versus Teologia da Libertação. Esta pregação ‘salva a tua alma’ para mim se transformou no postulado básico da teologia do genocídio. Tanto a gente ensinou o povo a morrer que aprenderam a matar. Aprenderam a matar na forma institucionalizada de uma economia que cassa todo direito à vida, e que tira toda a expressão de cidadania das pessoas; somos responsáveis por isso. Todos vivemos a experiência recente do encontro das Nações Unidas e o desenvolvimento. Nós, cristãos e judeus, temos que repensar, reinterpretar a Bíblia nos primeiros capítulos do Gênesis para superar a nossa arrogância, colocando-nos como senhores absolutos da criação, acima de tudo e de todos.
            E hoje, mais do que nunca, a acatus romanus no capítulo 7 se revela verdadeira: a natureza geme aguardando a manifestação dos filhos e filhas de Deus, alguém que a liberte. Está podre, corrompida, ferida, terrivelmente ameaçada de morte. E dentro desse quadro estamos com o ser humano, como disse há pouco, em cada seis, um foi condenado a morrer pelo caminho da indigência. Em São Domingos, a opção pelos pobres preocupou-me, porque em trinta e uma comissões vinte e nove imediatamente apoiaram a opção pelos pobres. Quando todos começaram a apoiar – já pensou senadores, deputados do Brasil fazendo opção pelos pobres, você já desconfia. Então percebi que todos os bispos estavam fazendo opção pelos pobres e falei “Irmãos de Puebla, em 1979, para cá, o que ocorreu foi, não um empauperamento, um empobrecimento do povo, e sim um processo de miserabilização. Hoje a opção é pelos miseráveis, o mundo em que vivo é dos miseráveis. Só aí encontro razão e alegria para viver, e confesso a vocês que quem confirma a minha fé em Deus são exatamente os pobres da terra, porque, não quero ofender ninguém, nem a mim, não é nas reuniões episcopais, eclesiásticas que vou alimentar a minha fé. Ali tenho as tentações da fé, e faço questão de perturbar a fé dos outros também.
            A minha fé é alimentada e fortalecida entre os pobres da terra, sem nenhuma demagogia. Porque é lá que você percebe ternura, o pão partido e repartido, nas últimas migalhas se repartem, nada é concentrado, os pobres são capazes, no seu barraco, de fazer o que não faço na minha casa. A propósito, outro dia encontrei-me com uma freira da Guatemala, que trouxe notícias do Núncio Apostólico da Guatemala; ele trabalhou aqui na Nunciatura como padre de carreira, e naquela época trabalhava com os favelados em Brasília. Lembro-me de que uma vez o convidei para ir a São Paulo num fim de semana, parto de uma de nossas assembleias e ele disse que não iria porque tinha um compromisso com os favelados. Soube agora que esse irmão, lá na Guatemala, disse para uma freira italiana que elas não podiam trabalhar evangelizando apenas os pobres, tinham que evangelizar os ricos também. Mandei lembranças e um recado para ele: os pobres de Brasília têm saudades dele, e que descobri que nem ele nem eu temos condições de evangelizar rico algum, só os pobres é que podem evangelizar, os excluídos – hoje nem mais os pobres, apenas os excluídos, isto é, humanizar a todos nós que não somos excluídos. Porque é na exclusão deles que se descobre o que é ser gente, viver em comunhão, em partilha, em solidariedade. Não tenho condição de evangelizar rico algum, porque também não sou excluído. Isso é o que posso testemunhar para vocês, com simplicidade de pastor, não como exercício acadêmico.
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
Os teólogos da libertação – Battista Mondin, Ed. Paulinas, 1980.
Opção pelos pobres – Jorge Pixley, Clodovis Boff. Vozes, 1986 – Petrópolis
A teologia da libertação – Leonardo Boff. Vozes, 1990
Questões fundamentais da filosofia – A. C. Ewing (Cap. 11 – Deus) Zahar, 1984 - RJ

quarta-feira, 18 de abril de 2018

GPI Deus por Dom Mauro Morelli

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Boa tarde povo!
4ª dia de Pensamento Inquieto! Começamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
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GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
DEUS
Dom Mauro Morelli – Bispo de Duque de Caxias, Estado do Rio de Janeiro
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 11 a 22).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
A grande questão hoje é a da perversão do sentido de Deus. Não é se Deus existe; é onde está Deus? Dom Mauro Marelli, bispo de Duque de Caxias na Baixada Fluminense – uma das regiões mais miseráveis do país – convive diariamente com um quadro desumano que ele considera uma blasfêmia contra Deus. Como se manifesta essa grande perversão do sentido de Deus, numa terra e num século que presenciou o holocausto, Hiroshima, e que “vive esta guerra blasfema mantida pelo ordem econômica internacional”? Onde está Deus, num mundo onde o ser humanos é aviltado, esmagado9, onde se verifica essa tortura permanente do homem, essa destruição institucionalizada da natureza? Essas e outras indagações estão neste texto perturbador, onde D. Mauro Morelli revela como, na sua trajetória de vida, a sua própria concepção de Deus foi se transformando.
            Creio que devemos agradecer a oportunidade de estar vivo, de poder encontrar as pessoas. Estive me perguntando porque me convidaram para este fórum da inquietude. Creio que existem várias pessoas que sustentam a mesma fé que eu, que vivem no mesmo caminho e que estão no meio universitário, e acredito que fui chamado aqui pela coordenação, pela reitoria, não por que eu seja um professor, porque eu não sou. E estive imaginando que miraram um espaço, dessa nossa realidade sócio-econômica, que deve inquietar a todos nós: a Baixada Fluminense, e, provavelmente, perceberam ali um cenário a partir do qual pudéssemos levantar inquietudes ou nos inquietar ainda mais.
            Não tenho nenhuma pretensão de fazer uma análise em estilo universitário. Gostaria de poder, talvez, partilhar um pouco da minha peregrinação, da minha própria compreensão deste mistério que é Deus, e não fazê-lo de forma acadêmica, mas como disse, uma peregrinação. Também sou peregrino, vivo neste mundo, nessa nossa história, penso, repenso, ajo, reajo, tanto quanto posso; às vezes tanto quanto me permitem. Sou brasileiro, mas a maioria dos padres não são.
            A minha fala não é muito característica de lugar algum. Fui criado no interior de São Paulo, vivi em muitas áreas deste estado, andei estudando um pouco no Rio Grande do Sul os temas de filosofia, morei na América do Norte, trabalhei na periferia de São Paulo, como bispo, e estou atualmente na Baixada Fluminense. Então o meu modo de falar não é bem característico de lugar algum, não consigo falar o ‘carioquês’ e não creio que retrate assim com tanta perfeição a forma caipira típica do falar do nosso interior paulistano. É importante que saibamos de onde as pessoas vêm, a sua caminhada.
            Cresci num tempo em que as coisas eram muito definidas, muito seguras, muito verdadeiras dentro da minha igreja. A minha experiência de Deus é marcada pelo contexto em que cresci. Nasci em 1935, e apesar do estrago, não sou tão velho assim. Cresci nesse período, aprendi a das os passos no caminho religioso ensinando num ambiente predominado por capuchinhos, que vieram de Trento, no fim do século passado para trabalhar nesta região do Brasil, como missionários. Da minha primeira experiência como criança, diria que há coisas bonitas, encantadoras. É interessante dizer isso: estudei em escola pública, meus irmãos, todos, passaram por escola religiosa, tornei-me bispo e eles não. É interessante esse tipo de encaminhamento. Mas a minha experiência religiosa de criança foi bonita, fascinava-me toda aquela liturgia, todo aquele rito.
            Com seis anos eu saía de casa para ir à missa do dia, ninguém nunca me mandou e nem também recebi grande incentivo da família, Agora, na minha caminhada, devo dizer, com muita simplicidade, que a minha experiência de Deus nesse caminho foi uma experiência que acabou sendo torturante, porque me vi, muitas vezes – talvez aqui alguns de vocês possam se identificar -, todos os dias à noite, de joelho, aflito condenado a rezar até não mais poder quantas ave-marias conseguia para pedir a minha salvação, do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos, dos meus vizinhos, da minha professora, de todo o mundo, até de exaustão dormia, desmaiava em cima da cama. Uma experiência de Deus? Creio que esta experiência de Deus deve estar presente na história de muitos que vivem nessa nossa cultura.
            Tenho caminhado nesses meus 57 anos sempre pela experiência de Deus. Fui aprendendo, buscando, e me interrogando. Diria que não consegui chegar a ser herege, que não é todo dia que se produz um herege na igreja. Não sei se nos últimos trezentos anos nós conseguimos produzir algum. Alguém tem notícia de algum herege nos últimos 300 anos? Parece que frei Leonardo Boff estava se encaminhando para esse rumo; tenho a impressão de que tiraram a oportunidade dele virar herege. Não creio que todo dia apareça um bom herege, é preciso ser muito competente, e confesso não ter tanta competência assim. Um bom herege que apareceu foi Lutero. Minha previsão é que Lutero, até o fim do século, será proclamado santo por algum papa da Igreja Católica, para vocês verem como as coisas caminham e evoluem.
            A revelação da minha experiência de Deus está ligada aos meus estudos de filosofia. Para ser padre é preciso estudar filosofia e teologia. Estive no Seminário de Nossa Senhora da Conceição, de Viamão, no Rio Grande do Sul, durante três anos estudando filosofia, mas, curiosamente, não foi a reflexão filosófica que me fez questionar a minha visão, a minha experiência, a minha fé.
            A minha mudança na compreensão de Deus tem ocorrido exatamente, a partir da dimensão do concreto, do histórico, do testemunho, do contra-testemunho dos cristãos do nosso tempo. Assim comecei a enxergar de forma diferente o rosto de Deus. A partir do contato de uma vivência da fé que marcou muito a vida de pessoas que até hoje continuam presentes num testemunho de cidadania na nossa terra, como o sociólogo Herbert Sousa, conhecido carinhosamente como Betinho.
            Refiro-me aos movimentos da ação católica. A ação católica na década de 1960 foi o espaço-laboratório de grandes transformações para muita gente, da própria experiência de Deus, dos caminhos da própria fé. A ação católica levou cristãos no mundo rural, no mundo estudantil, no mundo universitário a se perguntarem a respeito de Deus, olhando a história e a vida do povo. Essa ação católica foi determinante para muitos na caminhada de fé e no próprio encontro com a história, com a própria cidadania.
            Tive oportunidade de, curiosamente, passar pelo Seminário de Teologia, nos Estados Unidos. De vez em quando alguns ficam preocupados comigo, e digo: não, eu fiz curso no Pentágono! Curiosamente fui para lá por uma razão, como muitas das razões que explicam os acontecimentos, econômica. Como era o único estudante seminarista, da minha diocese, e o bispo queria me mandar para Roma, e a impressão que eu tinha dos professores de Roma era a pior possível, então disse: se o senhor me mandasse para Louvain ou para a Alemanha, iria com alegria, mas para Roma não. Ele respondeu que a diocese não tinha como fazê-lo e que se eu conseguisse uma bolsa na América do Norte poderia ir.
            Então ganhei uma bolsa, por sorte, não por ser tão inteligente. Resolvi o meu problema e tive a oportunidade de viver no exterior, o que é um benefício para qualquer ser humano, porque vivendo em outro país de forma lúcida, inteligente aproveita-se muito mais do que os nativos. Todo país tem belezas, virtudes, riquezas, expressões maravilhosas, como também tem limites, mesquinharias, e um cidadão que caminha pode muito bem aproveitar as coisas boas.
            Tive a oportunidade de viver nos Estados Unidos num momento histórico muito importante, quando a questão religiosa se tornou muito relevante na luta contra o racismo. Quando se afirma que Deus é negro, o que se está querendo afirmar não é mais uma das cores de Deus, e sim a idolatria do Deus branco; é a reação contra a idolatria de um Deus que é branco.
            Tive a ventura de começar a entender muitos dos jogos da nossa sociedade, da nossa história, a partir da militância no movimento social na década de 1960, e entender, de forma especial, a questão do Vietnã, a questão do racismo, destruindo a dignidade humana e a vida. Voltando para nosso país, confesso que cheguei atordoado com a ‘gloriosa’ revolução de 1964. Comecei a trabalhar no Brasil em 1º de fevereiro de 1966. Não foi fácil. Tive a felicidade de, para não dizer a bênção, desde o início do meu ministério, ser confrontado com a questão da relevância da fé numa terra de grande desrespeito àquilo que é precioso: a vida de uma criança e a dignidade humana. Tive a felicidade de ser convidado para trabalhar junto à Conferência dos Bispos do Brasil, como coordenador ou secretário regional, em São Paulo, um conjunto de trinta dioceses.
            De 1971 a 1981, estive muito presente nos acontecimentos da convocação, de mobilização, de coordenação que se viveu naquele período. Esse confronto com a verdade dolorosa, vergonhosa, criminosa que vivíamos foi, então, mudando muito a minha visão de Deus, a minha experiência de Deus. Como disse, estou querendo colocar um pouco da minha peregrinação, da minha caminhada, porque não vim aqui como pesquisador, nem como filósofo, nem como teólogo. Vim como um peregrino da vida, alguém que vive na Baixada Fluminense. É a partir dessa realidade em que estou imerso, por opção e não Poe coação, que procuro entender a mim mesmo, entender o mundo, os meus relacionamentos com a vida, com a sociedade, com a história, com a minha própria igreja, e, evidentemente, isso me deixa terrivelmente inquieto.
            Para dizer mais, recorro, ainda, a alguns momentos em que tive uma grande experiência de Deus. Um desses momentos, que me atingiu profundamente em tudo aquilo que sou, foi em Rio Claro, no interior de São Paulo, onde era vigário de uma paróquia, vigário episcopal de uma região que era minha base, inclusive, de serviço na CNBB. Até ser bispo, nunca havia deixado de ter minha experiência de base, o que me dava certa credibilidade, porque todos sabiam que eu tinha uma presença real e constante na base da sociedade, na igreja,
            E a minha experiência mais bonita de Deus foi exatamente quando uma das vítimas da ditadura, um jovem filho de um engenheiro de Belém do Pará, tendo retornado do exílio, levado pela isca que foi lançada de que as pessoas poderiam regressar e se reinserir sem grandes traumas, num determinado momento de uma dessas figuras que representavam o poder. Esse jovem apenas retornou ao Brasil, foi feito prisioneiro, viveu a disputa da vários grupos do poder que queriam ver como ele era ‘prendado’ foi torturado horrivelmente e conseguiu fugir de um hospital em Recife. Na sua fuga parou em mês numa fazenda no interior, e por causa de uma pessoa, também ligada a essa realidade, que também tinha sido presa, esse jovem conseguiu fugir e bateu à minha porta. Fiquei terrivelmente chocado ao ver como um ser humano pode ser destruído. E como uma pessoa pode se encontrar, se recuperar de forma impressionantemente rápida; em vinte e quatro horas, um pouco mais que isso, talvez – o tempo em que ele permaneceu na minha casa. Ele me disse que tinha chegado no seu último dia. Se eu tivesse fechado a porta e não lhe permitisse a entrada, não teria mais condições de seguir em frente.
            Consegui fazer com ele atravessasse as nossas fronteiras, ficasse livre da ordem e do progresso que nos oprimia, e depois, do Peru, ele me mandou um desses cartões tridimensionais, com a gueixa piscando e dizendo: as férias estão maravilhosas! Na minha casa, todos os dias celebrando a missa e tudo mais, confesso que nunca senti o Senhor da vida e da história tão presente quanto nesse torturado da nossa história.
            Uma outra bonita experiência de Deus foi exatamente acolhendo um grupo de prostitutas. Aliás, gostaria de dizer para vocês que a experiência religiosa não nos livra da ambiguidade. Jesus se revela muito ambíguo – talvez a gente tenha que refletir um pouco mais sobre isto, sobre a própria ambiguidade – e ele coloca exatamente as prostitutas de uma forma terrivelmente subversiva, dizendo que elas nos precederão no reino do céu. Eu havia lido isso muitas vezes, mas num determinado momento da minha caminhada pode acolher um grupo de mulheres marginalizadas, e desse encontro tive também uma belíssima experiência de Deus.
            Todas as coisas têm seu lado interessante, cômico. As meninas estavam orientadas para chegar à minha casa, e depois havia um ônibus para que fossem levadas à casa de encontro. A minha própria irmã chegou do interior de São Paulo naquele dia, e assim que ela entrava na portaria uma menina perguntou: menina, de onde você é? Esse foi o lado cômico. Mas na abertura do encontro, confesso que, vendo aquelas mulheres em volta de mim tão injustiçadas, e sentindo nelas, ao mesmo tempo, tanta ternura e solidariedade, me comovi e penso que foi para mim uma das bonitas experiências de Deus.
            Aí está amigos, companheiros, companheiras, quem sabe, uma base da nossa inquietude. Busco no livro do Apocalipse, que é o livro da consolação, da esperança e não do desespero. Um livro que pretende ser uma profecia de ânimo, de coragem para as pessoas que sofrem. Nele estão denunciadas duas coisas terríveis: um crime e uma idolatria. O crime é exatamente a destruição do ser humano. As duas coisas mais terríveis denunciadas no Apocalipse: a destruição do ser humano e a perversão do sentido de Deus. Creio que a grande inquietação que perpassa muitas cabeças e muitos corações é exatamente a experiência terrível da destruição do se humano no nosso tempo e da perversão do sentido de Deus.

CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Aonde está nos levando a insanidade do ódio 2?

Divulgando...


O fascismo não perdoa nem os que, por burrice, oportunismo ou covardia, o atraem
Número 139,
Mauro Santayana
Os que hoje se empenham em chocar o ovo da serpente – e abrem caminho para o triunfo do ódio, da violência e da hipocrisia – também serão potenciais vítimas.
por Mauro Santayana publicado 13/04/2018 08h47, última modificação 13/04/2018 09h50
Cena do filme The Wall/Reprodução
A cada vez que alguém divulgar uma notícia fake na internet sabendo que no fundo, intimamente, está mentindo miseravelmente e não passa de um canalha vil e desprezível...
A cada vez que cidadãos que dizem se preocupar com a Liberdade, a Nação, o Estado de Direito e a Democracia, assistirem passivamente à publicação de comentários econômicos, jurídicos e políticos mentirosos, e a outras calúnias e absurdos na internet, mansa e passivamente, sem resistir nem responder a eles...
A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina, ele estará mais próximo...
A cada vez que alguém disser que o Brasil está quebrado por incompetência de governos anteriores quando somos o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, temos 380 bilhões de dólares – mais de 1 trilhão e 200 bilhões de reais – em reservas internacionais, o BNDES está pagando antecipadamente 230 bilhões de reais ao Tesouro e a divida bruta e líquida públicas são menores do que eram em 2002 com relação ao PIB...
A cada vez que alguém gritar que temos que entregar o pré-sal, a Petrobras, a Embraer, a Eletrobras e a Amazônia para os Estadis porque somos ladrões e incompetentes para cuidar do que é nosso, como se o governo e as empresas norte-americanas fossem um impoluto poço de honestidade e moralismo e até o genro do Rei da Espanha não tivesse sido apanhado em cabide de emprego da Vivo depois que esta veio para o Brasil aproveitando a criminosa privatização da Telebras, feita por gente que depois ocupou aqui a Presidência dessa empresa espanhola...
A cada vez que alguém defender raivosamente o livre comércio quando o Eximbank e a Opic norte-americanos emprestam mais dinheiro público que o BNDES no apoio a exportações e Trump adota sobretaxas contra a importação de aço e aluminio brasileiros e para vender aviões ao governo dos Estados Unidos a Embraer é obrigada a instalar primeiro com participação minoritária uma fábrica nos Estados Unidos...
A cada vez que alguém vangloriar o Estado mínimo, quando os Estados Unidos – que está mais endividado que o Brasil – está programando investir mais de um trilhão de dólares de dinheiro público em obras de infraestrutura para reativar a economia, tem apenas no Departamento de Defesa mais funcionários federais que todo o governo brasileiro e todo mundo – principalmente a China – sabe que não existem nações fortes sem estados fortes, ou sem empresas nacionais privadas ou estatais poderosas que é preciso preservar e defender...
A cada vez que alguém defender a volta de militares golpistas ao poder – porque milhares de militares legalistas foram contra o golpe de 1964 e foram perseguidos depois por defender a Constituição e a Democracia – abrindo mão de votar e suspirar e sentir o cabelo da nuca arrepiar quando vir um reco passar por perto...
A cada vez que alguém afirmar que em 1964 não houve um golpe contra um Presidente eleito, consagrado pelo apoio popular, poucas semanas antes, em um plebiscito amplamente vitorioso...
A cada vez que alguém defender a tortura e a volta dos assassinatos da ditadura, sabendo que em um regime de exceção ninguém está a salvo do guarda da esquina, como aprenderam golpistas que desfilaram pedindo o golpe de 1964 e depois tiveram filhos e parentes assassinados ou torturados pela repressão...
A cada vez que alguém achar normal – desde que não seja seu parente – que, sem flagrante, uma pessoa possa ser levada pela polícia para depor sem ter sido antes previamente intimada a depor pela justiça...
A cada vez que informações sigilosas de inquéritos em andamento forem vazadas propositalmente por quem deveria preservar o sigilo de Justiça, para determinadas e particulares emissoras de televisão...
A cada vez que alguém aceitar que um cidadão pode ser acusado, condenado e encarcerado sem provas e apenas pela palavra de um investigado preso que teve muitas vezes sua prisão sucessiva imoralmente prorrogada, disposto a tudo para sair da cadeia a qualquer preço...
A cada vez que alguém achar que algum cidadão pode ser acusado de ser dono de alguma propriedade sem nunca ter tomado posse dela ou sequer possuir uma escritura que prove que é sua...
A cada vez que alguém acreditar que um apartamento fuleiro que vale menos de um milhão de reais pode ter servido de propina para comprar a dignidade de alguém que comandou durante oito anos uma das maiores economias do mundo...
A cada vez que alguém soltar foguetes por motivos políticos, celebrando sua própria ignorância e imbecilidade...
A cada vez que alguém aceitar promulgar leis inconstitucionais para ceder à pressão dos adversários adotando um republicanismo pueril e imaturo...
A cada vez que a lei aceitar tratar de forma diferente – ou igualmente injusta e ilegal – aqueles que são iguais...
A cada vez que um juiz ou procurador emitir – sem estar a isso constitucionalmente autorizado – uma opinião política...
A cada vez que juízes ou procuradores falarem em fazer greve para defender benesses como auxílio-moradia quando já ganham muitas vezes – também de forma imoral – perto ou mais de 100 mil reais, muito acima, portanto, do limite constitucional vigente, que é o salário de ministros do STF...
A cada vez que alguém defender que "bandido bom é bandido morto" (até algum parente se envolver em um incidente de trânsito ou em uma discussão de condomínio com algum agente prisional, guarda municipal ou agente de polícia)...
A cada vez que alguém comemorar a morte de alguém por ele ser supostamente "comunista", ou negro, viciado, gay ou da periferia...
A cada vez que alguém ache normal – e com isso vibre – que candidatos defendam o excludente automático de ilicitude para agentes de segurança pública que matem "em serviço", em um país em que a polícia já é a que mais mata no mundo...
A cada vez que alguém achar que só ele tem o direito ou, pior, a exclusividade de usar os símbolos nacionais e o verde e amarelo – que pertencem a todos os brasileiros...
A cada vez que um ministro da Suprema Corte se calar quando for insultado publicamente por juízes e procuradores ou por um energúmeno qualquer nas redes sociais...
A cada vez que alguém acreditar que água de torneira – abençoada por um sujeito na tela da televisão – cura o câncer, que a terra é plana, ou que Hitler, obrigado a suicidar-se durante a Batalha de Berlim pelo cerco das tropas soviéticas, era socialista...
A cada vez que alguém achar que é normal que institutos de certos ex-presidentes tenham ganho milhões com a realização de palestras de um certo ex-presidente e outros institutos de outros ex-presidentes tenham de ser multados em todo o dinheiro ganho por palestras de outro ex-presidente...
A cada vez que alguém ache normal que alguém vá para a cadeia por não ter comprado um apartamento e outros sequer sejam investigados por ter comprado várias outras propriedades imobiliárias por preços abaixo do mercado...
A cada vez que uma emissora de televisão, pratique, nas barbas do TSE, impune e disfarçadamente, política, “filtrando” e exibindo depoimentos “espontâneos” de cidadãos de todo o país, para defender subjetivamente suas próprias teses – ou aquelas que mais lhe agradem – em pleno ano eleitoral...
A cada vez que alguém adotar descaradamente a chicana e o casuísmo, impedindo que se cumpra a Constituição, porque está apostando na crise institucional e foi picado pela mosca azul quando estava sentado na principal cadeira do Palácio do Planalto…
A cada vez que ministros do Supremo inventarem dialetos javaneses ou hermenêuticos lero-leros para justificar votos incompreensíveis e confusos que vão contra a Constituição e que a História não esquecerá nem absolverá...
O Fascismo estará mais perto da vitória.
E não perdoará, em sua orgia de ódio, violência e hipocrisia, nem mesmo aqueles que agora estão empenhados, por burrice, oportunismo ou covardia, em chocar o ovo da serpente e abrir-lhe o caminho para o triunfo.

Aonde está nos levando a insanidade do ódio 1?

Divulgando...


“Há uma política de ódio paranoico que permite o desprezo total por Lula”, diz psicanalista
Postado em 13 de abril de 2018 às 8:52 am
O jornalista André de Oliveira do El País Brasil entrevistou o psicanalista Tales Ab’Saber, professor da Unifesp e crítico do governo Temer.
(…)
P. Como você viu o discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, logo antes da prisão?
R. O ponto central foi a ideia de que, a partir de agora, ele é uma ideia. Quando ele fala em ser uma ideia, que pertence a todos, ele evoca termos universais para repor a força do desejo político de cada um. Lula não é um demagogo comum, nem um manipulador regressivo, antidemocrático, como existem tantos por aí hoje. Ele é a encarnação viva, numa potência de corpo única, do conflito entre capitalismo e democracia, em um país periférico e incompleto. Como representante democrático e negociador do conflito de classes que sempre foi, ele tem razão ao dizer que é uma ideia. Isso porque essa ideia de um mediador entre os excluídos e a ordem econômica capitalista é algo que não morre, porque é estrutural do problema da vida social. Essa ideia é uma das faces da própria democracia e ele encarna isso. Lula está no núcleo estrutural dessa questão: a democracia em sociedade de mercado responde ou não responde aos interesses de pobres e excluídos? Ou é democracia apenas para os detentores do poder de mercado? A ideia da dialética política dos conflitos de classe, de modo democrático, que é a defendida por Lula, é uma virtualidade civilizatória da própria democracia. Então, se de fato houver democracia, essa ideia é necessária, e não morre.
P. Apesar da barba e da fala enérgica do líder sindical, Lula nunca foi um radical, não é estranho que essa imagem seja colada a ele agora?
R. Essa imagem só vale para a parte da direita mais grosseira brasileira, a que tem feito tanto estrago na vida nacional e constrangido todo o espírito democrático. É claro que Lula sempre se moveu em uma corda bamba política, na qual ele se equilibrava bem. Sempre ficou entre assumir e convocar os interesses sociais populares, que foram muito tardiamente representados no poder executivo brasileiro, e negociar condições políticas e força institucional real por meio da interlocução com os interesses reais do capital nacional. Seu projeto, muito longe de qualquer radicalismo, foi um modelo de capitalismo nacional, integrado aos fluxos globais. Um plano de desenvolvimento de economia produtiva e de mercado interno, que empregava, produzindo aumento constante da inserção no trabalho e no consumo – a única moralidade que o capitalismo conhece, segundo Keynes.
P. Mas o que explica, então, a eleição de Lula por parte da sociedade como o pior mal da nação?
R. O que se viu no Brasil nos últimos quatro anos – desde quando a crise econômica mundial se agravou durante o Governo de Dilma Rousseff, dando sinal para a guerra aberta que vimos em seu segundo mandato – não foi apenas um ataque de parte da sociedade ao Lula, mas algo que visou degradar toda a esquerda ao atacar sua imagem. Estamos vivendo um estado de guerra total em que há uma política de ódio paranoica muito primitiva em que o alvo é a esquerda democrática contemporânea. Não à toa, do nada, foi reinventado um anticomunismo delirante. Há uma massiva metafísica do mal, muito violenta, um desejo gnóstico negativo, que permite o desprezo total pelo inimigo imaginado que, no caso, é Lula, representando toda a esquerda. Foi assim que a direita brasileira, em um estado de paixão que, entre outras coisas, produziu toneladas de mentiras infindáveis em redes sociais, alcançou um grau de intolerância elevado. Ele é amado demais, e odiado demais também. Torna-se a obsessão de todos. E mesmo sendo um imenso democrata, como Lula é, será odiado. O sacrifício de Lula é social, realizado por grandes conflitos simbólicos de classe. O poder instituído não pode tolerar um homem que sozinho tenha tanto poder pessoal, carismático.
P. Você definiu o Lula como um “herói da luta de classes” no Brasil, mas sua imagem de radical ficou para trás faz muito tempo. Por que essa definição?
R. Lula fez um Governo entre as bolsas sociais para os brasileiros muito pobres, as desonerações de impostos básicos e o financiamento de consumo de bens fundamentais para boa parte da população que não podia consumir. Por outro lado, houve sempre o enriquecimento dos muito ricos com a garantia de um Governo desenvolvimentista. Nenhum contrato foi rompido, o superávit fiscal foi mantido e até ampliado, a inflação controlada e a vida econômica, com trabalho formal e com direitos trabalhistas, disparou o país. Assim, depois de seus dois mandatos bem sucedidos, Lula ficou imensamente poderoso. Era celebrado pelos pobres, que se sentiam contemplados de modo digno e raro no Brasil. Mas também foi celebrado pelos mercados que estavam aquecidos e que enriqueciam. Além disso, sua política sempre conciliadora aceitou o arcaísmo e a regra do jogo da corrupção universal, que foi mantida durante todo seu Governo. Assim, nessa época, ele era uma solução para todos.
(…)
Tales Ab’Saber.


quinta-feira, 12 de abril de 2018

GPI Sugestões para 2018


Bom dia Povo!
Ontem o dia foi tão 'atribulado' que não consegui postar, mas aí vai!
Continuamos hoje as sugestões para Ver/Rever, Ler/Reler e Ouvir/Reouvir. A seguir: Ouvir/Reouvir.

Continuamos hoje as sugestões para Ver/Rever, Ler/Reler e Ouvir/Reouvir. A seguir: Ouvir/Reouvir.

GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO LISTA DE SUGESTÕES INICIAIS PARA 2018

MÚSICAS (OUVIR/REOUVIR) – A música é uma linguagem extremamente provocadora de criatividade e, portanto, de inquietação também... Ela pode se tornar fator de alienação ou de pensamento libertador... depende de quem a ouve!
Aha
Alceu
Alcione
Amir Sater
Barão
Belchior
Bete Carvalho
Beto Brito
Bezerra da Silva
Bilora
Black Sabbath
Bregas (Todas)
Caetano (Um pouco não faz mal)
Caju e Castanha ( E todos os ‘Coquistas’0
Capital Inicial
Carrapicho
Cássia Eller
Chico Buarque
“Chorões” (Todos)
Cia Mambembrincantes
Cidade Negra
Clássicas (Todos de Mozart a Villa Lobos)
Cordel do Fogo Encantado
Dance e Discotheque (Todos)
Demônios da Garoa
Destilados Blues (E Todos os Blues você conseguir)
Dominguinhos
Dudu Nobre
Elba
Engenheiros
Galego Aboiador
Gabriel, O Pensador (Um pouco não faz Mal)
Geraldo Azevedo
Geraldo Vandré
Gil
Gog
Gun’s
Ira
James Brown
Jaz (Todos o que conseguir)
Jimi Hendrix
João Bosco
Jorge Aragão
Jorge Bem Jor
Led Zeppelin
Legião
Los Hermanos
Luis Melodia
Madredeus
Martinho da Vila
Metallica
Moreira da Silva
MV Bil
Nando Reis
O Rappa
Os Três do Nordeste
Paralamas
Paulinho da Viola
Pedra Letícia
Pink Floid
Racionais
Raimundo Sodré
Raul Seixas
Red Hot Chili Pepers
Repentistas (Todos os que você conseguir)
As Grama (Trilha Sonora do Auto da Compadecida)
Sérgio Reis
Teixeirinha
The Doors
The Police
Titãs
Tribalistas
Tribo de Jah
U2
Velas Virgens (Cuidado! Esse é proibido para menores)
Zebeto Corrêa
Zeca Pagodinho
Zé Geraldo
Zé Ramalho (Um pouco não faz mal)
Zeca Baleiro

Ah! Existem muitas músicas ‘gospel’ inspiradoras! Posso sugerir: Oficina g3; Stauros; Diante do trono; Fruto Sagrado; Fernandinho; Padre Zezinho; Shirley Carvalhaes; Metal Nobre; Raízes; Paulo Sena... dentre outros.

Obs.: Você também pode fazer críticas e sugestões: tem alguma sugestão interessante? Nos envie e vamos acrescentá-la neste espaço!

Lula Livre!