quarta-feira, 22 de abril de 2020

O coronavírus dos ricos e o coronavírus dos pobres

Divulgando de EL PAIS


O coronavírus dos ricos e o coronavírus dos pobres
Aqueles que têm tudo de sobra atravessam a tempestade com menos sacrifícios do que os pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já vivem.
Um barbeiro da favela de Mandela, no Rio de Janeiro, trabalha com máscara de proteção durante pandemia de coronavírus.Um barbeiro da favela de Mandela, no Rio de Janeiro, trabalha com máscara de proteção durante pandemia de coronavírus.Antonio Lacerda / EFE
Já se escreveu muito sobre como a tragédia do coronavírus nos iguala a todos porque quando golpeia não conhece classes nem ideologias. Mata ricos e pobres. Isso é, no entanto, uma meia-verdade, porque, como sempre na história, aqueles que têm tudo de sobra atravessam a tempestade com menos sacrifícios do que os pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já vivem.
Pode parecer, mas não é uma blasfêmia dizer que os pobres sofrem menos do que os ricos nestas tragédias porque estão acostumados a conviver com a dor, a frustração e a morte.
Talvez por isso, os que mais se opõem ao confinamento que pode salvar muitas vidas são aqueles para quem não faltará nada durante a quarentena, nem mesmo um bom hospital caso o bicho chegue a pegá-los, como afirmou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Não vimos, de fato, multidões de pobres saírem às ruas para protestar contra o isolamento, apesar de serem eles os mais martirizados por essa medida, pois ela os impede até de sair para ganhar o pão para sua família. Os pobres não têm cadernetas de poupança, e sim dívidas, e a epidemia os deixa mais desprotegidos do que ninguém.
Estão sendo, paradoxalmente, os mais ricos que estão forçando as manifestações contra o isolamento — que, segundo a ciência, é em todo o mundo o único antídoto até hoje para salvar vidas. Sim, o vírus não é classista, mas as tremendas desigualdades da nossa sociedade cruel continuam vivas e até se agigantam durante a epidemia.
Para os mais ricos, os da Casa Grande, o que interessa é que a máquina da produção seja posta em marcha o quanto antes para que a Bolsa volte a subir.
Talvez seja por isso que personagens políticos como o presidente Jair Bolsonaro se revelem desprovidos de sentimentos humanos elementares de compaixão pelos que mais sofrem as consequências da epidemia, e cheguem a negá-la.
Isso explica por que esses pequenos aprendizes de tiranos não se preocupam com aqueles que mais vão morrer com o vírus. Sabemos que são os idosos e os que já sofrem de alguma doença crônica. E essas vítimas são as que menos interessam a todos que veem o mundo sob o prisma do mero lucro ou do mero interesse político. Para eles, idosos e doentes são improdutivos em nossa sociedade do consumo e da vertigem da produtividade a qualquer preço.
Os psicólogos e psiquiatras estão apontando as consequências negativas que terá, para nosso cérebro, a crise mundial que afeta a humanidade inteira. E é aterrador. É um rio de angústias profundas que nossa psique está acumulando, e ainda não sabemos quais serão suas consequências finais.
Mas, dentro de tanta dor, angústia e morte, há um aspecto esquecido que poderia nos ajudar a resgatar um sentimento perdido em nossa sociedade, infectada pelo ódio político e social. Refiro-me a um certo despertar do mundo das emoções, as mais positivas, as que nos curam das psicoses e pareciam adormecidas em uma sociedade contagiada por ódios e discriminações.
É como se o mundo do dinheiro frio e até o do tédio daqueles que têm a mesa farta tivesse se apoderado de um mundo que já é incapaz de emoções humanas profundas.
No entanto, a emoção nos redime de nossos pessimismos estéreis, nos aproxima, nos faz descobrir algo que acreditávamos ter perdido para sempre imersos, como estamos, na sociedade do egoísmo e da inveja. As emoções são o oxigênio da nossa vida interior.
A epidemia, com suas dores, está nos devolvendo, por exemplo, o gosto pela emoção gerada pela solidariedade e pela empatia com os demais, que nos parecem mais próximos e iguais do que nunca.
É verdade que as sequelas psiquiátricas provocadas pelo desespero da separação física podem aumentar durante a crise, como se vê pelo aumento da violência doméstica em algumas famílias. Mas também é possível que o confinamento forçado sirva para que muitos casais e famílias valorizem e reconquistem a intimidade perdida e a alegria de estar juntos.
São essas emoções que o isolamento desperta repentinamente em nós, fazendo com que nos sintamos mais amigos e receptivos à dor e à alegria alheias.
Cenas como a de idosos até de cem anos que saem dos hospitais curados do vírus, sob aplausos de médicos e enfermeiros, eram inéditas até ontem.
Não podemos esquecer, nem mesmo nestes momentos trágicos, que a perda das emoções cria mundos paralelos de ódio e incompreensão da dor e da pobreza alheias.
As emoções, em vez disso, afastam os demônios da vingança. A emoção positiva está mais disposta ao perdão do que ao castigo e nos prepara melhor para compreender a dor e a solidão dos outros.
Quem é incapaz de abrigar emoções diferentes das criadas pela violência e pela morte nunca entenderá o que a ternura e o abraço significam.
O que os nazistas, que arrastavam mães com seus filhos para os crematórios nos campos de concentração, sabiam sobre emoções como a compaixão pelos outros?
Os incapazes de emoções são os mais próximos dos psicopatas que matam com a maior frieza do mundo. Onde estava a emoção nos interrogatórios policiais sob tortura ou nos pelotões de fuzilamento das ditaduras?
Se o coronavírus nos servir para despertar os melhores sentimentos de emoção diante da felicidade alheia, sentimentos que a luta política envenenada aniquilou, a pandemia não terá sido inútil.
Nada seria mais positivo para nosso mundo amargurado e cada vez mais injusto e com maior capacidade de segregação que nascesse um rio de emoções reprimidas capaz de nos redimir de tantos ódios acumulados.
Só aqueles que têm a alma seca de emoções não conseguem entender certas correntes de emoções positivas que só apreciamos quando as perdemos.
É por isso que todos os ditadores ou aspirantes são sempre os mais alérgicos às emoções que salvam e unem a humanidade na busca de uma felicidade que não precisaria matar nem humilhar para se sentir em paz com os outros.
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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Comunismo ou lei da selva

Divulgando de 247...


Comunismo ou lei da selva
Filósofo Zizek aponta um novo tipo de comunismo após a pandemia e o colapso do populismo de direita
12 de abril de 2020, 06:59
“Comunismo ou lei da selva”, proclama o filósofo Slavoj Zizek.
Publicado originalmente pelo Unisinos: O filósofo esloveno não acredita que a emergência traga novos totalitarismos. Aliás, os laços da comunidade serão fortalecidos. Porém, apenas se formos capazes de reconstruir a confiança nas instituições: “o que acontece mostra que cabe a nós, aos cidadãos, sujeitar a maior controle aqueles que governam, certamente não o contrário”.
“Um novo senso de comunidade: é isso que está emergindo dessa crise. Uma espécie de novo pensamento comunista, distante do comunismo histórico. A banal descoberta de que coordenação e cooperação globais são necessárias para combater o vírus tem um viés revolucionário. Estamos redescobrindo o quanto precisamos uns dos outros. No entanto, a Organização Mundial da Saúde sempre o repetiu: e, em vez disso, não existia nada similar nem mesmo dentro da União Europeia”.
Pelo telefone de sua casa em Liubliana, o filósofo e sociólogo esloveno de 71 anos Slavoj Žižek, autor de ensaios famosos como Em defesa das causas perdidas e L’incontinenza del vuoto, tem repetidos acessos de tosse: “Tenho todos os sintomas da Covid-19, mas não sou positivo. Sinto-me mal há anos.” Talvez também por esse motivo ele tenha decidido se questionar como a pandemia está mudando nossas vidas, com uma série de ensaios reunidos na Itália, pela Ponte alle Grazie, em um ebook intitulado, precisamente, Virus. Uma coleção constantemente atualizada com novos acréscimos, para download.
A entrevista é de Anna Lombardi, publicada por La Repubblica, 06-04-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Você escreve: “Receio dormir porque os pesadelos me assaltam sobre a realidade que nos espera”. Todos nós sentimos esse medo: o que você prevê?
A realidade já mudou. Vemos governos conservadores adotando medidas que chamaríamos de socialistas em outros tempos: Donald Trump ordena às indústrias privadas o que produzir. Boris Johnson nacionaliza temporariamente as ferrovias. Todos vivemos de uma maneira que seria impensável há poucos meses. Há aqueles que pensam em um mundo em que se aproveitará do vírus para controlar todos nós, e, é claro, é uma possibilidade. Mas não acredito em novos totalitarismos: são precisamente os governos que estão em pânico hoje, incapazes de controlar a situação, e muito menos construir uma sociedade no estilo Big Brother.
No máximo, há mais desconfiança em relação às instituições. Mesmo na China, testemunhamos protestos, ainda que modestos. Bem, deveríamos encontrar uma maneira de reconstruir essa confiança. Talvez com novos Assange capazes de desmascarar os abusos. Certamente, o vírus mostra que cabe a nós, aos cidadãos, sujeitar a maior controle aqueles que governam, certamente não o contrário.
Você está dizendo que as pessoas deveriam se envolver mais com a política?
Alguém disse que, no meio dessa crise, deveríamos nos preocupar apenas com a nossa salvação. Penso o contrário: não há momento mais político do que o atual. Apesar das advertências dos cientistas, os governos se descobriram despreparados. Mas agora somos forçados para enfrentar o pior, é claro: não há mais espaço para o “America First” e slogans do tipo. Para sobreviver, os Estados a partir de agora terão que lidar continuamente com o futuro. Precisamos de um novo sistema de saúde pública global e agências internacionais aptas a agir com ações acordadas.
Precisamos de salários mínimos garantidos, pagos agora inclusive por Trump. Minha ideia de comunismo não é o sonho de um intelectual: estamos descobrindo na nossa própria pele por que certas medidas devem ser tomadas no interesse geral. Não subestimemos o impulso que o vírus está dando a novos sistemas de solidariedade em nível local e global. Construir um novo modo de viver será o nosso teste. Mas as pessoas precisam retomar as coisas em suas mãos agora: não esperar o fim da crise.
E como fazer isso? Estamos todos trancados em casa.
Nem todo mundo que está em casa passa seu tempo apenas assistindo filmes estúpidos. Todos estão se fazendo perguntas básicas sobre nossa vida cotidiana, questões que em outros momentos definiríamos de metafísicas. Muitos estão usando esse tempo para refletir. E para escolher. É verdade, somos mais isolados, mas também mais dependentes uns dos outros. Vivemos um imperativo paradoxal: demonstramos solidariedade por não nos aproximarmos. Nunca fui um otimista, mas esse respeito pressupõe uma mudança profunda de comportamento que sobreviverá à crise.
Vamos realmente aprender alguma coisa com tudo isso?
O custo psicológico é tremendo. E, é claro, o isolamento também cria novas formas de paranoia: demonstram isso as inúmeras teorias da conspiração na rede, e países como Estados Unidos e China jogando um para o outro a origem do vírus. Mas, repito, estaremos mais conscientes do que significa estar perto dos outros, para o melhor ou para o pior. Reencontrar-se, por exemplo, será uma alegria. Mas teremos mais cuidado. Depois, esta situação tornou bem visíveis as diferenças sociais. Penso no egoísmo dos super ricos fechados em seus bunkers ou em iates. Madonna postou um vídeo na banheira dizendo que estamos todos no mesmo barco. Não é assim e as pessoas veem a situação. Os novos heróis são as pessoas comuns.
Para impedir a propagação do vírus, as fronteiras foram fechadas. Em certo sentido, estamos diante de uma nova forma de nacionalismo. Você não teme uma regurgitação de populismo?
Se algo está sucumbido, é justamente a mensagem populista. Pessoas como Donald Trump e Jair Bolsonaro mostraram sua mesquinharia, dando a ideia de estar pronto para sacrificar os mais fracos. E na Europa não funcionou jogar a culpa nos chineses ou refugiados: quem transportou o vírus foram turistas e empresários. Até a corrida armamentista dos EUA é ingênua.
Eles pensam em proteger a casa e ficam doentes porque não lavam as mãos o suficiente. Estamos todos aprendendo que esforços nacionais isolados não são suficientes: os limites do populismo nacionalista que insiste na soberania do Estado estão diante dos olhos de todos. Repito, a solidariedade global e a cooperação são o único caminho racional e até egoísta a seguir. No entanto, teremos de enfrentar o futuro da União Europeia: foi ridiculamente passiva. Poderia ter determinado ações e distribuído ajuda. Não o fez. Falhou.
Ainda não estamos fora da emergência. Como podemos resistir até então?
Vivemos uma experiência excepcional, pode tirar o nosso melhor ou o pior. Não nos tornaremos todos monges budistas ou santos católicos. Para enfrentar com a solidão, talvez o melhor seja continuar estabelecendo rotinas básicas. Uma repetitividade que nos impede de ceder ao caos. Temos que manter uma ordem para estar prontos amanhã.
Do que você mais sente falta, estando fechado em casa?
De ir às livrarias. Os últimos lugares onde você ainda tem possibilidades de escolha cultural. Não suporto os algoritmos da Amazon, da Netflix: eles oferecem o que pensam que você gosta, sem dar a oportunidade de descobrir coisas novas e, portanto, surpreender-te. Na livraria, você vai para procurar algo e muitas vezes volta com outra coisa. As livrarias são insubstituíveis e é muito grave que a crise as esteja colocando em risco.
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terça-feira, 14 de abril de 2020

Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?, por Armando Coelho Neto

Divulgando de GGN...



Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?, por Armando Coelho Neto
O Estado mínimo neoliberal é reduzido a nada quando o assunto é necessidade básica do povo. Mas para socorrer bancos, há Estado máximo.
Por - ARMANDO COELHO - 13/04/2020

https://jornalggn.com.br/sites/default/files/2020/04/neofascismo-x-neoliberalismo-voce-e-mais-bozo-ou-mandetta-por-armando-coelho-neto-fotorfascismobrasileiro-1.jpg
Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?
por Armando Rodrigues Coelho Neto
A pandemia neofascista antecede à pandemia da Covid-19. No Brasil, os sintomas mais graves surgiram nas tais jornadas de junho/2013 e em capítulos que antecedem o golpe de 2016, muitos descritos neste espaço. Não é o momento de reorganizar esses capítulos, mas traçar linhas entre o neofascismo e o neoliberalismo (*).
O neofascismo pode ser, grosso modo, definido como o movimento de forças retrógradas que busca o retrocesso civilizatório, que se aglutina e se expressa, hoje, por mecanismos digitais mediante engenharia de redes sociais. O neofascismo está associado ao neoliberalismo, pois ambos pregam o Estado mínimo.
No Brasil, o neofascismo chegou ao poder via demagogia penal (Sérgio Moro que o diga), principalmente usando a suposta luta contra a corrupção, em conluio com o Congresso Nacional e a mídia, na qual a TV Globo (que hoje esperneia) exerceu deplorável papel. Além disso, teve maciço apoio do poder econômico, que graças ao coronavírus, pode hoje minimizar o fracasso de Paulo Guedes e do Palhaço-mor do Brasil. Graças à pandemia, a derrocada do pensamento militar que ronda a assessoria do Palácio do Planalto sequer é notada.
Uma vez instalados no comando da Nação, os neofascistas passaram a hostilizar parcela de antigos apoiadores, trabalham intensamente por uma sociedade dividida (pobres contra pobres). Bozo não mede esforços quando antagoniza com governos estaduais (não apenas da Região Nordeste, mais pobre, mas também os conservadores governos das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Agride o Parlamento, a Suprema Corte e insulta a imprensa, em especial a Globo.
Aparentemente, o neofascismo seria a antítese do liberalismo, mas não se observa nenhuma atitude de franca contraposição de parte dos “conservadores obsoletos” (que no cenário político brasileiro são misturados com a esquerda e rotulados de “velha política”, “comunistas”, “esquerdopatas”, “petezada”).

Apesar de o neofascismo expressar-se hoje simultaneamente em diversas partes do mundo, tendo inclusive chegado ao poder nos EUA, Brasil, Hungria, Ucrânia e Itália, não existe uma reação ampla, coordenada, decidida contra o fenômeno. O neofascismo no contexto atual da luta de classes tem o papel de chantagear as instituições.
O capitalismo rentista está no centro desse debate. Ele já não se sente mais obrigado a quaisquer concessões ao bem-estar coletivo, nem consegue mais conviver com a Democracia. Aqui, o neofascismo cumpre papel necessário à elite. Dudu Bananinha se posiciona claramente contra a taxação das grandes fortunas. O posto Ipiranga do pai dele sorri para os financistas. Nas medidas emergenciais contra a pandemia, houve resposta rápida para os bancos, inclusive com a compra de papéis podres. Nenhum dinheiro para empresas e lentidão no que ajudaria a grande massa, diz o economista Eduardo Moreira.
Atos do gênero mostram que o papel do neofascismo é vergastar, destruir a espinha dorsal das democracias liberais, mediante permanente ameaça fascista. Nesse sentido, o jipe, o cabo e o soldado não foram e não são simples retóricas vazias. Não foram exagero ou incontinência verbal de Dudu Bananinha. Foi um recado simples, objetivo e ameaçador, com o qual as instituições convivem, seja por conivência, covardia ou coação. Aqui ali observam-se lampejos higienizantes para dar ares de democracia, normalidade, de que as instituições estão funcionando.
Sob conivência, covardia ou omissão, está clara a prostituição das instituições, a submissão ao interesse financeiro, que aliás, não começou com o fenômeno mais recente do neofascismo como alternativa política séria. Mas sem dúvida, ela se intensifica diante da chantagem fascista. Esta a razão pela qual já não se pode contar com o “mercado” ou mesmo com seus tradicionais porta-vozes políticos – na política, na “juristocracia” ou na mídia tradicional – neles inclusos golpistas travestidos de liberais e os isentões de meia tigela.
O neofascismo tem se colocado como oposição ao neoliberalismo e empurra a sociedade para a defesa de um pretenso “mal menor”. Entre os danos colaterais da chantagem neofascista, já assimilados ao cotidiano, está a infantilização do debate público.

Nesse ponto, conservadores obsoletos, como FHC, rebaixam o debate público à dicotomia: Estado mínimo x Estado máximo, sem considerar uma série fatores inerentes a países em desenvolvimento. Nessa trilha, o Estado mínimo neoliberal de FHC é reduzido a Estado nenhum, sobretudo quando o assunto é necessidade básica do povo. Mas, para socorrer bancos, proteger grandes fortunas há Estado máximo. Eis a síntese do neoliberalismo de FHC, como oposição ao neofascismo bolsopata.
O neofascismo bolsopata vai além. É ausente no social e máximo no campo penal e na guerra. Quer a completa extinção dos direitos sociais e da alteridade comportamental e persegue a homogeneização da sociedade – seja pelo controle religioso, seja pelo condicionamento ideológico, perseguições ao desenvolvimento científico. É contra a livre difusão do conhecimento e da informação.
Em meio à pandemia, a popularidade do Bozo permanece em alta por que a sociedade está dividida entre Bozo e Mandetta (ambos Governo). Entre os que defendem a cloroquina e os “contra” ela (mesmo não sendo). Entre os que acreditam na doença e os que não creem. Entre salvadores da economia e salvadores de vidas. Tudo fruto de manipulações, ideologizações, cruzadas evangélicas e chantagens, por meio das quais a extrema-direita (neofascista) promove a total aniquilação do debate público. As pautas do noticiário são idiossincrasias de um ministro, as postagens abjetas de um político extremista, a fake news da semana ou o “roubou-ou-não-roubou”.
Por fim, ouve-se e lê-se muito, por aí, que a pandemia pôs em xeque o mundo capitalista. Bem, sim e não. A realidade pós-COVID-19 será evidentemente mais amarga e menos próspera. Mas é preciso conter o otimismo ingênuo. Versalhes também já se havia desnudado em sua insensibilidade e distanciamento das demandas populares quando Maria Antonieta mandou os plebeus comerem brioches, já que não havia pães. E, no entanto, a Bastilha não caiu: foi derrubada!

Se quisermos verdadeiramente derrotar o neofascismo, será importante lutar com todas as forças contra o capitalismo rentista e suas instrumentalidades políticas. Pois ao mandar o povo brasileiro para a morte em protestos contra o isolamento social, a extrema-direita deu outro recado: somos úteis ao Capital Financeiro e não desistiremos espontaneamente desse projeto de barbárie e morte.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
(*) Texto produzido com um colaborador anônimo.
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