quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

CRÍTICA DA RAZÃO TUPINIQUIM Roberto Gomes


Divulgando...
Boa tarde povo!
Voltamos!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!




GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
Área de Conhecimento: Ciências Humanas – Filosofia: CRÍTICA DA RAZÃO TUPINIQUIM
Roberto Gomes - (Blumenau, Santa Catarina, 1944) é radicado em Curitiba desde 1964, onde construiu toda sua carreira de escritor, professor de filosofia e editor. Sua obra é composta de ensaios, contos, crônicas, romances e literatura infantil. Sua Crítica da razão tupiniquim, de 1977, um mergulho no pensamento brasileiro, já apresentava seu modo de tratar temas graves com leveza, demolindo miragens. É constante na sua obra a abordagem de temas como a educação, a formação do ser humano, as estruturas de poder, o conflito de gerações. Estreando na ficção com Alegres memórias de um cadáver (1979), e com seu último romance, Os dias do demônio (1995), em uma mescla de ficção e pesquisa histórica, aproxima-se do épico.
GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim (9ª Ed.). Curitiba, Criar Edições. [s/d/1987].
[Resumo – Contra Capa]
“Filosofia é dar-se conta da filosofia.
Dando razões de sua existência e assumindo os
riscos seguintes. Ela não tem qualquer importância
que possa se impor a mim antes do momento em que eu
me importe. Ao darmos a existência da filosofia como
óbvia, ela se vê transformada em sistema acabado, ao modo
de um arquivo de primeiros socorros existenciais. Se
dou sua importância por suposta, a tarefa do pensamento
se empobrece, reduzindo-se à busca de um bom
ajuste entre fórmulas e modelos, estruturas e conceitos,
mais ou menos como me comporto diante da
necessidade de cumprir à risca uma receita de bolo.”

Obs.: A numeração de páginas da presente ‘versão’ não tem nenhuma relação com as edições oficiais desta obra! Por isso estarão referenciadas no início de cada capítulos como: pp. O. numeração da edição original; e V. da atual versão (pp. O: 9 a 12 V: 2 a 5).

QUESTÕES PARA RELFEXÃO – Para todo o livro
Quais seriam os resultados ‘funestos’ da nossa condição de colonizados e de dependentes política-econômica-culturalmente na vida e na história do nosso país? Porque o nosso pensar e agir político-cultural nos levou às situações históricas pelas quais passamos – especialmente à atual? O que tem/teria a ver o nosso ‘modus vivendi’ com a nossa condição de explorados e oprimidos pelas ditas ‘nações desenvolvidas’ – enquanto país –, e pelas nossas elites – enquanto classes pobre e trabalhadora? Teria a mídia corporativa algum papel nessa construção aparentemente um tanto “desorganizada” do nosso pensar?
         Na presente obra o autor explora os porquês da não existência de um pensar (filosofia) brasileiro autêntico, destacando que as nossas construções acerca do real tem como único objetivo ser “ornamento e prenda” e não a transformação deste real. Destaca também alguns dos nossos mitos: o jeito, a concórdia, etc. que têm como base o ecletismo (posição filosófica que assumimos quase desde sempre e que não conformou apenas uma ‘forma de pensar’ e sim, “uma visão de mundo” que nos impede sermos nós mesmos) e na razão afirmativa – fruto do positivismo – que nos impede de ‘negar’ a realidade circundante a fim de apreendê-la, conhecê-la melhor e transformá-la.
         Aparentemente as críticas do autor à nossa razão (razão tupiniquim) é generalizada pra toda a nação (todo o povo), isto por causa de algumas afirmações feitas. Entretanto, a crítica é dirigida aos ditos ‘intelectuais’, à nossa intelectualidade, pois o mesmo afirma que ‘no povo, em suas vidas e nas suas mais variadas manifestações’ estaria (ou poderia estar) a verdadeira fonte de conhecimentos que nos possibilitaria “inventar” uma razão nossa, ou seja, uma razão tupiniquim.
         “Talvez seja impossível o tema deste livro, embora seu título possa ser até sugestivo. Não é fácil escrever sobre algo que só existirá caso seja inventado. Uma Razão brasileira, não existindo atualmente, precisaria antes do mais se providenciada, vindo à tona. Então, das duas uma: ou este livro não pode ser escrito ou será uma tentativa de “inventar” esta Razão, seguindo vestígios esparsos no romance, na poesia, na música popular e até – pois é capaz de que mesmo aí transpareça – nalguns livros de filosofia.”






I. UM TÍTULO – INTRODUÇÃO (pp. O: 9 a 12 V: 3 a 6)
Tudo o que eu digo, acreditem, teria mais solidez se em vez de carioquinha eu fosse um velho chinês.
Millôr Fernandes
(Papáverum Millôr)

QUESTÕES PARA RELFEXÃO
O que pode significar isso: Razão Tupiniquim? (...)
Conseguimos rir de tudo. Do governo que cai e do governo que sobe. Das instituições que deveriam estar a nosso serviço, dos dirigentes que deveriam representar nossos interesses. (...)
Creio que a existência de uma piada tipicamente brasileira deveria ser objeto de estudo mais aprofundado. Possuirá características específicas? Que atitudes básicas revela? Uma saudável maneira de suportar um existir humilhado? Um modo de estar acima daquilo que amesquinha nosso dia a dia? (...)
            Talvez uma posição existencial muito nossa. O riso – um certo tipo de riso, o nosso – nos salva, tiraniza o tirano, amesquinha quem nos tortura, exorciza nossas angústias. Não creio, aqui de meu ponto de vista brasileiro – e que outro ponto de vista poderia importar? – que pudéssemos ter feito melhor.
         Há um perigo, porém. Sempre há um perigo. A mesma piada que salva pode mascarar-se em alienação. Como qualquer criação humana, também a piada deve ser essencialmente crítica, já que é de sua pretensão ser isso: uma forma de conhecimento. Ora, quando o riso se perde em pura facilidade, em distração, morre a atitude crítica. E o “jeito piadístico” estará a serviço de nossa inautenticidade [alienação]. Há indícios, entre nós, de tal coisa: deixar como está pra ver como é que fica; não esquentar a cabeça [“quem esquenta a cabeça é palito de fósforo, e morre queimado”]; analisa não; dá-se um jeito [“o que não tem remédio, remediado está”]. (...)
         Desconhecendo-se, mal sabendo de uma Razão Tupiniquim, o brasileiro aliena-se de dois modos: rindo de sua sem-importância ou delirando em torno do “país do futuro”, em variados “anauês”.

            O que pode significar isso: Razão Tupiniquim? Tratando-se de título de um livro, supõe-se que denuncie um tema. Ocorre que este tema jamais foi explicitado, não existindo. Fácil constatar que entre nós esta Razão estará adormecida ou pulverizada em mil manifestações que seria problemático reunir num único nó com a virtude da síntese.
            Talvez seja impossível o tema deste livro, embora seu título possa ser até sugestivo. Não é fácil escrever sobre algo que só existirá caso seja inventado. Uma Razão brasileira, não existindo atualmente, precisaria antes do mais se providenciada, vindo à tona. Então, das duas uma: ou este livro não pode ser escrito ou será uma tentativa de “inventar” esta Razão, seguindo vestígios esparsos no romance, na poesia, na música popular e até – pois é capaz de que mesmo aí transpareça – nalguns livros de filosofia.
            Mas estas alternativas devem ser rejeitadas. Primeiro, me é impossível não escrever este livro. Segundo, é absurda a pretensão de “inventar”, aqui, seu tema. Outra será sua pretensão.
            Partamos de algo pacífico: mal sabemos o que seja uma Razão Tupiniquim. Uma piada, talvez. Hipótese que nos causaria grande prazer. Gostamos muito de piadas. Há todo um espírito brasileiro que se delicia com a própria agilidade mental, esta capacidade de ver o avesso das coisas revelado numa palavra, frase, fato. Somos, os brasileiros, muito bem humorados. Conseguimos rir de tudo. Do governo que cai e do governo que sobe. Das instituições que deveriam estar a nosso serviço, dos dirigentes que deveriam representar nossos interesses. E não é só. Chegamos a fazer piadas sobre nossa capacidade de fazer piadas. Nada mais ilustrativo do que a série de piadas onde representantes de outros países são ridicularizados pelo desconcertante “jeitinho” de um brasileiro. Neste plano, seja dito, nos movemos com facilidade gritante.
            Desta atitude seria útil extrair o avesso. Embora tenhamos uma imensa mitologia construída em cima de nosso jeito piadístico, no momento de pensar não admitimos piada. Queremos a coisa séria. Frases na ordem inversa, palavras raras, citações latinas – e é impossível qualquer piada em latim, creio. Isto criou situações constrangedoras, como as fúteis críticas sérias a Oswald de Andrade, acusado de mero piadista. Estranha gente, esta. Gaba seu inimitável jeito piadístico, mas na hora das coisas “culturais” mergulha num escafandro Greco-romano.
            Creio que a existência de uma piada tipicamente brasileira deveria ser objeto de estudo mais aprofundado. Possuirá características específicas? Que atitudes básicas revela? Uma saudável maneira de suportar um existir humilhado? Um modo de estar acima daquilo que amesquinha nosso dia a dia? Talvez sim. Certamente sim. Uns reagem com dramaticidade, tragédia e muito sangue – ocorreu-nos reagir com o riso.
            Talvez uma posição existencial muito nossa. O riso – um certo tipo de riso, o nosso – nos salva, tiraniza o tirano, amesquinha quem nos tortura, exorciza nossas angústias. Não creio, aqui de meu ponto de vista brasileiro – e que outro ponto de vista poderia importar? – que pudéssemos ter feito melhor.
            Há um perigo, porém. Sempre há um perigo. A mesma piada que salva pode mascarar-se em alienação. Como qualquer criação humana, também a piada deve ser essencialmente crítica, já que é de sua pretensão ser isso: uma forma de conhecimento. Ora, quando o riso se perde em pura facilidade, em distração, morre a atitude crítica. E o “jeito piadístico” estará a serviço de nossa inautenticidade. Há indícios, entre nós, de tal coisa: deixar como está pra ver como é que fica; não esquentar a cabeça [“quem esquenta a cabeça é palito de fósforo, e morre queimado”]; analisa não; dá-se um jeito [“o que não tem remédio, remediado está”].
            O conformismo brasileiro encontra aí ser terreno de eleição. Justificar, por exemplo, sua própria condição – dependência, insolvência política, jogos de privilégios – através de um simples “o brasileiro é assim mesmo”, eis o que impede seja criada entre nós uma atitude tipicamente brasileira ao nível da reflexão crítica, proposta e assumida como nossa. Desconhecendo-se, mal sabendo de uma Razão Tupiniquim, o brasileiro aliena-se de dois modos: rindo de sua sem-importância ou delirando em torno do “país do futuro”, em variados “anauês”. Na verdade, conformismo e ausência de poder crítico, pois nos dois casos há um abandono – “deixa como está para ver como é que fica” – e uma esperança mágica – “dá-se um jeito”.

            Mergulhado num escafandro greco-romano – embora não seja nem grego nem romano – o brasileiro foge de sua identidade. Tem sido na filosofia que o espírito humano tem buscado sua auto-revelação. Porém, autocomplacente e conformista, sujeito sério, o brasileiro ainda não produziu filosofia. Assim, é necessário advertir que um pensamento brasileiro jamais esteve lá onde tem sido procurado: teses universitárias, cursos de graduação e pós-graduação, revistas especializadas – e logo se verá por quê. No bolor de nosso “pensamento oficial” não se encontra qualquer sinal de uma atitude que assuma o Brasil e pretenda pensá-lo em nossos termos. Além do palavrório aridamente técnico e estéril, das ideias gerais, das teses que antecipadamente sabemos como vão concluir, das ideias bem pensantes, nada encontramos que possa denunciar a presença de um pensamento brasileiro entre nossos “filósofos oficiais” vítimas de um discurso que não pensa, delira.
            Este livro inviável começa, pois, com uma série de advertências. A questão de um pensamento brasileiro deverá brotar de uma realidade brasileira – não do “pensamento” e da “realidade” oficiais. Deve inventar seus temas, ritmo, linguagem. E inventar seus pontos de vista. Obras como as de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Machado de Assis, Lima Barreto, Sérgio Buarque de Holanda, Noel, Chico Buarque, além daquilo que se tem feito no campo das ciências humanas nos últimos anos, têm mais a nos dizer do que as maçantes teses universitárias nas quais a filosofia se mascara no Brasil. O mesmo se diga do torcedor de futebol, da porta-estandarte e do homem da rua em geral.
            Mas não será apenas isso que irá tornar viável este livro. Uma Razão não se faz com um livro. Provisoriamente, permaneçamos em nossos limites. Não se trata de “inventar” uma Razão tupiniquim, mas de propor um projeto, um certo tipo de pretensão, certamente quixotesca e evidentemente absurda: pensar o que se é, como se é.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.