quarta-feira, 22 de agosto de 2018

REBELDIA Lindberg Farias

Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!



GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
REBELDIA
Lindberg Farias – Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 101 a 108).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
Para que a roda da História continue a girar é necessário que a população, ou pelo menos parte dela, tenha uma atitude rebelde. Discutir rebeldia é discutir nossas perspectivas para o futuro. Lindbergh Farias, líder estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes, destaca a tendência natural dos jovens a reagir contra o que lhes parece errado no “status quo” das sociedade. A rebeldia é exclusivamente dos jovens? Ela se manifesta apenas em momentos de crise aguda e generalizada? Existe uma rebeldia “positiva”, resultante das preocupações com o social, e uma rebeldia “negativa”, calcada no ódio racial, no separatismo, na revolta sem causa aparente? O que distingue os “cara-pintadas” do movimento pró-impeachment dos “skinheads” neonazistas?


            A função da universidade não é só formar recursos humanos. A universidade tem uma função maior, além de produzir ciência e tecnologia, que é trazer os grandes debates da sociedade para a discussão. É da universidade que sai o conhecimento de ponta do nosso país. Não só nas áreas de ciência e tecnologia, mas também nas áreas de ciências sociais e de ciências humanas. Não podemos hoje nos render aos apelos tecnicistas. Muita gente quer que a universidade seja o grande centro de produção técnica, específica. Muita gente quer passar uma visão extremamente tecnicista da universidade, como se fosse só sua função desenvolver as últimas inovações em termos de micro ships, na área da engenharia, da medicina. Tentam, de todas as formas, quebrar esse pensamento crítico, de questionamento, que existe entre os estudantes, entre a intelectualidade desse nosso país. Vocês veem concretamente que saiu das universidades, dos professores, da SBPC, dos estudantes, grande parte do questionamento à ditadura militar. Saiu dos estudantes aquele anseio concreto que existia de luta pela liberdade e luta por justiça social, e nós temos um exemplo na UnB, o Honestino Guimarães, ex-presidente da UNE. Então querem podar essa criatividade, essas inovações que podem surgir na universidade. Então é nesse sentido que eu elogio a realização desse Fórum do pensamento inquieto. Acho que já é uma atitude rebelde nossa, parar hoje para discutir Deus, Marx, o papel do Estado, Rebeldia, Ética, Democracia. Já é um início para tentarmos resgatar a verdadeira função da universidade, que não é só a universidade que formaria os maiores cirurgiões plástico do mundo, mas é o Brasil que não forma nas universidades o médico que discute a prevenção de doenças que atinge o grosso da população brasileira. É o Brasil dos arquitetos especializados em construção de mansões luxuosas, e não o Brasil que forma arquitetos que elaborem projetos alternativos de construção de moradia popular. É o Brasil dos profissionais que saem, porque essa é a visão que querem passar, saem da universidade comprometidos apenas com os interesses das elites. Acho que o nosso ato de rebeldia é questionar nossos currículos, tentar romper essa cerca da universidade e criar, de fato, laços da universidade, laços do ensino, da pesquisa, da extensão, com a comunidade carente, com essa população brasileira, miserável. É preciso, sim, sair do gueto. Nós queremos que essa tal de universidade pública e gratuita, que falam que existe, não seja só o fato de a gente não pagar a mensalidade. Mas esse ‘público’ significa que a universidade tem de ter ligação com os interesses da maioria da população. A universidade não pode estar distante, por exemplo, dos arrastões do Rio de Janeiro, do pessoal da saúde, dessa epidemia do cólera. A universidade tem de estar perto, vinculada aos interesses imediatos da população brasileira. Esse é o grande debate que existe hoje na universidade. A luta pela ‘publicização’. Faço esse apelo para que cada um, no cotidiano, no dia-a-dia, na sua forma de agir na sala de aula, nas discussões sobre os currículos, e também a instituição, como um todo, se rebelem nesse momento. Nós temos de construir agora uma universidade vinculada aos interesses mais populares, e não transformar a universidade em shopping Center do conhecimento para os grandes grupos econômicos. Não podemos transformar as universidades apenas em produtoras de ciência e tecnologia para as grandes empresas. A universidade tem de se ligar aos interesses da maioria da população.
            Comecei com esse tema Rebeldia, tocando em coisas do nosso dia-a-dia concreto, na universidade. Acho que a discussão da rebeldia está extremamente ligada também com a discussão do futuro. Rebeldia está extremamente ligada ao futuro. O que é que leva o motor da história a andar? O que leva às mudanças na sociedade? É a indignação, a inquietude, que faz as pessoas se rebelarem contra esse determinado estado de coisas. Pode-se dar vários exemplos disso. A Revolução Francesa, a Revolução Russa, os cubanos, quando fizeram sua revolução, eram chamados de Rebeldes. Isso em todos os momentos da história. Para a roda da história andar é preciso que a população, ou pelo menos um setor dela, se rebele. Então, discutir rebeldia é discutir as nossas perspectiva para o futuro. E aí a discussão da rebeldia se liga à questão da juventude. Há quatro meses todos diziam que o movimento estudantil tinha acabado, a UNE tinha morrido, os estudantes não tinham nenhum papel a jogar no processo político do país. Era a juventude da geração coca-cola e que não tinha mais jeito. Era coisa da década de 1960. Isso circulava não só no meio dos estudantes, mas no meio de intelectualidade, em toda a sociedade existia essa discussão. Quem se apressou em rezar a missa de sétimo dia da participação política dos estudantes deve ter ficado impressionado com a vitalidade do defunto, depois de todas essas mobilizações pelo impeachment. Sempre foi uma marca da juventude do nosso país a participação política em momentos cruciais.
            A UNE foi criada em 1937, já se organizando contra a ditadura do Estado Novo. Vários líderes estudantis jogaram um grande papel em toda essa mobilização. Depois os estudantes pressionaram o governo de Getúlio para entrar na guerra contra o nazi-fascismo, no momento em que o governo balançava por suas ligações com a Alemanha de Hitler. Os estudantes também jogaram um importante papel na luta “O petróleo é nosso”, e também no governo João Goulart, pelas reformas de base: educação, agrária, etc. E o período todo especial da ditadura militar de 1964. Os estudantes tiveram um papel em todo aquele processo. A primeira atitude dos generais foi destruir o histórico prédio da UNE, localizado na Praia do Flamengo, nº 132, na madrugada do dia 31 de março para 1º de abril. Mesmo com o cerco militar, a turma continuava nas ruas. Houve a passeata dos cem mil em 1968, liderada no Rio por Wladimir Palmeira. Logo depois do AI-5 teve o Congresso da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo, que reuniu estudantes do Acre ao Rio Grande do Sul, provocando um grande cerco do Exército e a prisão dos líderes estudantis nacionais. Foi nesse momento que ganhou força a palavra de ordem: “A UNE somos nós, nossa força, nossa voz.” Porque no outro dia nos jornais da repressão, da ditadura militar, colocaram na capa que depois do Congresso de Ibiúna tinham prendido todos os líderes, e o movimento estudantil tinha morrido. Respondendo à imprensa, aconteceram mobilizações espontâneas dos estudantes em todo o país, que levantavam aquela bandeira da “UNE somos nós, nossa força, nossa voz”. Ou seja, mesmo sem as lideranças, mesmo sem os dirigentes da UNE aqui estão os estudantes novamente lutando pela liberdade, Não foi só isso. Tentam apagar da história, por exemplo, as mobilizações de 1977 dos estudantes em São Paulo e no Rio de Janeiro pela anistia ampla, geral e irrestrita, em nosso país. Então, é um pouco precipitado se afirmar que o movimento estudantil e a juventude não jogavam mais nenhum papel no processo político nacional.
            Se avaliarmos, não é só a questão do Brasil. Toda vez que a crise na sociedade é geral, que faltam perspectivas para o futuro, a juventude sai com vigor às ruas. O que foi o processo do leste europeu? Quem estava na frente daquelas mobilizações lá? A juventude daqueles países. Na queda do muro de Berlim, a participação da juventude também foi importantíssima. Na Coréia do Norte, vemos o sonho da juventude coreana da unificação das duas Coréias. Mesmo em Los Angeles, aquela revolta dos negros, de uma imensa maioria de jovens negros. E aqui no Brasil, em todo esse processo do impeachment. Analisando bem, essa sempre é uma característica da juventude. Não só agora, para o futuro também, quando não existirem perspectivas. Essa juventude funcionou um pouco como termômetro. Ela se rebela com mais facilidade e ocupa as ruas em grandes manifestações. É errado dizermos e associarmos essa rebeldia da juventude e a rebeldia do nosso povo apenas às grandes lutas políticas. A rebeldia é algo inerente ao próprio ser jovem, por vários motivos. Primeiro, por não estar participando ainda de maneira efetiva do setor produtivo. A rebeldia tem muita liberdade. Ela, às vezes, é canalizada num grande processo de participação política, outras vezes, não. Por exemplo: em determinados momentos da história, quando as perspectivas não são claras, podemos dizer que não é uma forma rebelde de comportamento a proliferação na Europa, em determinado momento da história, de grupos darks e grupos punks. Sim, é uma forma de contestação, é uma forma de rebeldia contra uma situação, mas sem saber qual a saída. Rebeldia contra um determinado sistema social, mas sem saber quais seriam os rumos de modificação de tudo isso. Outro exemplo é o caso de Los Angeles. Aquela juventude negra foi às ruas contra as discriminações racial e social, mas não sabia quais as formas e os caminhos da luta. Tem até uma música de Cazuza que fala: “Ideologia, eu quero uma pra viver. Meus heróis morreram de overdose, etc.”, que reflete o pensamento da juventude naquele momento. Ele demonstra, naquela música, a revolta contra a situação que existia no Brasil, mas não existiam perspectivas de transformação. Não existiam de forma clara para essa juventude as formas de mudança. A rebeldia esta presente. O mundo de hoje se utiliza muito do fracasso da experiência do socialismo no leste europeu; da queda do muro de Berlim, pra tentar passar para o jovem, especialmente o do Terceiro Mundo, que o sonho do socialismo morreu. Mas não só isso, tentam passar além disso que o sonho de construção de um mundo coletivo morreu, que o Brasil coletivo não existe mais, tentam passar que qualquer coisa coletiva é démodé, que cada um deve discutir a construir sua vida própria. O jovem deve entrar para a universidade, anotar o que o professor fala, não participar do centro acadêmico, ir para casa, não participar de um fórum como este, não participar de nada disso. Essa é a mensagem que tentam passar para nossa juventude, através da grande mídia.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




quarta-feira, 15 de agosto de 2018

ÉTICA 2 LULA


Divulgando...
Bom dia povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
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CONTINUANDO...

            Eu quero dizer que a questão da ética vai exigir de nós uma dinâmica um pouco maior. Se pararmos no impeachment do Collor, não estaremos contribuindo com o tipo de sonho que despertou, que levou milhões de pessoas às ruas, e que motivou toda essa briga para afastar o presidente. É preciso que nós, de uma vez por todas, exijamos a moralidade na administração pública. Ninguém pode ser eleito nesse país e governar, ou legislar em causa própria. Ninguém pode determinar, sem consultar organismos democráticos da sociedade civil, sobre coisas que mexem diretamente com o dinheiro público. Nós vimos agora que a Caixa Econômica Federal deu um desfalque de quase 11 trilhões de cruzeiros no FGTS. Com que direito um cidadão pode mexer em 11 trilhões de cruzeiros que não são dele, que são de toda a sociedade, sem que esta sociedade tenha o direito de saber se ele mexeu ou não no dinheiro?

            Nós precisamos começar a perceber que não é ético, por exemplo, os deputados legislarem sobre seu próprio salário. É preciso que haja mecanismos para que as coisas sejam feitas mais às claras. Eu não estou aqui fazendo juízo de valor sobre salário de deputado. Mas acho que devemos ter outro comportamento para servir como exemplo, da mesma forma que nós não podemos permitir que um presidente de uma empresa estatal trate a coisa pública como se fosse particular, e a partir dali ele empregue o carreirismo, sem levar em consideração nenhum critério de produtividade, de rentabilidade de uma empresa. Não é que as empresas estatais não funcionem. Nós estamos quebrando, não porque elas não prestem, nós estamos quebrando porque elas são mal administradas, porque elas não são administradas como coisa pública, mas como coisa privada. É a coisa pública a serviço de determinados grupos, quando deveria estar a serviço de todos. Se nós não fizermos isso, não estaremos estabelecendo a ética neste país. Como acho que a falta de ética é uma coisa quase milenar, só não é milenar porque o Brasil não tem mil anos, nós precisamos de muita luta para começar a mudar a situação desse país.
            Vocês imaginem, por exemplo, o que é falta de ética com a nossa juventude. Acabou de ser aprovado a Estatuto da Criança. As pessoas fazem discurso chorando na Câmara dos Deputados. Várias comissões dos direitos humanos saem pelo mundo a fora divulgando o Estatuto da Criança que foi aprovado. As crianças têm direito a tudo: a uma família, a uma casa, à educação. É fantástico do ponto de vista de do princípio geral que está contido na lei. Mas quando olhamos este mesmo Estatuto da Criança que determina tudo que elas têm direito, e percebemos que neste país o salário mínimo é de apenas 50 dólares, nós imaginamos: “Não pode ser verdade”, e não pode combinar o Estatuto da Criança com a distribuição de renda no país. Por isso é que no Brasil se adota um discurso de que a lei “pega, ou não pega”. Porque, se as pessoas fazem o Estatuto da Criança com boa vontade, tentando responder àquilo que é fundamental, é preciso que, do ponto de vista econômico, o governo leve em consideração uma boa distribuição de renda, para que possam se cumpridas as exigências que estão na Constituição, no Estatuto da Criança, no Estatuto da ONU dos Direitos Humanos, de garantir às pessoas o direito à cidadania.
            Como se pode falar em ética num país em que apenas 1% da juventude está na universidade. E a juventude que está na universidade é privilegiada, porque, além de poder estar na universidade, é a que pode estar organizada. Quando poderemos organizar esses milhões de jovens que não entram no mercado de trabalho, que não entram nas escolas e que, portanto, estão predestinados a serem vítimas da violência da polícia nas ruas das grandes cidades? Isso é falta de ética. É dever do Estado, agindo eticamente, garantir para todas as pessoas esse direito à universidade. Quanto aos meios de comunicação, a questão da ética deve ser considerada. Qual o acesso que se tem hoje na determinação da programação da televisão? Outro dia o Chico Anísio falou mal de mim no ‘Fantástico’. Eu entrei com direito de resposta na Justiça e em contato com o chefe de programação da Globo. Eles me deram o direito de resposta durante um minuto e trinta segundos. No outro domingo Chico Anísio falou outra vez. Eu teria que entrar na Justiça e demora mais quatro meses. Que ética é essa? Quando alguém pode falar mal de você e você não tem o direito de responder imediatamente? Às vezes você é obrigado a esperar seis meses, e quando chega o direito de resposta, acabou o momento político apropriado. Que ética é essa nos meios de comunicação quando qualquer pessoa, que votou cinco anos para Sarney, conseguiu rádio, conseguiu televisão e o sindicato de São Bernardo, há quatro anos com um pedido de uma estação de rádio, não consegue. As universidades não têm direito a um canal de televisão, uma emissora de rádio! Então, não é possível!
            A informação tem muito a ver com a ética. A informação pode acobertar determinadas coisas e pode divulgar outras tantas. Por exemplo, no caso da NEC, e que há denúncia de envolvimento do Roberto Marinho e Antonio Carlos Magalhães. Está certo que outro que estava envolvido também, o Mário Garnero, não é nenhum santo. Mas ele estava envolvido.
            Eles fizeram um acordo em Brasília, ACM e Quércia, para não se tocar, tanto na VASP quanto na NEC. E os meios de comunicação não divulgam. Como é que podemos, efetivamente, falar que existe ética em nossos meios de comunicação? A censura ideológica é determinada pelo dono da emissora na programação jornalística e na programação normal.
            A questão da concentração de renda é outro aspecto que deve ser estudado com seriedade. Será que é ético um país que tem uma renda per capta de 4.36 dólares ter uma grande maioria vivendo com menos de cem dólares? Não é uma distribuição ética. No mínimo alguém está comendo o pãozinho que está faltando para aquele cidadão que está morando embaixo da ponte, ou para o companheiro camponês que está se afastando da sua terra natal para ser mais um indigente em uma grande metrópole brasileira. Não é ético, não é apenas no Brasil. Não é ética a relação do Primeiro Mundo com o Terceiro Mundo. Se imaginarmos que nós, do Terceiro Mundo, consumimos apenas 27% da riqueza e representamos 80% da população; se imaginarmos que 80% da população pobre comem apenas 20% da riqueza produzida; que 20%, representantes do Primeiro Mundo, consomem 80%, percebemos que há uma inversão de valores extraordinária. Tem gente comento nosso bife. Tem gente tomando nosso café.
            E o que é grave. Fui a um debate em Berlim e um físico de Munique começou a discutir uma coisa que me chamou muito a atenção. Precisamos começar, no Primeiro Mundo, a parar de discutir o que a gente vai conquistar. Nós agora precisamos começar a discutir o que vamos devolver.
            Por que ele levantou essa tese? Ele levantou essa tese porque, num estudo que apresentou na universidade, chegou à conclusão que, para garantir a todo o povo do Terceiro Mundo o mesmo padrão de vida de um europeu ou de um americano, seria necessário que o planeta Terra fosse três vezes maior do que ele é hoje. Como não dá para aumentar o planeta Terra, e nós ainda não dominamos Marte ou outros planetas para sabermos se há riqueza para explorar, é preciso começar a distribuir, de forma mais justa, o que já existe, porque senão, vai predominar na cabeça dos que já têm que nós temos que morrer sem ter. Então, começa a prevalecer a ideia que tem que haver pobre mesmo, para que possa haver rico. Imaginem se, de repente, na China, todo chinês tivesse um carro. Ou se todo chinês tivesse um aparelho de ar-condicionado. Eu cito a China, poderia ser todo o Terceiro Mundo.
            A falta de ética na distribuição da riqueza, que teoricamente deveria ser de todos, é o que gera falta de ética nos comportamentos, que vão descendo até chegar, às vezes, às nossas salas de aula, ao nosso Congresso Nacional, à nossa Câmara de Vereadores, às vezes até na nossa própria casa. É por isso que digo que a ética envolve muito mais do que a questão política, porque envolve nossa formação religiosa, envolve nossa formação ideológica, envolve o que pensamos do mundo. O mundo, que está na nossa cabeça, está muito ligado ao nosso comportamento ético. É por isso que tem um ditado que diz: “A cabeça pensa aonde os pés pisam”. Nós somos resultado do nosso meio ambiente. Se nós vivemos num meio ambiente corrupto, a tendência natural é aprendermos a viver com a corrupção sem que isso pareça um mal maior para todos nós. E nós sabemos que num país como o Brasil a roubalheira chega a tal ponto que o jornal O Globo (não é coisa do jornal da UNE, nem do PT, nem do PC do B, nem do PPS, nem do PSB) publicou uma pesquisa, no dia 27, na primeira página, em que de 4190 empresários pesquisados, 90% sonegam algum tipo de imposto.
            Há quem diga que para cada cruzeiro arrecadado há um cruzeiro sonegado. Só para entendermos os números, o Imposto Territorial Rural, em 1991, arrecadou apenas 53 milhões de dólares, o IPI de cigarro arrecadou um bilhão e meio de dólares. Isso significa que os grandes latifundiários deste país não estão pagando imposto, significa que muitos empresários estão sonegando imposto. E se eles estão sonegando imposto, estão faltando com a ética com aqueles que pagam, que são aqueles que recebem o contracheque no final do mês, porque é descontado na fonte.
            Finalmente gostaria de terminar dizendo que precisamos colocar a questão da ética na ordem do dia outra vez. É preciso que continuemos passando para a classe política, para os empresários, para os sindicalistas, para os estudantes e para a sociedade que a luta pela ética não deve acontecer somente num determinado momento histórico em que um governante está envolvido numa maior ou menor corrupção. A ética exige de nós um comportamento diário. Durante um mês, durante um ano, durante nossa vida. Nós temos que exigir que as pessoas sejam sérias. Nós temos que exigir um comportamento digno. Nós precisamos exigir que as pessoas que administram a coisa pública a administrem enquanto coisa pública, sabendo que ela é de todos e não deles. Se nós não entendermos isso como o cotidiano de nossa vida, estaremos contribuindo para que os corruptos continuem a vingar neste país. Não haverá nenhuma possibilidade, neste país, de se resolver o problema do analfabetismo, o problema de s5 milhões de deficientes físicos, de milhões de jovens que estão desempregados, sem escola para estudar, de milhões de meninas e meninos que estão se prostituindo a troco de um prato de comida. Não existirá nenhuma possibilidade de se evitar o êxodo rural. Não há possibilidade de mudar a política de distribuição de renda se não exigirmos que este país, de uma vez por todas, vire um país ético, com as pessoas se comportando decentemente. Depende somente de nós. Podemos exigir isso em nossas escolas, nossos sindicatos, em nossas casas.
            Gostaria de abordar, também, o problema dos meninos de rua. Quero dizer que não é apenas responsabilidade do Estado. Quantas pessoas poderiam se responsabilizar por uma criança de rua? Quantos de nós poderíamos adotar uma criança? Empresário, comerciante? Não seria levar para casa, mas assumir a responsabilidade do material escolar e da cesta básica de uma criança, da sua alimentação mensal. Por que ficamos apenas esperando, jogando a culpa no Estado, como se nós ganhássemos e pudéssemos resolver isso amanhã? Por que que nós não assumimos enquanto cidadãos? Por que cada grande empresário não duas, três crianças de 14 a 16 anos trabalhando um período, estudando no outro, e ganhando um salário, tendo material de escola, tendo onde dormir? Por que nós não fazemos esse gesto, que é uma coisa mais prática, uma coisa mais concreta, que uma parcela da sociedade pode fazer? Acho que os alimentos que são jogados fora neste país poderiam minorar a fome de milhões de crianças de rua que estão aí. É uma coisa que nós vamos ter que pensar, enquanto sociedade organizada. Não dá para ficar jogando a culpa em cima dos outros. Porque, aqueles mesmos que prometem que vão resolver, quando ganham as eleições são os primeiros a mandar a polícia bater, porque pobre não pode ir à praia. Afinal de contas, vai poluir aquela praia de água tão limpa. Como vamos impedir que um pobre da favela de Santa Marta desça o morro e faça uma desgraça qualquer? Aqueles moleques estão a dois mil metros de altura, vivendo no meio de fezes, de esgoto, de tudo que não presta. O ‘inseto’ menor que passa perto deles é o rato. Então eles descem o morro, chegam à avenida Atlântica, chegam a Ipanema. Aquelas crianças são induzidas pelo seu subconsciente a praticar qualquer coisa.
            Aí, sim, é que entra o Estado, com mecanismos de educação, de distribuição de renda, mas também nós podemos contribuir. Essa é uma coisa que precisamos começar a pensar, e não largar apenas nas mãos dos outros. Nós precisamos começar a assumir, porque não é pouca gente, é muita gente. E a desgraça é só tentarmos cuidar da miséria a partir da própria miséria. E vamos resolver o problema da miséria cuidando onde ela já existe. Temos que evitar que novos focos de miséria comecem a surgir neste país. Precisamos cuidas das crianças de rua de hoje, evitando que surjam novas crianças de rua, através de um programa de educação para que as pessoas saibam efetivamente controlar a natalidade, até a produção de alimentos para distribuição gratuita aos segmentos mais pobres da nação. E a questão da fome é tão séria que o cidadão pode não ter onde dormir, ele dorme na calçada, pode não ter onde tomar banho, que ele fica sem banho, agora, sem comer, não dá.
            Gostaria de juntar um leque de pessoas, de entidades, de Igrejas, para ver se despertamos neste país a consciência contra a fome. Porque antigamente, quando eu era pequeno, minha mãe era miserável, não tinha o que comer, mas se chegasse um mendigo em nossa casa, pedindo um prato de comida, o que fazíamos naquela época? Mandávamos entrar, e dávamos um prato de comida. Hoje, nós estamos tão assustados que se chega alguém pedindo comida, a primeira coisa que se faz é fechar o portão e não atender. Nós estamos perdendo por indução, por causa da ideologia vendida pela televisão, aquilo que nós tínhamos de mais sagrado que era o nosso espírito de solidariedade. Nós estamos perdendo isso e precisamos recuperar.
            Por isso, eu quero dizer a vocês que as diferenças ideológicas não devem impedir que as pessoas se unam. Na votação do impeachment do Collor, todos nós nos unimos. Estávamos com a disposição de arrumar 336 votos, e não tive nenhum constrangimento em conversar com o Quércia, do mesmo modo que conversava com o Lindberg, o Ibañez, ou qualquer outra pessoa. Terminada essa fase, houve afastamento ideológico entre várias pessoas, mas poderá haver momento em que tenhamos que nos juntar outra vez. O Itamar está na presidência e nós precisamos voltar a nos mobilizar para fazer este país voltar a andar. Este país está parado, atrofiado, estagnado, e nós temos que fazer este país andar, temos que discutir corretamente com Itamar a distribuição da riqueza, o que se vai fazer neste país.
            Nós entregamos um projeto, não para o Itamar, mas para os partidos políticos, um projeto que não é do PT, é um projeto que entregamos para o PV do B, PTR, PSB, o PSDB, o PDT, mesmo fazendo oposição ao Itamar. Quando for necessário, nós precisamos chegar, não apenas ao Itamar, mas a todos os presidentes de partidos políticos, com uma proposta concreta para dizer à sociedade: nós sabemos fazer oposição, nós sabemos tirar governo, mas nós temos responsabilidade com este país, e nós queremos que o governo execute essa política, porque essa política é que poderá recuperar a esperança do nosso povo, de que o país vá crescer. É com essa visão que nós apresentamos um projeto para discussão. E eu espero que o presidente Itamar (depois do dia da votação do impeachment) faça um pronunciamento à nação e diga concretamente o que ele vai fazer e quais são suas primeiras medidas. Porque eu já começo a ver grandes companheiros nossos que estão no começando a justificar o injustificável. Nós não poderemos mais ouvir de um governo a seguinte tese: é meu primeiro ano, vocês têm que aguentar. É o primeiro ano para ele, mas para nós já faz vinte ou trinta anos que estamos esperando esse primeiro ano. Por isso, vocês vão ter que assumir essa briga, para não deixarmos que daqui a alguns meses o povo comece a ficar com saudades do Collor. Nós pensávamos que o Maluf esta morto em 1982 e percebemos que não estava. Portanto, temos que empurrar o Itamar, e quando eu digo empurrar é para empurrar mesmo, porque podemos ficar mais dois anos na expectativa. E aí vocês, do movimento estudantil, vocês da universidade, professores, funcionários, têm um papel extraordinário, por estarem aqui em Brasília, nesse trabalho de pressão que precisamos continuar a fazer no país.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
A ética na política – Denis Rosenfeld. Brasiliense, 1992.
Ética – Adauto Novaes (org.). Sec. Municipal de Cultura de São Paulo, Companhia das Letras, 1992.



sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Ética Lula


Desculpem o atraso, mas aqui estamos de novo!
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Boa tarde povo!
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Degustem!


GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
ÉTICA
Luís Inácio LULA da Silva – Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT)
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 109 a 118).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
As questões éticas assumiram uma enorme importância na atualidade, e especialmente no Brasil, em face dos acontecimentos que levaram ao “impeachment” do presidente Collor. Mas, ética é apenas a ausência de corrupção na administração pública, na vida política de um país? Em que medida toda a nossa sociedade foge à ética, quando convive passivamente com o massacre de menores ou com a miséria crescente? É um comportamento ético colocar a coisa pública a serviço de interesses privados? Questões como estas são levantadas por Lula, ao questionar o comportamento histórico de nossa sociedade, que parece ter aprendido a conviver insensivelmente com a chamada “lei de Gerson”, em que cada um deve procurar levar vantagem em tudo. E os que não podem levar vantagem, e são apenas vítimas da esperteza? Somos todos éticos em nosso modo de agir no dia a dia?
            Falar de ética no Brasil pode parecer uma coisa intimamente ligada à questão do presidente Collor ou apenas à questão da política. Acho que se ficarmos pensando em ética apenas como questão política, estaremos diminuindo o sentido filosófico do que representa a ética no nosso comportamento, não enquanto políticos, mas no nosso comportamento enquanto seres humanos, no nosso comportamento enquanto seres que têm uma passagem limitada, um tempo limitado, no planeta em que habitamos. Sei que é difícil quando se vem para um debate, quando sabemos de antemão que vários companheiros já falaram antes, tocaram possivelmente em assuntos muito ligados àquele que vamos abordar. Vocês já ouviram falar de Deus, de Marx, da ciência, da rebeldia, de justiça, de arte, de futuro, agora vamos voltar à nossa velha tradição e falar um pouquinho de ética.

            É lógico que mesmo não querendo me ater à questão do Collor, temos que pegar essa questão como um parâmetro de uma nova perspectiva que está colocada para todos nós, aqui no Brasil. Em primeiro lugar, acho importante termos a dimensão de que país estamos falando. Estamos falando de ética num país em que todos os indicadores sociais demonstram uma tremenda falta de ética, ao longo da sua história. Houve falta de ética de Cabral quando veio aqui tomar a terra dos índios. Houve falta de ética durante vários séculos no tratamento que o povo brasileiro vem recebendo. Os dados do IBGE demonstram uma absoluta falta de ética com relação ao nosso povo, à medida que demonstra e existência de 32 milhões de adolescentes até 17 anos vivendo em famílias com menos de dois salários mínimos. Demonstra dois milhões e oitocentos mil crianças com menos de 14 anos trabalhando, quando a Constituição proíbe trabalhar [nessa faixa etária]. Demonstra que de cada cem crianças que nascem, seis morrem antes de completarem um ano de idade, e 15 estão predestinadas a ficarem desnutridas, quem sabe fazendo parte da “geração gabiru”. Demonstra claramente e empobrecimento do nosso país. Afinal de contas, estamos falando de ética num país que não age com ética quando trata da questão da sua dívida externa.
            Acabo de vir de Paris, onde fui para um debate a convite do Ministério da Educação, e lá nós discutimos que o Terceiro Mundo, em apenas oito anos, mandou para fora 420 bilhões de dólares de dinheiro líquido, como pagamento de juros da dívida externa. É humanamente impossível não ligarmos toda essa problemática à chamada ética no comportamento social e no comportamento político. É muito difícil falarmos de ética num país em que se sabe que as crianças de rua são resultado da falta de ética. Quando se sabe que o aumento de meninas se prostituindo por um prato de comida é falta de ética. Quando se sabe que a ação criminosa do latifúndio pela manutenção do seu poder é falta de ética. Quando se sabe que a sonegação do Imposto Territorial Rural, por parte dos grandes proprietários rurais, é uma questão de ética. Então, no Brasil, a ética está ligada não apenas à questão política, mas a todo um comportamento que historicamente está ligado a uma coisa com a qual nós aprendemos a conviver, que é a famosa “lei de Gerson”. A lei que nós temos de levar vantagem em tudo. Eu lembro perfeitamente bem como nós falávamos de políticos ladrões na década de 1950. Naquele tempo, quando um político roubava 1%, já havia indignação de toda a sociedade, embora não tivéssemos grandes exemplos de punição de políticos. Mas hoje a coisa extrapolou e em vez de 1%, as pessoas querem levar trinta, quarenta, cinquenta, ou seja, perdeu-se o sentido de comportamento, por causa da impunidade.
            Eu tive uma experiência aqui na Constituinte, e um dos motivos pelos quais eu não concorri mais a deputado, além de ter outro projeto, era o de achar que muitas vezes as pessoas agiam como se estivessem em um grande salão de negócios. No tempo da votação do mandato do Sarney, era muito comum ouvirmos nos corredores do Congresso: “Quanto vale seu voto?” Ou seja, a distribuição de rádio, de televisão, a distribuição de terra, o favorecimento das grandes empreiteiras, isto é, uma quantidade enorme de comportamentos antiéticos. A sociedade precisa assumir aquilo que uma parte delas assumiu na luta pelo impeachment, para que possamos voltar a falar em ética com “e” maiúsculo neste país. Senão, vamos perceber que não adiantou nada.
            Nós tiramos o Collor. Os mesmos partidos políticos que tiraram o Collor numa votação histórica no dia 29/09/92, os mesmos partidos políticos, com as mesmas camisas, os mesmos distintivos, com os mesmos discursos não tiveram coragem de ter um comportamento ético na discussão sobre o presidente do PMDB. Não tiveram coragem, não de punir, porque ninguém queria punir, não tiveram coragem de, através da comissão, facilitar a investigação. Ou seja, não permitiram o direito à investigação de denúncias enormes, de fraudes, de falcatruas. Ninguém queria condenar. E como eu já fui condenado uma vez, a três anos e meio de cadeia, de forma precipitada, aprendi a não condenar ninguém precipitadamente. O importante é que as pessoas tenham o direito de defesa, mas ao mesmo tempo, o Congresso e a Justiça tenham direito à investigação. Estou dizendo isso porque se ficarmos só no Collor, confesso a vocês, que valeu pouco a nossa briga. Porque o problema do Brasil não é um governante. O problema do Brasil é que há uma cultura política, disseminada ao longo de séculos, de que pode roubar, se fizer, não há problema. Se estiver roubando um pouquinho, não tem problema. São só 3%, dá. O povo aguenta. Até 5% o povo aguenta. E aí é prefeito, é vereador, é deputado, é senador, ou seja, é uma parte imensa, e não é apenas a classe política, é a classe empresarial. Uma empresa que age como a Mercedes Benz agiu, dando dinheiro para o ‘seu’ Curió, dando um milhão de duzentos mil dólares para a campanha do Collor. Ou as empreiteiras que colocam representantes em cada ministério. É um comportamento sem nenhuma ética. E nós precisamos acabar com isso. O cidadão, quando vem aqui a Brasília fazer um negócio, conversar, fazer um lobby com um deputado, já parte do pressuposto de que tem de oferecer alguma coisa. Um fiscal qualquer, quando vai fiscalizar uma empresa qualquer, ele já pega ou, quando é honesto, o empresário oferece para ele. Ou seja, prevalece a cultura de que todo mundo tem de levar vantagem em tudo. E que se dane a maioria do povo que não tem acesso a nada e que não pode nada. Nesse, as pessoas que ainda têm poder nesse país não estão pensando. Quando falamos de ética, precisamos efetivamente fazer uma ligação profunda com a questão social deste país.
            Sou daqueles que acham que é por falta de ética que o povo brasileiro está na miséria. É por falta de ética que ele está empobrecido. É por falta de ética que ele não tem efetivamente o direito de ser cidadão neste país. Nós aprovamos uma Constituição em 1988 que garante princípios extraordinários para todos nós. Todos têm direito à escola pública gratuita, a um salário mínimo que permita morar, estudar, ter acesso a uma série de coisas. E nós sequer regulamentamos isso, porque, na minha opinião, na há comportamento ético de uma parte dos políticos para com a sociedade brasileira. E, às vezes, não há um comportamento ético de uma parte da sociedade para com ela própria. Isso facilita a atuação daqueles que não têm ética.
            Se analisarmos o comportamento eleitoral do povo brasileiro, percebemos que uma parte das pessoas, uma grande maioria, inocentemente, e uma minoria, com muita má-fé, elegem políticos que sabidamente não são éticos. Elegem políticos que já são conhecidos na cidade, já são conhecidos nos estados, já são conhecidos no país, como sendo pessoas que não têm comportamento ético, que enriqueceram ilicitamente, que roubaram. Mas essas pessoas se elegem. Eu dizia outro dia num debate: “Se tem uma profissão honesta, sabe que é a do político?” Vocês podem dar risada. Sabem por que? Porque a pessoa se elege, depois pode ser o maior bandido ou coisa parecida, mas se quiser se eleger novamente, vai ter que ir para a rua pedir voto. Ou vai ter que corromper alguém. Se consegue corromper alguém para ajudar, já não está sozinho, já tem mais um. Se aquele cabo eleitoral que se corrompeu, corrompe mais trinta já não são apenas dois, são 32. É a cada quatro anos. Nós temos políticos aí com trinta anos de reeleição, com vinte anos de reeleição, com quarenta anos de reeleição, pessoas que são denunciadas constantemente. E ainda votam em Felipe Chedide, um deputado que vocês conheceram na Constituinte, um deputado de São Bernardo do Campo. Ele foi cassado por vagabundagem, ele não trabalhou na Constituinte. Mesmo assim, em 1990, ainda teve uns 15 mil votos. Significa que havia 15 mil pessoas que não se sabe por qual motivo, não viam nenhum problema naquele cidadão ter aquele comportamento com a sociedade brasileira.
            Tenho uma experiência que às vezes me leva a dizer: nós somos culpados por tudo que está acontecendo neste país. Às vezes na fábrica tem um peão que está sem dinheiro, quer pegar um dinheirinho emprestado. Vai a um companheiro pedir cinquenta mil cruzeiros. O companheiro fala: “Eu empresto. Agora, você tem de me pagar cem”. Ou seja, é a lei do cão funcionando em cada quarteirão, em cada fábrica, em cada escritório, em cada escola. As pessoas não se respeitam mais, no sentido de começarem a compreender que todos nós temo direito à sobrevivência, e para que nós tenhamos direito à sobrevivência precisamos nos respeitar. Porque se nós não nos respeitarmos, não iremos construir outra sociedade. Todos nós falamos em sociedade justa, fraterna, solidária, socialista, democrática. Mas se não mudarmos o comportamento do ser humano, não construiremos essa sociedade. É por isso que vemos as entidades, às vezes, se digladiando. É por isso que vemos as brigas, até desnecessárias. É por isso que, às vezes, você constrói determinados movimentos que nem sempre são compreendidos. Inclusive, falei ao companheiro Lindberg Farias sobre minha preocupação com os ataques dirigidos à UNE a partir do momento em que terminou a campanha pelo impeachment.
            Lembro da campanha contra mim quando eu era unanimidade no movimento sindical e resolvi criar um partido político. Todas as matérias de jornais, que falavam do Lula, passaram a dar bordoadas no Lula, sem precedentes. Então é lógico que quando estamos fazendo uma coisa de interesse de uma parte deles, eles têm um comportamento ético, até dizem a verdade. Mas quando não precisam mais, acabou-se a ética. O dr. Roberto Marinho, agora em Paris, foi convidado para debater depois de mim, falando sobre democracia nos meios de comunicação. E ele falou que a Globo dá espaço para todos. E aí surgiu a pergunta de um companheiro, se era verdade que a Globo tinha ajudado os militares, se era verdade que a Globo tinha ajudado o presidente da República. Ele disse que ajudou o regime militar porque confiava, e que ajudou o Collor porque era filho de um amigo dele, e aquele jovem que prometia o procurou vinte vezes e, numa das vezes, ele descobriu que o jovem falava fluentemente o inglês. Então ele ficou encantado com as propostas do Brasil 2000 e falou para o Collor: “Quando vamos lançar sua candidatura?” Ele demonstrou uma falta de comportamento ético, não com Lula, Bizola, Mario Covas ou com outro candidato qualquer. Ele demonstrou uma falta de comportamento ético com o povo brasileiro na medida em que um canal de televisão é concessão do Estado e esse canal, no mínimo, tem de estar a serviço da comunidade. Se ele tem de estar a serviço da comunidade, nós precisamos criar um instrumento para poder ter conhecimento da programação, porque senão ela poderá favorecer só um segmento ideológico, e não a toda a sociedade. Acho que quando ele assume essa postura está demonstrando o seu comportamento ético para com 150 milhões de brasileiros ou, na pior das hipóteses, os milhões de telespectadores que assistem aos programas da Globo.
            E o comportamento ético é tão grande, que às vezes está dentro da cabeça das pessoas sem que as pessoas notem. Quando eu era deputado, chegavam pessoas quase miseráveis pedindo um emprego, e então falava: “Não tem companheiro, tem de fazer concurso”. É lógico que não dá para explicar para esse cidadão uma série de coisas porque ele não entende, o mundo dele é o emprego que está precisando naquele instante, e que nem sempre ele compreende quando você diz:”Olha, você tem de fazer um concurso, sabe, se não tiver concurso você não pode entrar”. É uma falta de ética impressionante, porque vai desde essa coisa menor até a coisa maior que todos vocês conhecem, que resultou no crime da Casa da Dinda.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




sábado, 4 de agosto de 2018

4º Festival de Filmes Curta-Metragem SEEDF

Divulgando...


4º Festival de Filmes Curta-Metragem

André Rocha <andrerocha@edu.se.df.gov.br>
sex, 3 de ago 12:19 (Há 1 dia)

Prezados,

Lembramos que as inscrições para o 4º Festival de Filmes Curta-Metragem já estão abertas e encerram-se no dia 10 de agosto, conforme Edital publicado no site da Secretaria de Educação, conforme link http://www.se.df.gov.br/festcurtas/.

Ainda produzindo seus vídeos para participar do 4º Festival? Quer aprender um pouco mais ? Encontrar dicas de como criar, editar e finalizar seus vídeos? Então conheça o aplicativo “Produção de Vídeo Estudantil” e se aventure !! É mais uma ferramenta para promover educação e cultura.”
Você também pode acessar o site https://wp.ufpel.edu.br/producaodevideo/

Você já conhece o aplicativo para celular “Produção de vídeo Estudantil”? Nele você encontra diversos tutoriais de produção de vídeo no contexto escolar. Baixe na Play Store o aplicativo para Androyd e confira quanta dica legal!

Participe! Mobilize seus estudantes!

Para quaisquer outras informações entrar em contato com esta Gerência por meio do telefone 3901-6917 ou pelo endereço eletrônico festivaldecurtas@edu.se.df.gov.br.

GMIP
Gerência de Produção e Difusão de Mídias Pedagógicas
Telefone: 39016917
Sede III
SIA SAPS Área Especial 09 Conj E - Brasília DF cep 71.215-000

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

CIÊNCIAS 2 Ubiratan D’Ambrósio


Divulgando...
Bom dia meu povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


CONTINUANDO...

            O processo de conquista é uma coisa impressionante. Até certo ponto, todas as colônias espanholas aconteceram para eles, foi surpresa. Simplesmente estavam interessados em ir daqui para lá e encontrar um comerciante da Índia, ou do Japão, e não pensavam em encontrar todo um império que eles puderam subjugar e, mais importante do que isso, fazer com que trabalhasse para eles. Eles encontraram terras das quais puderam se apropriar e distribuir ao seu bel-prazer. Ninguém podia na Europa, nenhum rei com todos os seus poderes, podia pegar um território do tamanho, por exemplo, da metade da França, chamar um compadre dele e dizer: toma, isso tudo aqui é seu. Você tem a capitania porque lhe dou. Não podiam fazer isso.
            E de repente surgem, nesse quadro dos séculos XVI, XVII, terras que podem ser expropriadas, tornando-se propriedade de uma pessoa. Não há nada mais violento nesse mundo do que isso. Quando pensamos no que hoje é um país, o Zaire, tudo aquilo era propriedade de uma pessoa, e essa pessoa era o rei da Bélgica. Nem era propriedade de um país, era propriedade de uma pessoa. Um indivíduo tinha um país. Um indivíduo tinha uma capitania, que hoje é um estado brasileiro. Tudo isso foi possível nessa mescla de descobrir o mundo, quer dizer, descobrir novos potenciais de produção, de propriedade, etc., que foram descobertos para serem explorados, para serem usados. E todo o conhecimento científico começa, então, a se construir. Claro, a realidade, aquilo que informa, agora aquilo que nos informa para produzir conhecimentos é um mundo muito maior. É um mundo observável muito maior, pode-se viajar, ver o que está acontecendo, fazer teorizações sobre coisas novas. E claro, tem-se na cabeça todo o exercício intelectual que permitiu construir uma coisa tão fabulosa quanto um sistema filosófico e religioso, como era o cristianismo. E a ciência moderna já nasce (a primeira palavra que Newton usa é Deus) como maneira de explicação que tem muito a ver com as maneiras de explicação daquela religião. Naturalmente, sendo uma religião que se faz, lá naquele ambiente, não pode admitir elementos de outras religiões com as quais competia. E daí as outras religiões,as outras maneiras de explicação. Mas quando falamos em religião, estamos falando em ciência também, porque é tudo parte do mesmo complexo.
            As outras maneiras de explicação que envolviam um sistema filosófico global de explicações, de manejo da natureza, de relacionamento com os sistemas naturais que fossem diferentes daqueles, teriam que ser combatidas. Portanto, aquele sistema filosófico que era um sistema religioso que se desenvolvia na Europa, e que era ligado ao sistema comercial que também se desenvolvia na Europa, foi o que permitiu, justificou, deu validade, legitimidade, moralidade à exploração dos países e dos povos conquistados.
            Tudo isso entrava em contradição com os outros sistemas que estavam florescendo nos outros lugares. E, portanto, surge a intransigência, que se manifesta como intransigência religiosa. Mas, a intransigência religiosa acaba sendo mais atrativa que uma inteligência, desde que ela fosse científica. Pode-se ser religioso, desde que não se pense em ciência muito fortemente. Isso, é desvincular nos povos conquistados, coisas que não podem ser desvinculadas. Tira-se, por exemplo, a possibilidade de um asteca continuar a fazer as suas contagens, as suas operações, seu comércio, o seu sistema de produção dentro da filosofia global asteca. Exige-se que ele conte como um europeu, e isso é formidável, porque o primeiro livro escrito nas Américas é um livro de aritmética, onde se descreve o sistema de contagem dos astecas. Para os espanhóis poderem comercializar bem com os astecas, eles tinham que aprender o sistema de contagem aritmética dos astecas. Cem anos depois esse livro desaparece e não existe mais. E o único livro que ensina aritmética é o livro da aritmética europeia.
            Como é que se pode dissociar, por exemplo, quando se vai para a Índia, o sistema de numeração, a matemática? Como é que se dissocia a matemática da Índia da religião? São coisas integradas, não é possível dissociá-las. No entanto, o que se vê é a imposição de uma mesma ciência a todos os povos. E hoje, encontramos a Índia, a China, o Asteca, a África, todos falando a mesma linguagem científica da Europa, dissociados das coisas que estão intimamente ligadas à linguagem científica.
            Isto é, não faz sentido se pegarmos formas de conhecimento, tais como ciência, religião, arte e dissociá-las dizendo: pode-se ser religioso desse jeito, pode-se ser artista desse jeito e você é cientista desse outro jeito. Não dá! Tudo é parte da mesma produção de conhecimento. E essa dissociação aconteceu na entrada dos séculos XVII e XVII, e aí passamos a ter uma coisa chamada ciência, estranha e absolutamente sem justificativa, dissociada das outras coisas, das outras manifestações do conhecimento.
            Bom, essa ciência encontra, internamente, justamente por causa dessa dissociação, bons cientistas. O que é preciso ter para ser um bom cientista? Ele tem que tirar da sua cabeça reflexões de natureza intuitiva, emocional. Flaubert tem uma frase muito bonita. No seu dicionário, na hora de falar sobre a matemática, ele diz que a matemática “seca o coração”.
            É no século passado onde encontramos um esforço enorme para dissociar a ciência das outras formas de conhecimento. Isto é, ao dissociar essas outras formas de conhecimento, elas se mantém, sobretudo, junto às tradições. São formas de conhecimento vivo que se mantém vivas nas tradições, porque como ciência ninguém pode mais falar sobre elas e passam a ser proibidas de entrar na categoria de ciência, sobretudo nos países chamados periféricos.
            E se mantém vivas internamente, porque existe toda uma periferia permitindo (a periferia no sentido que, hoje, chamamos o que é científico e o que não é científico) que Keppler, por exemplo, fosse um astrólogo muito importante (ganhava a sua vida como astrólogo, a mãe de Keppler era uma feiticeira que foi condenada à fogueira), e é esse Keppler que nos deu a Lei de Keppler. Newton passa trinta ou quarenta anos de sua vida como alquimista. Depois, movido por outros interesses, se torna ministro da Fazenda. O grande pensador Pascal foi levado também por interesses do tipo comercial. Pascal estava muito interessado em produzir uma máquina de calcular. Ele o consegue, e acho que é o primeiro caso da história de reserva de mercado. Consegue um édito do rei da França dizendo que todas as máquinas de calcular seriam produzidas e comercializadas por ele, Pascal. Quer dizer, a pureza desses sentimentos, que a gente chama científicos, está mesclada com toda uma série de interesses. Ora, nessa evolução, sobretudo nos séculos XVII e XIX, a ruptura se faz flagrante. A ciência, desprezando as outras áreas, combatendo, até um momento em que ela própria (e isto acontece com todos os sistemas filosóficos, culturais, de conhecimento) abre espaço para uma crítica sobre ela. E a própria ciência nos permite ver, através do ‘seu filhote’ que é a tecnologia, os absurdos criados por ela mesma. Ela nos dá os elementos para que percebamos coisas que não podem continuar, na medida em que afetam a vida humana no que há de mais fundamental: na sobrevivência e na transcendência.
            Como é possível, hoje, com métodos, com instrumentos tecnológicos que nos permitem ver – e ninguém pode dizer que não é verdade – crianças morrendo de fome, como está acontecendo na Somália. E ao mesmo tempo nos mostram campos de trigo maravilhosos. Assistindo ao programa que fala sobre produção agrícola, por exemplo, o Globo Rural, vemos aquela beleza de campos de trigo. Ao mudarmos o canal vemos o noticiário internacional e a Somália. A ciência nos mostra no mesmo instante, as contradições desse mundo moderno. Como é que é possível, essa ciência que prega amor, num certo canal, vemos o Bispo Edir pregando a solidariedade humana, vamos o Papa, em visita a outra região, beijando o solo, e no outro canal vemos a Iugoslávia. E escutamos que os somalis estão morrendo de fome porque são ignorantes, são incapazes de se alimentar. Porque muita gente diz isso: eles são tão ignorantes, tão analfabetos, tão primitivos que não são capazes de comer a comida que nós estamos dando para eles. Fala-se isso.
            E os iugoslavos? Quão primitivos são, comparados com os somalis? Onde tem aquelas grandes universidades, Universidade de Lubiana, Universidade de Zagreb, que talvez tenham até produzido algum Prêmio Nobel, e estão se matando, na mesma rua, na mesma cidade. Isso tudo podemos ver graças ao avanço da produção científica, que nos dá essa maravilhosa televisão, na qual vemos tudo instantaneamente. A própria ciência nos deu, através dessa tecnologia avançada, da high tech, a possibilidade de ver as contradições. Poderia repetir e repetir contradições, mas não vou repetir a conversa de buraco de ozônio, não vou falar da poluição que aconteceu com o navio grego.
            Ao ligar a televisão, a qualquer hora, todos podem ver que o mundo moderno não dá para continuar do jeito que está. Ora, aonde nós vamos buscar uma outra saída? Naquilo que é dominante do mundo moderno. Todo mundo diz: o mundo moderno é dominado pelo pensamento científico. O pensamento científico é o que se impôs ao mundo inteiro. Nenhuma língua se impôs ao mundo inteiro. Nenhuma religião. A única coisa que se impôs ao mundo inteiro foi a ciência. Tudo isso está acontecendo e o único elemento que encontramos de globalização efetiva é a ciência, dá para desconfiar, não é? Mesmo que não seja contra a ciência, mesmo que eu seja seu admirador, dá pra desconfiar que alguma coisa nessa “ciência” falhou na hora de conduzir o mundo ao que ele é hoje.
            Vão dizer: não foi a ciência que falhou! Claro que foi! Se matarmos todos os homens, a ciência morre também. Aí, vão dizer: a culpa é dos homens. Claro que a culpa é dos homens. Mas os homens se comportam dentro de um modelo de pensamento que vem da própria evolução do conhecimento. E é esse modelo que não vai nos levar à felicidade, e um mundo com menos brutalidade. Nos deixa inquietos, sem dúvida. O futuro nos deixa inquietos. Essa é a origem, é o preâmbulo para as reuniões tipo Veneza, Vancouver, Belém, Dagoms. E muita gente está se perguntando: e daí? Dê-nos uma solução. Não sei. Isso me inquieta. Aonde está a solução? Qual é a saída? Produzir, quem sabe, um acelerador mais possante? E porque ver partículas ainda menores do que elas são? Será que isso ajuda? Quem sabe agora o Galileu que está passando por aqui vai chegar lá, não sei aonde que ele vai chegar, acho que a Júpiter ou a algum outro lugar. Quem sabe quando ele chegar lá, vá encontrar um livro e neste livro tenha a solução. Também acho pouco provável. De onde vem essa solução? Solução vem de dentro, do coração. Isso porque tem uma conotação de que sentimento está mais perto do coração do que da cabeça. A cabeça é toda racional. Talvez assim devesse ser feito.
            Mais, seria reincorporar o emocional, a moral, a ética em todas as nossas atividades. O que que aconteceu com a ética? Aonde se leu um livro de ciência que começasse com alguma discussão ética? Agora sim, agora está na moda, e todos começam assim, senão não vendem. Mas no próprio desenvolvimento da ciência, na hora de se transmitir, na hora de se fazer um PHD em matemática ou em física, ou na hora de se ligar um acelerador, ou na hora de se manejar um microscópio eletrônico, o que de ético passa na cabeça do fulano que está trabalhando com isso? Dizer que não, que se ele começar a se preocupar com essas coisas não vai demonstrar seu teorema, muito bem, que é capaz do microscópio eletrônico fundir, porque ele está pensando em coisas que não têm nada a ver com aquela experiência, isso tudo é bobagem!
            A preocupação com a ética e a preocupação com esse tipo de reflexão talvez seja, nesse momento, o que de mais forte temos à nossa disposição. Como indivíduo preocupado com isso, como educador, não me sentiria confortável começar ou acabar qualquer tipo de aula, conferência ou de palestra sem um apelo para reflexões do indivíduo sobre aquilo que ele está fazendo. Sobre o que isso significa no contexto geral. Como isso se situa historicamente. Historicamente, quer dizer, com relação ao passado e ao futuro. Quais as consequências disso? Pense um pouco sobre isso! Reflita! Tenha este tipo de preocupação na sua cabeça. E então vá manejar os seus instrumentos, os seus microscópios, os seus aceleradores, tudo isso.
            Então, o problema é essencialmente de educação. É um problema de trazer a todas as atividades, sejam políticas, científicas, atividades de toda natureza, trazer sempre um pouco de invocação. Muita gente faz isso, mas é puramente simbólico. Vemos que quase todas as Câmaras têm um crucifixo, tem uma imagem do presidente, tem coisa desse tipo, que são puramente simbólicas. A coisa é interior. O indivíduo tem de refletir sobre aquilo que ele representa neste mundo. Como ele se situa no elo passado e futuro? E qual vai ser o resultado de suas reflexões, de sua ação, de sua produção nesse elo entre passado e futuro?
            Acredito que assim possamos, quem sabe, desenvolver alguma coisa nova. É muito simples. Quer dizer, não precisamos aumentar a produção de coisa alguma. Tudo o que produzimos dá e sobra para o mundo se empanturrar. Precisamos eliminar, talvez, algumas coisas. Eliminar a ganância, o ódio, a inveja. Às vezes, penso que deveria ser um pregador e ir pregando, fazendo alguma coisa. E de fato esse dom de ‘pregar’ é necessário na nossa linguagem, e nosso apelo aos que estão fazendo alguma coisa, cujo efeito daquilo que eles fazem se reflete no mundo inteiro.
            Vou repetir uma frase de Einstein e Russel, quando lançaram O Manifesto, em 1955, que no fundo, acabou sendo ponto de partida para quase todas as outras atividades. Tem uma frase em que eles dizem simplesmente: “Lembrem-se da sua humanidade, e esqueçam todo o resto”.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
A estrutura das revoluções científicas – Thomas S. Khun. Série “Debates”. Ed. Perspectivas, 1989. SP.
Ciência e desenvolvimento – Mario Bunge. Ed, Itaitera, EDUSP, 1980.
Ciência e valores humanos – Jacob Bronowski. Itatiaia, 1979.
Hermes: uma filosofia das ciências – Michael Serres. Edições Graal, 1990. RJ.
O ponto de mutação – Fritjof Capra. Cultrix, 1991, SP.
A nova aliança Ilya Prigogine, Isabelle Stengers. Ed. UnB, 1991.