quarta-feira, 27 de junho de 2018

Tecnologia 2 por Luis Pinguelli

Divulgando...


Divulgando...
E aí povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!

 CONTINUANDO...


            Como nosso país poderá aumentar a produtividade e disponibilidade desses bens sofisticados (a televisão ou o microcomputador têm que ser produzidos e utilizados, no caso do microcomputador como instrumento de trabalho) e ao mesmo tempo pensar em ampliar o número de empregos? Isso não é uma solução fácil de encontrar. É uma problematização que se pode fazer, menos do que apontar soluções simples.
            Há uma enorme falta de discussão fora dos setores interessados, ou seja, aqueles que trabalham com ciência e tecnologia, e que naturalmente advogam a importância da sua função. Mas é uma questão tão séria que exige uma discussão política. Um partido avançado como o PT, um partido em cima do muro como o PSDB, ou mesmo um partido mais conservador como o PFL, tratam a tecnologia com rótulo. Se pegarmos o que eles dizem sobre tecnologia, é mais ou menos a mesma coisa, o que é mau. É sinal que eles não sabem ler o que dizem, ou apenas um deles sabe o que diz, provavelmente o PFL. Este é o problema. E os outros repetem sem saber o que estão falando.
            Se tecnologia tem a ver com emprego, com trabalho, é uma questão política. Mas não pode ser pensada apenas como um bloqueio sindical, como os famosos ludistas que quebraram as máquinas, muitas décadas atrás, para evitarem a substituição de sua mão-de-obra por elas. Mas aquela era uma fase onde se passava da produção semi-artesanal e industrial, organizada à guisa de um artesanato coletivizado, onde a força motriz era minimamente usada para correias de transmissão fazerem alguns movimentos repetitivos mecânicos para uma situação na qual passamos a ter grandes máquinas, resultando nas linhas de montagem que são o paraíso do taylorismo e do fordismo. Onde o homem é governado pelo ritmo da máquina, do homem que trabalha no tempo da máquina, situação magistralmente descrita pelo gênio de Charles Chaplin em Tempos Modernos.
            Não sei se alguns dos senhores teve alguma experiência desse tipo, em alguma situação particular, ter o seu tempo governado por algo fora de si, completamente, num ritmo muito acelerado. Isso se dá em alguns jogos, que dão emoção, aflição; você tem que passar a bola e segurá-la. Mas ali é um lazer, é um desafio que você está se impondo a si próprio. Imaginem os senhores o dia inteiro fazendo uma coisa rotineira, que não tem a graça do jogo, porque é sempre igual, no ritmo de uma esteira rolante.
            Então a tecnologia, quando acaba a esteira rolante, tem um dado ambíguo. De um lado, é muito bom que homens deixem de fazer aquilo que o Carlitos simboliza com o tique nervoso de ficar fazendo rodar uma chave de parafuso, chave inglesa ou lá o que se fosse. Por outro lado, é preciso ter a consciência de que isso significa desemprego, se não houver um emprego novo. As ilhas de produção, que hoje são usadas no lugar das linhas de montagem, são agrupamentos de operários em torno de um objetivo onde há uma certa unidade. Mas, voltando ao sistema semi-artesanal, não é bem assim porque há muita presença de informatização de gerência, de ritmo, de um outro tipo de ritmo que é da competição do que cada ilha poderá produzir mais do que a outra, se ganhar mais por causa disso.
            Portanto, tem aí um taylorismo escondido, quando os deslumbrados da tecnologia falam do fim do taylorismo e do fordismo. Talvez devessem dizer melhor um outro taylorismo, um outro fordismo, porque o ritmo das ilhas de produção também é um ritmo severo, embora elas sejam, sem dúvida, mais humanizadas que as linhas de montagem. Mas temos que lidar com essas coisas que estão aí. Os partidos, os sindicatos, acho que até a CUT, pelo que eu saiba, estão bastante atentos, criando grupos de estudos com a cooperação dos italianos, que são especialista em negociar, em pactuar a entrada das tecnologias de acordo com a realidade social do país. São questões muito concretas.
            É assim que analiso a tecnologia, e não na venda da ilusão de um mundo maravilhoso onde todos seremos felizes porque teremos coisas de eletrônica penduradas por todos os lados. Talvez seja necessário termos menos coisas eletrônicas para sermos mais felizes. E temos que pensar a dose das coisas eletrônicas, não deixando que o capitalista, preocupado com a maximização da sua margem de lucros, faça isso por nós. Se desistirmos de nos apropriarmos, como totalidade, dos meios de produção, porque isto não deu certo onde foi feito, pelo menos, não dei certo para certas coisas, mas deu para todo mundo comer e se vestir. E, lamentavelmente, para fazer bomba atômica e foguetes para meter medo nos americanos, deu. Os americanos tinham enorme medo dos foguetes soviéticos. Tanto medo que eles nem dormiam de noite. Faziam abrigo debaixo das casas. Então, para isso, deu. Para fazer bombas, comida, calçados, mas não deu para muita coisa que a sociedade, uma vez satisfeita a sua base de necessidades essenciais, demanda. E talvez, acima de tudo, não deu porque se criou um autoritarismo insuportável.
            O que isso tem a ver com a tecnologia é outro problema. Até para ilustrar essa questão. Logo que houve o festival de países do Leste Europeu que se converteram ao capitalismo com muita alegria, fizemos no Fórum da Ciência e Cultura da UFRJ, um debate com alguns alemães, da Alemanha Ocidental, que estavam aqui através de um órgão de cooperação técnico-alemã. E foi curioso que um deles falava o seguinte: “que absurdo que é na Alemanha Oriental – dizia ele – imagine que, em plena hora do expediente, o que se via? Operário na rua! Até de macacão, fazendo compras. Imagine operário fazendo compras na hora do expediente!” Quer dizer, na imaginação dele, as pessoas ficam mais felizes presas dentro das fábricas. Como ficam, de fato! Quem entra numa fábrica, ou num guichê de banco, pelo lado de dentro, vê que o sujeito está preso naquilo e que é a coisa mais maçante da vida o que ele faz ali. É uma prisão. Então, há um engodo gigantesco no fato de que nós só temos as vantagens nessa coisa em que nós vivemos. Não. Há muitas desvantagens. É que alguns ficam com muitas vantagens e as desvantagens são distribuídas, socializadas para a grande maioria. E como nós não estamos nela, isso fica bom para nós.
            Mas não é verdade que tudo o que foi feito através do sistema de planejamento daqueles países fosse negativo. Mas foi insuficiente, de fato, por várias razões, talvez menos tecnológicas do que políticas. Agora, temos consciência de que não é essa a solução que nos empolgaria mais, Não teríamos o objetivo, talvez maior da nossa vida, de reproduzir um exemplo que tem suas limitações bem balizadas historicamente. Porém, temos que pensar coletivamente que tipo de desenvolvimento e que mix tecnológico podem levar o Brasil a uma sociedade mais equilibrada. Isto é uma obrigação nossa.
            Pensar na tecnologia desta forma significa discutir com as multinacionais a introdução da automação, em que ritmo, e talvez até obrigando-as a fazerem investimentos em setores que absorvam mão de obra. Porque o que acontece é que, em geral, o tipo de serviço que é gerado pela tecnologia mais avançada não se reproduz nos países como o Brasil. É óbvio que quando você substitui o trabalho da esteira rolante com muita participação de operários por uma máquina automatizada, você tem o problema da máquina, o programador dos computadores, o ‘bolador’ dos softs que são implantados permanentemente, enfim, há um trabalho intelectual que vem atrás. Mas a grande parcela dele não é feita nos países como o Brasil, que têm uma infraestrutura educacional muito pior, que têm condições de reprodução dessa tecnologia muito mais precárias, e sai caro.
            Então, é muito mais fácil que as grandes multinacionais, ao implantarem a tecnologia avançada no Brasil, desloquem empregos na produção direta e gerem empregos na concepção, fora do Brasil. Assim, é necessário uma política para que haja compensação. Para que, se a empresa tem interesse no mercado brasileiro, ela tenha também essa preocupação, de que se há um contingente empregado, a adoção de maquinas mais eficazes deva ser pensada com expansão de certas atividades que possam gerar empregos. Isto não é simples, porque nem nos países mais avançados isto se dá com muita simplicidade.
            Na agricultura brasileira ou mundial se fez aquilo que se vê, por exemplo, fazendo uma viagem entre Uberlândia e Uberaba: o deserto do campo. Viaja-se, talvez, cinco quilômetros seguidos sem ver uma pessoa; só se vê soja. E de repente aparece um enorme trator ou uma enorme colhedeira com algumas pessoas, pouquíssimas. A agricultura modernizou-se expulsando boa parte de população rural para a periferia das cidades, para as favelas do Rio de Janeiro, para as cidades-setélites de Brasília.
            Hoje, estamos fazendo a segunda expulsão, de dentro das fábricas. Isto precisa ser pensado com muito cuidado. Senão, estamos gerando uma sociedade inviável, ou uma sociedade que será, fatalmente, a mesma sociedade da droga. Eu ouvi no Peru, dentro do Ministério das Relações Exteriores, num seminário, de uma autoridade do Ministério, falando dentro do Ministério, que não se podia combater a droga radicalmente no Peru porque era o grande elemento de exportação que o país tinha, muito valorizado. Cocaína é o melhor produto do Peru e da Colômbia.
            É uma realidade! Se não pensarmos muito naquilo que um país como o Brasil tem pelo futuro, que dose, que mix tecnológico, que projeto para o país deve ser viabilizado – como combinar as possibilidades que a ciência oferece através da tecnologia para a produção com a necessidade de arregimentar pessoas para o trabalho, para os empregos, estaremos no caminho que levou a essa situação. E não estamos muito longe disso.
            Trago a vocês, portanto, menos a alegria da tecnologia, o pedido de mais verbas para nossa atividade, e muito mais, num lugar que se propõe a um pensamento inquieto, essa preocupação: fujam do ‘oba-oba’! Desconfiem de tudo que todos dizem! A unanimidade, geralmente, é ‘burra’. O bom-senso é melhor, às vezes, do que esses chamados paradigmas que todos seguem sem saber bem por quê. Tecnologia, hoje, é um mercado com forte componente desse tipo. Temos que gostar dela, ma lista de modernidades, privatização, tecnologia, liberalismo... sem falar de fome, miséria, desemprego, etc.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
O dilema da sociedade tecnológica – Max Lerner. Vozes, 1971. Petrópolis.

Política de Ciência e Tecnologia para a década de 90 – Vários autores, CEAD/Ed. UnB, 1989.


quinta-feira, 21 de junho de 2018

Tecnologia 1 por Luis Pinguelli

Desculpem o atraso...

Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!

 CONTINUANDO...


            A ideia de ciência de Francis Bacon, no século XVI, era a de que a ciência pode “aliviar o pesado fardo da existência humana”. E Galileu a colocou em prática de uma maneira pensada, fazendo uma ciência que interferia na natureza (o plano inclinado de Galileu não existe na natureza, naturalmente, exceto em situações muito raras...). Mas o plano inclinado de Galileu é fabricado pelo homem, a física do Galileu é a física humanizada, não é da natureza, tal como ela é. Até os satélites dos planetas que ele consegue observar, ele o faz porque tem a luneta. Não é o olho humano olhando a natureza. É o olho humano potencializado com a luneta, que complementa o olho humano. Portanto, é um processo que já vinha da revolução neolítica, ou de antes da descoberta do fogo pelo homem, mas que foi violentamente acelerado pelo uso do conhecimento científico para intervir na natureza, e é isto que hoje vemos no bojo da tecnologia e num enorme estreitamento de tempo entre ciência e técnica.
            Para termos uma ideia de tempo, as ondas eletromagnéticas foram teoricamente preditas. Existem as ondas eletromagnéticas artificiais e as onda eletromagnéticas naturais como são a luz, as irradiações térmicas os raios gama, os raio-X dos átomos; mas refiro-me aqui, principalmente, às ondas eletromagnéticas artificiais como as ondas hertzianas das telecomunicações. Essas ondas foram descobertas após um teórico da física, Maxwell, formular equações que ninguém podia imaginar que continham essa predição: que o homem poderia produzir essas ondas. Isso ocorreu em 1864 (talvez eu erre da data, mas é por aí). As equações de Maxwell era teóricas: as ondas que ele previa só foram produzidas por Hertz alguns anos depois.
            Entretanto, a potencialidade das ondas eletromagnéticas se realizou apenas no nosso século, e mais ainda nas últimas décadas. Embora o telégrafo sem fio já as usasse, mas era uma coisa absolutamente mínima. Realmente, as telecomunicações ganham a dimensão que têm com o rádio, em primeiro lugar, em segundo com a televisão, terceiro, com a telefonia sem fio, quarto a telecomunicação por satélite, que agora permite usar o faz, as redes de computadores interligadas. São instrumentos poderosíssimos desta revolução tecnológica que se costuma chamar de Terceira Onda ou Terceira Revolução, mas que de fato é uma Revolução Tecnológica.
            É difícil balizar o tempo das revoluções. Talvez possamos dizer que no mundo houve algumas revoluções no campo da produção, da organização social. A primeira Revolução Agrícola foi a Neolítica, quando o homem surge como ser social de fato, que pode se libertar da caça e pode plantar e domesticar animais, portanto, um pequeno contingente permite sustentar um contingente muito maior de pessoas e agora a ociosidade, que é a mão de muitas coisas: do chefe, da dominação pensada e elaborada. Não a dominação da força bruta, mas do intelectual, portanto, de gente, como nós universitários que ficam sentados pensando e organizando em vez de trabalhar executando. O do sacerdote, que é o antecedente, antropológica ou historicamente falando, do cientista que imaginava coisas. O cientista tem muito mais de sacerdote do que muita gente pensa. É o sacerdote pensando no que causa a trovoada, o relâmpago, o antecessor do cientista. Por outro lado se o cientista não tiver um pouco de mágica e imaginação no seu pensamento, não vai produzir alguma coisa criativa olhando as tabelas tediosas sobre os fenômenos, calculando coeficientes que não servem para coisa alguma.
Mas, voltando ao ponto: teve a Revolução Agrícola e a Revolução Comercial, associada ao surgimento do capitalismo dos Estados Nacionais, da capacidade de o homem fazer trocas e usar a moeda em larga escala. É o surgimento da burguesia, cada vez mais importante na sociedade, deixando aos reis e aos nobres o negócio da guerra, e cuidando ela dos negócios do comércio e da produção. A Revolução Industrial foi muito ligada à Revolução Científica que houve no século XVII, A revolução industrial é a revolução da produção, da máquina a vapor, do aço, do ferro, da eletricidade, do petróleo. E a Revolução Tecnológica, que é essa revolução do nosso século é a revolução do uso do conhecimento científico, do controle da natureza (se [não] quisermos chamar de revolução, podemos chamar de onda; pode ser chamada pelo que cada teórico quiser para vender livros, para dar aulas, para fazer teses, tanto faz). Mas o que é interessante é que enquanto entre as ondas eletromagnéticas descobertas em 1864 e sua plena aplicação demorou um século quase, mais de cinquenta anos sem dúvida, nós vemos a fissão nuclear se descoberta na década de 1930, e já, na década de 1940 ser aplicada nas bombas em Hiroshima e Nagazaki iniciando o uso dessa tecnologia. No transcurso de uma década, e não mais de um século. Nem me cinquenta anos.
            Hoje, na biotecnologia, sabe-se que há inventos, há descobertas feitas em laboratórios que têm uma aplicação quase que imediata. Portanto, a tecnologia tem, hoje, um papel muito importante. Aquelas questões colocadas no início não são para exorcizar a tecnologia, e voltarmos todos a uma convivência primitiva com a natureza. Isto é impossível com a atual população mundial. Não há mais base de sustentação para uma sociedade não-tecnológica. E se houvesse, as pessoas não aceitariam. Experimente falar para uma pessoa normal (não um intelectual embevecida com ideias) que ela não precisa mais de televisão, que é bobagem tudo isso, vamos deixar a eletricidade de lado! Com certeza ela não vai votar em você, se for candidato. Não faça campanha dizendo isso. “Não voto. Esse é um louco varrido, vai tirar a minha televisão. A única coisa que eu tenho na minha casa é uma televisão que me diverte. Como vou ficar? Olhando a geladeira?”
            Então, as pessoas querem a tecnologia. A tecnologia está aí. Temos que ver esse problema como realidade. Acredita-se que ela resolve tudo e que temos que nos dobrar a ela. Não interessa se importando, desenvolvendo, ou o que seja, mas é preciso ter sempre a melhor tecnologia. Isso é uma bobagem. Esta é a bobagem que conduz a que todos devam ter aqueles carros que estão vendendo agora, porque eles têm um coeficiente aerodinâmico pronto para 250 quilômetros por hora, mas não se pode ultrapassar os 100 ou 120 quilômetros porque ele sai pela tangente. Para que essa tecnologia? Pega um Uno Mille e anda do mesmo jeito no trânsito engarrafado de São Paulo. É uma tecnologia muito pior, menorzinho, mas muito mais razoável, ocupa menos espaço.
            A ideia de usar maior tecnologia é uma estupidez. A tecnologia tem de ser pensada como o homem e a sociedade organizada querem. E essa coisa do liberalismo do mercado, da sociedade por si mesma, é outro dogma de uma estupidez que seria total se não fossem os desonestos que vivem disso, e ganham muito dinheiro com isso. É preciso pensar qual tecnologia e para quê. É perfeitamente correto usar a melhor tecnologia possível em atividades determinadas que necessitam de grande competitividade se vão, por exemplo, para o mercado internacional. Podemos usar uma outra tecnologia para manter uma base de emprego maior, para um país onde o emprego é um problema. Não estamos no Japão, afinal de contas estamos no Brasil. E aplicar um modelo japonês e a maneira dos japoneses de pensar a tecnologia, no Brasil, pode ser uma atitude inadequada. Nem sempre o que dá certo no Japão serve para o Brasil.
            Agora. Há outros problemas. Por exemplo, o programa do álcool no Brasil. É uma tecnologia muito antiga que deve ser melhorada. Pode-se pensar em desenvolvê-la; isso é sério. Pode-se usar muitas coisas, como ciclo combinado de co-geração de energia elétrica nas destilarias para aproveitar muitas tecnologias que estão em desenvolvimento. Mas o álcool em si é plantar cana, colher cana, carregar a cana, esmigalhar a cana, fazer um fermento e dali sair alguma coisa que melhor usada se bebe, pior usada se põe nos tanques dos carros.
            Agora, é claro que existe, hoje, a tecnologia dos combustíveis que têm melhor performance para certos efeitos. Os automóveis internacionais são projetados pensando nesses combustíveis. Mas, é certo o Brasil abandonar o Programa do Álcool? Talvez fosse por outras razões, mas se é para manter a frota de automóveis que aí está, não creio que seja correto. Porque o programa do álcool emprega quinhentas mil pessoas, embora enriqueça cinquenta grandes latifundiários produtores de álcool. Mas, já que gera emprego para quinhentas mil pessoas é uma outra alternativa. Temos mesmo de pensar é que não é ideal que haja cinquenta capitalistas se enriquecendo para quinhentas mil pessoas trabalharem, até que se consiga aumentar o número de propriedades pequenas que possam produzir o álcool, o que é uma coisa muito difícil.
            Agora, se por razões tecnológicas chegarmos à conclusão de que o Banco Mundial recomenda: abandonem o álcool, como coisa atrasado, e vamos para combustíveis de alto poder calorífico como está se padronizando nos países avançados, como a gasolina de alta octanagem. Mas no Brasil existe essa necessidade de geração de empregos. E além do que, nós andamos com automóvel a álcool também. Acho que isso não significa que a questão tecnológica não deva ser aplicada à melhoria da produção do álcool, ao barateamento dos custos que são excessivos.
            Outro exemplo brutal da tecnologia, e que, portanto, podemos perceber com mais nitidez, é o da geração da energia elétrica. O Brasil tem enorme potencial hidrelétrico. A geração de energia elétrica é uma tecnologia bastante antiga. Nas primeiras décadas do século a maioria dos problemas da geração hidrelétrica foram resolvidos, embora haja muita tecnologia de controle de transmissão, corrente contínua, enfim, uma série de técnicas que a engenharia vem incorporando. Mas, na essência, a geração hidrelétrica é uma tecnologia bem dominada. Mas o Brasil tem um grande potencial hidrelétrico, que outros países não têm. Por que então teríamos, como fizemos com o acordo com a Alemanha, de adotar e energia nuclear? Por que é mais moderna, mais nova? Mas existe a radioatividade, o perigo de acidente nuclear. A tecnologia mais nova também tem sérios problemas, embora tenha realmente a possibilidade de num prédio muito pequeno gerar mais energia que uma enorme barragem, que inunda, e traz muito mais transtorno para muita gente.
            Mas no nosso caso, a energia nuclear não deu certo. Gastamos sete bilhões de dólares e tivemos zero kilowatt com o acordo firmado com a Alemanha. Naquele tempo os ‘sábios de Sião’, modernizadores da época, chegavam a elogiar os generais com o avanço, da tecnologia nuclear.
            Agora há outros mitos nesta mesma área, que eles chamam clean technology (tecnologia limpa). É o seguinte: tecnologia para limpar a sujeira que a própria tecnologia produz. É como se fossemos a uma loja comprar três quilos de lixo e uma vassoura para limpar tudo. Clean Technology é isso. Vendem usinas poluentes e os equipamentos de despoluição. Compra-se uma usina a carvão, bem imunda, e compra-se depois um limpador de sujeira do ar, enorme, o dobro da usina, pelo dobro do preço. Isso sim, é que é coisa moderna, E paga-se consultor estrangeiro para estudar isso e aquilo.
            Estou dando um exemplo gritante dos absurdos do mito da tecnologia, para fugir desse mito. Mas não podemos escapar do problema. Eu dei exemplos simples das grandes burrices nacionais e das grandes patifarias nacionais. Mas há coisas muito mais complicadas. A automação é uma delas: a substituição do trabalho. Não só da secretária. Hoje numa universidade americana, ficamos impressionados como reduziram os setores de apoio de qualquer departamento. Não há mais. Cada um bate o seu paper. Á uma secretária: do chefe! Mas não há mais ninguém batendo paper. Não tem mais secretária para bater paper, que saiba bater aquelas fórmulas, sinal de integral, de análise vetorial, etc. Isso é irreversível. É muito difícil acharmos que, no Brasil, vamos ter uma coisa diferente, porque estão aí os micros, que são muito mais eficazes do que a pessoa que vai trabalhar.
            Essa questão dos computadores na vida das pessoas é uma questão irreversível. Não dá para ter ilusões. E isso é desemprego para muita gente. E não é só para datilógrafa, é também para engenheiro. Mas o que antes se fazia com uma equipe de calculistas, um soft pronto num sistema permite que seja feito por um analista de sistemas, às vezes com conhecimentos de engenharia, nem sempre tão bons. Isso é uma questão muito séria. Nós temos que enfrentá-la criando oportunidades de trabalho para as pessoas que são deslocadas em todos os níveis da produção, no caso da automação, aumento da produtividade industrial, que também se dá de forma irreversível nas indústrias de ponta. Dificilmente poderíamos evitá-la, embora possamos controlá-la e definir ritmos, por intervenção do Estado, junto com as organizações sindicais.
            Acho ilusório pensar que possa haver solução para problemas desse tipo, onde essa tecnologia vai entrando de forma acelerada, sem um instrumento que tenha algum poder, que obedeça algumas regras coletivamente estabelecidas. Seja qual for a estrutura de cominação da sociedade, algum tipo de norteamento se faz necessário. Essa é a nossa questão.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




sexta-feira, 15 de junho de 2018

Tecnologia por Luis Pinguelli


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!




GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
TECNOLOGIA
LUIS PINGUELLI ROSA - Físico, Professor, Coordenador do Fórum Ciências e Cultura da UFRJ
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 53 a 64).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
A sociedade atual é profundamente marcada pela tecnologia, em todos os seu aspectos. Mas as “grandes soluções” que ela oferece são sempre positivas? Todas as pessoas são democraticamente beneficiárias da tecnologia? Quantas pessoas no mundo jamais entrarão num avião, ou utilizarão água tratada como bem indispensável à sua saúde? Quais as relações da Tecnologia com o desemprego e com a degradação do meio ambiente? Neste texto, o professor Pinguelli Rosa lembra que não é mais possível, hoje, uma sociedade não-tecnológica, mas é preciso encontrar meios através dos quais a sociedade possa decidir qual tecnologia é realmente necessária, para que ela servirá, e que outras consequências indesejáveis ela pode acarretar. O homem deve ser obrigado a usar uma determinada tecnologia apenas porque ela é considerada melhor ou inevitável por quem a produziu?
1          A tecnologia é uma questão que tem de ser vista por ângulos muito diversos. Em primeiro lugar, é cada vez mais claro e objetivamente comprovado que as inovações tecnológicas, em curso em todo o mundo, deslocam o trabalho. Estamos numa fase em que aceleramos muito o processo de substituição do trabalho humano pela máquina, ou seja, a redução do trabalho humano para uma dada produção.
2          Quando falamos em tecnologia, hoje, pensando na tecnologia avançada que está no mercado e m diferentes graus, devemos pensar que ela envolve automação, substituição de matérias-primas naturais por produtos sintéticos, redução de intensidade energética e mesmo de consumo de matéria-prima na produção. E tudo isso coloca países como o Brasil em desvantagem. Dentro do modelo adotado, de desenvolvimento, para o bem ou para o mal, uma vantagem comparativa de países como o Brasil seria dispor de recursos naturais, mão-de-obra suficiente, excessiva até; ter o nível de emprego que se teve no país, ter mão-de-obra barata, e explorada; e, também, ter energia entre os recursos naturais em particular, no que toca à energia hidrelétrica razoavelmente abundante e barata. Tudo isso, hoje, é questionável. As indústrias de automóveis usam muitos robôs. Os escritórios usam muito o serviço automatizado com computadores. Os processadores de textos permitem economizar secretárias. A telemática, o uso do fax, permite economizar boy para a comunicação.
3          Enfim, estamos numa fase onde a tecnologia está associada ao desemprego. E isto não pode ser disfarçado com frases de efeito. Afinal de contas o novo, o moderno, o desemprego que é produzido pela adoção das novas tecnologias é compensado pelo emprego que a própria tecnologia gera no setor terciário. Isso tudo é um discurso muito mais que uma realidade.
            Não podemos deixar de estar, hoje, inquietos com esse problema. É um erro muito grande e até com uma espécie de atitude justificada, explicada, psicanaliticamente, como autodefesa, como autoproteção mental, a ideia de que o tempo caminha de uma maneira na qual o futuro significa progresso, algo melhor.
            Eu acredito que, a longo prazo, isso seja verdade. Não longo demais. Segundo teorias da física, o Sol vai consumir completamente sua massa e vai acabar, não vai ter mais luz, não vai ter mais vida. A vida é transitória na Terra. Isso não é religião, é ciência.
            Então o futuro, a longuíssimo prazo, não existe para a humanidade. Mas um prazo, que é o que discutimos como longo, é positivo, no sentido de termos melhores condições materiais de sobrevivência, organização política mais adequada à expressão das diferenças, alguma forma de organização democrática e social. A expectativa de vida aumenta, embora novas doenças se coloquem, mas de qualquer modo, como todos os horrores da AIDS, ela é menos grave para a humanidade do que foram a tuberculose e outras infecções que levavam fatalmente à morte. Até uma simples gripe forte costumava fazer isso. Dessa forma, a penicilina é um avanço inegável do conhecimento científico.
            A possibilidade de fazermos uma viagem à Europa, aos Estados Unidos, ou a uma cidade distante do próprio Brasil e da América Latina, rapidamente, é um avanço tecnológico. É bem verdade que ele é restrito a um pequeno número de pessoas, que pode, durante a vida, entrar num avião. As pessoas da classe média costumam perder essa dimensão da exclusão, da diferenciação social. A grande maioria das pessoas que vive neste país, e a grande maioria do mundo, não entrará jamais num avião. Nem pensa nisso! Não passa pela cabeça. O avião é um objeto que passa pelo céu, voando, e pouso em algum lugar.
            Mas, de fato, vamos incorporar o avião como um avanço tecnológico que está aí, e pelo menos uma fração da população o usa, e, às vezes, com objetivos muito meritórios. O avião transporta socorro para as vítimas das enchentes, professores que podem ensinar em lugares distantes, médicos, técnicos. Portanto, iniciativas são tomadas graças à viagem que os aviões permitem, além do prazer que a classe média possa ter através do avião, como o transporte para fins turísticos, Mas eu estou dando exemplos de que existe um componente muito positivo nos avanços tecnológicos.
            O mais dramático hoje é a questão do emprego. Mas há outras questões. A questão da poluição ambiental associada à tecnologia é real. Nós já temos consciência disso, de duas décadas para cá, em particular na última década.
            A questão ambiental é importantíssima e repetir isso no ano do meio ambiente seria até supérfluo, mas não é o maior problema da tecnologia. A tecnologia provoca problemas ambientais gigantescos, que estão sendo equacionados, porque atingem a sociedade como um todo. Se o reator de Angra dos Reis sofrer um acidente grave, o milionário dr. Pitanguy terá sua maravilhosa ilha prejudicada. E isso é garantia suficiente para que se procure equacionar o problema do reator nuclear de Angra dos Reis de alguma forma, ainda que ele tenha os seus perigos, inevitáveis. Esta contradição não tira a gravidade dos riscos tecnológicos para o meio ambiente.
            Agora, se a indústria automobilística vai produzir um automóvel com um número cada vez menor de operários, e esses operários não encontram trabalho porque não há crescimento do mercado na devida proporção, ou se nós nos encaminhamos para ser uma sociedade de manicures, de tomadores de conta de automóveis em estacionamentos, isso afeta as classes menos favorecidas da sociedade. Portanto, não é um problema prioritário, e por isso não está equacionado.
            Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Existe uma teoria de que há um grande processo de colapso em toda a nossa civilização, que começou na crise econômica do Terceiro Mundo. Isso é muito pouco esclarecido pela imprensa modernizante, pelos apaixonados do Primeiro Mundo – que essa crise deixou a economia de países como o Brasil numa situação muito difícil. A situação da América latina é, em geral, muito difícil. Há exceções como o Chile, que não são convenientemente explicadas até que ponto são exceções, até que ponto dependem de uma certa política aplicada. Fazendo uma caricatura, talvez seja necessária uma violência política suficientemente dosada e intensa como no Chile, que ultrapassou a todos os outros países em número de mortos pela tortura, horrores do cárcere político, para se chegar ao liberalismo econômico. Ou seja, o liberalismo econômico seria, nesse caso, o filho da ditadura política, a fim de criar as condições sociais de aceitação de determinados princípios contra os quais os movimentos sindicais reagem.
            Mas não vamos nos ocupar deste aspecto. Empiricamente, o que se verifica é que nos países da América Latina a situação se prolonga numa recessão muito difícil, ou numa estagnação, ou num crescimento muito reduzido. O Brasil é o exemplo claro – não é a exceção, é a regra. Na África, a situação de retrocesso econômico é dramática. E os países socialista atravessaram um crise que levou a desfazer a União soviética e a desmontar o Leste europeu.
            Essa teoria diz que a crise não é do socialismo apenas, não é do Terceiro Mundo apenas. É a crise de um sistema global, que começa a atingir também os países desenvolvidos. Sabemos que nos Estados Unidos há um debate muito grande sobre esse tipo de problema, sobre o desemprego estrutural devido à tecnologia. E que não se tem uma solução clara para ele. Então, estamos vivendo hoje um problema da tecnologia. É preciso examiná-lo com coragem, sem vergonha de admitir que nem sempre o futuro é naturalmente melhor que o passado. As pessoas que estavam na Europa às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na década de 1930, viviam a ascensão do nazismo. O futuro para elas era muito pior do que aquele presente.
            Agora, por outro lado, acredito que entre as crises teóricas que estamos vivendo, onde a questão tecnológica é um mero aspecto, há uma crise do determinismo, inclusive nas ciências da natureza, que é essa causalidade mecânica que a física passou para todas as ciências, chegando às Ciências Sociais. E que se não há esse determinismo. Talvez possamos até assumir uma postura de maior responsabilidade sobre aquilo que venha a acontecer, aquilo que possa suceder na nossa sociedade. Então, [é] a nossa ação política que pode mudar o curso da História. Não apenas como uma perturbação pequena, dentro de uma diretriz determinada. Talvez se possa mudar muito mais.
            Portanto, a discussão sobre a organização da sociedade, a política partidária, toma um aspecto muito mais importante. Podemos ter mais esperança para enfrentar os problemas. Mas é preciso tomarmos cuidado para não cairmos no canto da sereia de que tudo que é moderno é bom; de que a tecnologia deve ser sempre adotada, porque ela, por hipótese, é favorável, dá mais possibilidades. Sim, não podemos evitar que, na produção, haja mudanças tecnológicas. Mas podemos pensar quais mudanças tecnológicas. E não temos que sacrificar o homem à maquina. Não temos que nos regozijar com o aumento de produtividade, se esse aumento de produtividade significa aumento do desemprego. Isto não é ser moderno! É ser irresponsável socialmente, e infelizmente isto está sendo ensinado e divulgado.
            Colocada nestes termos, a questão tecnológica deve ser enfocada, em um país como o Brasil, com muito realismo, Ele é muito importante! Se de um lado não se pode endeusá-la num altar, onde todos vão se ajoelhar no culto da produtividade, da qualidade e de outras palavras-chave do marketing do capitalismo tal como ele se desenvolve no mundo todo, de outro, devemos olhar a tecnologia como um instrumento que o homem tem para se relacionar com a natureza.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




quarta-feira, 13 de junho de 2018

“ATÉ BREVE, MINHA GENTE!” Eis o manifesto escrito por Lula e lido no lançamento de sua pré-candidatura à presidência, esta noite, em Belo Horizonte:

Divulgando...


“ATÉ BREVE, MINHA GENTE!”

Eis o manifesto escrito por Lula e lido no lançamento de sua pré-candidatura à presidência, esta noite, em Belo Horizonte:

Há dois meses estou preso, injustamente, sem ter cometido crime nenhum. Há dois meses estou impedido de percorrer o País que amo, levando a mensagem de esperança num Brasil melhor e mais justo, com oportunidades para todos, como sempre fiz em 45 anos de vida pública.
Fui privado de conviver diariamente com meus filhos e minha filha, meus netos e netas, minha bisneta, meus amigos e companheiros. Mas não tenho dúvida de que me puseram aqui para me impedir de conviver com minha grande família: o povo brasileiro. Isso é o que mais me angustia, pois sei que, do lado de fora, a cada dia mais e mais famílias voltam a viver nas ruas, abandonadas pelo estado que deveria protegê-las.
De onde me encontro, quero renovar a mensagem de fé no Brasil e em nosso povo. Juntos, soubemos superar momentos difíceis, graves crises econômicas, políticas e sociais. Juntos, no meu governo, vencemos a fome, o desemprego, a recessão, as enormes pressões do capital internacional e de seus representantes no País. Juntos, reduzimos a secular doença da desigualdade social que marcou a formação do Brasil: o genocídio dos indígenas, a escravidão dos negros e a exploração dos trabalhadores da cidade e do campo.
Combatemos sem tréguas as injustiças. De cabeça erguida, chegamos a ser considerados o povo mais otimista do mundo. Aprofundamos nossa democracia e por isso conquistamos protagonismo internacional, com a criação da Unasul, da Celac, dos BRICS e a nossa relação solidária com os países africanos. Nossa voz foi ouvida no G-8 e nos mais importantes fóruns mundiais.
Tenho certeza que podemos reconstruir este País e voltar a sonhar com uma grande nação. Isso é o que me anima a seguir lutando.
Não posso me conformar com o sofrimento dos mais pobres e o castigo que está se abatendo sobre a nossa classe trabalhadora, assim como não me conformo com minha situação.
Os que me acusaram na Lava Jato sabem que mentiram, pois nunca fui dono, nunca tive a posse, nunca passei uma noite no tal apartamento do Guarujá. Os que me condenaram, Sérgio Moro e os desembargadores do TRF-4, sabem que armaram uma farsa judicial para me prender, pois demonstrei minha inocência no processo e eles não conseguiram apresentar a prova do crime de que me acusam.
Até hoje me pergunto: onde está a prova?
Não fui tratado pelos procuradores da Lava Jato, por Moro e pelo TRF-4 como um cidadão igual aos demais. Fui tratado sempre como inimigo.
Não cultivo ódio ou rancor, mas duvido que meus algozes possam dormir com a consciência tranquila.
Contra todas as injustiças, tenho o direito constitucional de recorrer em liberdade, mas esse direito me tem sido negado, até agora, pelo único motivo de que me chamo Luiz Inácio Lula da Silva.
Por isso me considero um preso político em meu país.
Quando ficou claro que iriam me prender à força, sem crime nem provas, decidi ficar no Brasil e enfrentar meus algozes. Sei do meu lugar na história e sei qual é o lugar reservado aos que hoje me perseguem. Tenho certeza de que a Justiça fará prevalecer a verdade.
Nas caravanas que fiz recentemente pelo Brasil, vi a esperança nos olhos das pessoas. E também vi a angústia de quem está sofrendo com a volta da fome e do desemprego, a desnutrição, o abandono escolar, os direitos roubados aos trabalhadores, a destruição das políticas de inclusão social constitucionalmente garantidas e agora negadas na prática.
É para acabar com o sofrimento do povo que sou novamente candidato à Presidência da República.
Assumo esta missão porque tenho uma grande responsabilidade com o Brasil e porque os brasileiros têm o direito de votar livremente num projeto de país mais solidário, mais justo e soberano, perseverando no projeto de integração latino-americana.
Sou candidato porque acredito, sinceramente, que a Justiça Eleitoral manterá a coerência com seus precedentes de jurisprudência, desde 2002, não se curvando à chantagem da exceção só para ferir meu direito e o direito dos eleitores de votar em quem melhor os representa.
Tive muitas candidaturas em minha trajetória, mas esta é diferente: é o compromisso da minha vida. Quem teve o privilégio de ver o Brasil avançar em benefício dos mais pobres, depois de séculos de exclusão e abandono, não pode se omitir na hora mais difícil para a nossa gente.
Sei que minha candidatura representa a esperança, e vamos levá-la até as últimas consequências, porque temos ao nosso lado a força do povo.
Temos o direito de sonhar novamente, depois do pesadelo que nos foi imposto pelo golpe de 2016.
Mentiram para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, legitimamente eleita. Mentiram que o país iria melhorar se o PT saísse do governo; que haveria mais empregos e mais desenvolvimento. Mentiram para impor o programa derrotado nas urnas em 2014. Mentiram para destruir o projeto de erradicação da miséria que colocamos em curso a partir do meu governo. Mentiram para entregar as riquezas nacionais e favorecer os detentores do poder econômico e financeiro, numa escandalosa traição à vontade do povo, manifestada em 2002, 2006, 2010 e 2014, de modo claro e inequívoco.
Está chegando a hora da verdade.
Quero ser presidente do Brasil novamente porque já provei que é possível construir um Brasil melhor para o nosso povo. Provamos que o País pode crescer, em benefício de todos, quando o governo coloca os trabalhadores e os mais pobres no centro das atenções, e não se torna escravo dos interesses dos ricos e poderosos. E provamos que somente a inclusão de milhões de pobres pode fazer a economia crescer e se recuperar.
Governamos para o povo e não para o mercado. É o contrário do que faz o governo dos nossos adversários, a serviço dos financistas e das multinacionais, que suprimiu direitos históricos dos trabalhadores, reduziu o salário real, cortou os investimentos em saúde e educação e está destruindo programas como o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, o Pronaf, Luz Pra Todos, Prouni e Fies, entre tantas ações voltadas para a justiça social.
Sonho ser presidente do Brasil para acabar com o sofrimento de quem não tem mais dinheiro para comprar o botijão de gás, que voltou a usar a lenha para cozinhar ou, pior ainda, usam álcool e se tornam vítimas de graves acidentes e queimaduras. Este é um dos mais cruéis retrocessos provocados pela política de destruição da Petrobrás e da soberania nacional, conduzida pelos entreguistas do PSDB que apoiaram o golpe de 2016.
A Petrobras não foi criada para gerar ganhos para os especuladores de Wall Street, em Nova Iorque, mas para garantir a autossuficiência de petróleo no Brasil, a preços compatíveis com a economia popular. A Petrobras tem de voltar a ser brasileira. Podem estar certos que nós vamos acabar com essa história de vender seus ativos. Ela não será mais refém das multinacionais do petróleo. Voltará a exercer papel estratégico no desenvolvimento do País, inclusive no direcionamento dos recursos do pré-sal para a educação, nosso passaporte para o futuro.
Podem estar certos também de que impediremos a privatização da Eletrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa, o esvaziamento do BNDES e de todos os instrumentos de que o País dispõe para promover o desenvolvimento e o bem-estar social.
Sonho ser o presidente de um País em que o julgador preste mais atenção à Constituição e menos às manchetes dos jornais.
Em que o estado de direito seja a regra, sem medidas de exceção.
Sonho com um país em que a democracia prevaleça sobre o arbítrio, o monopólio da mídia, o preconceito e a discriminação.
Sonho ser o presidente de um País em que todos tenham direitos e ninguém tenha privilégios.
Um País em que todos possam fazer novamente três refeições por dia; em que as crianças possam frequentar a escola, em que todos tenham direito ao trabalho com salário digno e proteção da lei. Um país em que todo trabalhador rural volte a ter acesso à terra para produzir, com financiamento e assistência técnica.
Um país em que as pessoas voltem a ter confiança no presente e esperança no futuro. E que por isso mesmo volte a ser respeitado internacionalmente, volte a promover a integração latino-americana e a cooperação com a África, e que exerça uma posição soberana nos diálogos internacionais sobre o comércio e o meio ambiente, pela paz e a amizade entre os povos.
Nós sabemos qual é o caminho para concretizar esses sonhos. Hoje ele passa pela realização de eleições livres e democráticas, com a participação de todas as forças políticas, sem regras de exceção para impedir apenas determinado candidato.
Só assim teremos um governo com legitimidade para enfrentar os grandes desafios, que poderá dialogar com todos os setores da nação respaldado pelo voto popular. É a esta missão que me proponho ao aceitar a candidatura presidencial pelo Partido dos Trabalhadores.
Já mostramos que é possível fazer um governo de pacificação nacional, em que o Brasil caminhe ao encontro dos brasileiros, especialmente dos mais pobres e dos trabalhadores.
Fiz um governo em que os pobres foram incluídos no orçamento da União, com mais distribuição de renda e menos fome; com mais saúde e menos mortalidade infantil; com mais respeito e afirmação dos direitos das mulheres, dos negros e à diversidade, e com menos violência; com mais educação em todos os níveis e menos crianças fora da escola; com mais acesso às universidades e ao ensino técnico e menos jovens excluídos do futuro; com mais habitação popular e menos conflitos de ocupações nas cidades; com mais assentamentos e distribuição de terras e menos conflitos de ocupações no campo; com mais respeito às populações indígenas e quilombolas, com mais ganhos salariais e garantia dos direitos dos trabalhadores, com mais diálogo com os sindicatos, movimentos sociais e organizações empresariais e menos conflitos sociais.
Foi um tempo de paz e prosperidade, como nunca antes tivemos na história.
Acredito, do fundo do coração, que o Brasil pode voltar a ser feliz. E pode avançar muito mais do que conquistamos juntos, quando o governo era do povo.
Para alcançar este objetivo, temos de unir as forças democráticas de todo o Brasil, respeitando a autonomia dos partidos e dos movimentos, mas sempre tendo como referência um projeto de País mais solidário e mais justo, que resgate a dignidade e a esperança da nossa gente sofrida. Tenho certeza de que estaremos juntos ao final da caminhada.
Daqui onde estou, com a solidariedade e as energias que vêm de todos os cantos do Brasil e do mundo, posso assegurar que continuarei trabalhando para transformar nossos sonhos em realidade. E assim vou me preparando, com fé em Deus e muita confiança, para o dia do reencontro com o querido povo brasileiro.
E esse reencontro só não ocorrerá se a vida me faltar.
Até breve, minha gente.
Viva o Brasil! Viva a Democracia! Viva o Povo Brasileiro!
Luiz Inácio Lula da Silva

Lula lê?

Divulgando...


sex, 08/06/2018 - 17:12
Lula lê?!
Sugestão de Vânia da Revista Cult
O mês iniciou com um tweet do perfil de Lula: “Preso político há 57 dias, o presidente Lula já leu 21 livros nesse intervalo, leituras que compreendem dos romances à política”. Sim, agora Lula e Dilma, que solenemente ignoraram redes sociais digitais nos tempos de abundante cobertura da mídia e de cotas garantidas de sonora nos telejornais da noite, publicam intensamente por esses meios. E interagem como nunca.
Mas como o antilulismo virou um costume nacional, imediatamente algumas patrulhas identificaram a anomalia e partiram para cima. É claro que Lula não pode ter lido tanto. É claro que Lula não pode ter lido. É claro que Lula não lê.
Como costuma acontecer em ambientes digitais, algum peixinho consegue se destacar do cardume quando logra expressar de forma concisa o que as pessoas gostariam de dizer no momento. É assim que as publicações “viralizam” e os autores se tornam celebridades instantâneas. Foi o que se deu com Bruna Luiza, que se identifica como “cristã e olavette”, uma bela combinação de palavras para dizer, simplesmente, “conservadora de direita”. Fake ou não, pouco importa, é um perfil conservador politizado, dos tantos que se multiplicaram por aí nos últimos anos, só que da cepa de Olavo de Carvalho, que formou e inspirou grande parte da arraia miúda (e graúda) da nova direita conservadora brasileira.
Pois Bruna fez as contas e descobriu que Lula só podia estar mentindo. “Se cada livro tem 150 páginas (o que é pouquíssimo para um livro normal), são 3.150 páginas. Lula teria que ler 55 páginas por dia”. Pronto. Desmascarado. “Qualquer pessoa que costuma ler sabe que isso é irrealista, especialmente para um semi-analfabeto (sic)”, publicou Bruna. O impacto foi enorme. E enquanto o afeto chegava na forma de likes e retweets, a moça subia o tom. Primeiro, publicou que “55 páginas para um semi-analfabeto (sic) é simplesmente impossível”, e, não contente, rematou “Todo mundo sabe que a única coisa que o Lula lê é rótulo de pinga”.
O tempo fechou, claro, porque em ambientes digitais toda a visibilidade vem ao custo de conflitos e tretas. Muitas tretas. Os críticos partiram para o ataque desqualificando antes de tudo o parâmetro “realista” de leituras da moça – o que haveria de extraordinário em 55 páginas lidas por dia, ainda mais quando incluem romances e livros de política? Considerando-se que Lula, um sujeito extremamente ativo e inteligente, está encarcerado, sozinho e com enorme tempo livre, qual é mesmo a surpresa quanto ao fato de este tempo ser despendido na leitura do que lhe cai à mão? Se cortasse o wi-fi, talvez até Bruna conseguisse ler tanto.
Mas enquanto as pessoas se concentrava no parâmetro quantitativo, concentrei-me no “semi-analfabeto”. Aparentemente, o ser analfabeto, em Lula não foi uma circunstância nem era provisório, como em todo mundo, mas uma propriedade estável. Os outros analfabetos podem ser alfabetizados e até se tornarem grandes leitores, menos Lula, que foi, é e será sempre analfabeto. Ou quase. Lula pertence à raça dos analfabetos ou semianalfabetos, não tem escapatória. Não importam as evidências de que leia e muito. E de que não poderia ter tido a sua extraordinária trajetória de sucesso na vida se não dominasse a leitura e a escrita em um nível muito sofisticado. Não, Lula não engana, tem que ser, precisa ser um ignorante fingindo conhecer. Mudam-se circunstâncias, a natureza não se muda: a ignorância é da sua natureza.
Por anos, monitorei a reação das redes digitais da direita conservadora a cada título de doutor honoris causa que Lula recebeu. Foram muitos. A cada novo título, um surto de fúria e indignação no Twitter e no Facebook. Os antilulistas tinham convulsões públicas. O que sempre me impressionou, nesses momentos em que o despeito chegava às alturas, era o perfil dos revoltosos. Nunca vi sequer um dos habitantes do mundo científico, que fazem parte da minha rede, com títulos de doutorado e muitos estágios de pós-doutorado no currículo, achar indignos ou imerecidos os doutorados honoris causa de Lula.
Em compensação, a patuleia que mal tinha concluído uma graduação, se muito, entregava-se a gritos de “analfabeto!” ou, para usar o impropério cunhado ad hocpara Lula por Reinaldo Azevedo, “apedeuta!”. As pessoas do campo científico, sabem o que significam o h.c. e, em geral, não se sentem diminuídos porque a Lula foi concedido um título de honra, por méritos relacionados à sua reconhecida trajetória como homem público. Já para os antilulistas com menor educação formal, acontecia contrário: os títulos de Lula os ofendia pessoalmente.
Eu gostava particularmente do modo como os que se consideravam insultados pelos títulos de Lula iniciavam os posts em redes digitais ou as cartas-correntes de e-mails. Em geral, era na base do “só no Brasil mesmo…”, ainda que a universidade a conferir o título não fosse brasileira, ou “vejam a que ponto chegamos…”. A primeira fórmula denota a posição vira-latas básica. Equivale a dizer que “em lugares civilizados isso nunca aconteceria, já no Brasil até analfabetos recebem títulos de doutorado”. A segunda expressão afeta decadentismo: “houve um tempo em que este título era grandioso, nobre e para poucos, mas hoje em dia há esse absurdo de a plebe tomar conta de tudo e um qualquer virar doutor”.
O vira-latas é só isso mesmo, um sujeito invejoso, lidando eternamente com os seus complexos de inferioridade, para quem é insuportável admitir a ideia de que uma pessoa que ele considera igual ou inferior a si possa ser indignamente recompensada. O decadentista é alguém inconformado pela perda dos privilégios, seus ou da sua classe, com a massificação do acesso aos recursos. Mesmo que sejam recursos de que ele não desfruta, é questão de honra que estejam ao alcance somente de pessoas exclusivas e superiores, que não sejam compartilhados com essa massa indiferenciada de gente que ele nem reconhece nem respeita.
Há um monstro em mim que se diverte quando sofrem pessoas que pensam assim, confesso.
Bruna Luiza é só mais um registro de uma atitude moralmente bem pequena. Para ela, não é apenas que Lula não possa ser doutor; Lula não pode sequer ler 55 páginas por dia. Lula simplesmente não pode. O seu ódio por Lula só se sente autorizado moralmente e justificado intelectualmente se a inferioridade moral e cognitiva de Lula for um fato incontestável. Lula é um cachaceiro, um semianalfabeto, um mentiroso e um ladrão. Lula não presta. Se concordarmos com isso, mesmo um “cristão” tem o direito de detestá-lo e de o insultar. Lula não pode ser igual ou superior a Bruna Luiza, caso contrário é o ódio de Bruna que será considerado uma aberração moral e não Lula.
Neste sentido, é bem a cara da mentalidade-Bruna que ela cometa o que a Nova Ortografia considera um erro justamente na palavra usada para desqualificar Lula: semi-analfabeto. Não, Bruna, semianalfabeto se escreve como semiaberto, semiárido, semiembriagado, semiobscura. Mas a gente releva, é um erro circunstancial, qualquer um erra, não é uma questão de caráter. O engraçado é que quando lhe apontaram o erro, a menina Bruna rebateu, altiva: “Não sigo um acordo ortográfico assinado por um semi-analfabeto”. Pois é, como dizia, não há problema de caráter em errar justamente na grafia do adjetivo usado para chamar alguém de ignorante. O problema de caráter está implicado no preconceito que você carrega e reproduz apaixonadamente.