quarta-feira, 26 de setembro de 2018

REBELDIA 1 Lindberg Farias


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!
Desculpem o atrazo mas estamos de volta!


CONTINUANDO...


            A juventude do mundo inteiro vive esse momento de falta de perspectiva. A juventude francesa, que fez o maio de 1968 e a alemã, aderindo agora aos skinheads. A juventude francesa, apoiando, uma parte, o Le Pen. Então vemos que tentam passar para a juventude de todo o mundo, até com o esfacelamento da União Soviética, não só que o sonho do socialismo morreu, mas qualquer utopia coletiva não tem mais chance de ser instaurada no mundo. E cada um deve cuidar apenas de sua vida individual, que esse sistema que está aí é eterno. E você vê então que a forma de rebeldia que continua presente, inerente à juventude, sai pelas mais diversas formas possíveis. São os grupos de darks, de punks, dos arrastões que houve no Rio de Janeiro, de quinhentos a mil jovens que saíram correndo por todas as praias de Copacabana a Ipanema levando tudo que havia pela frente. É importante citar este momento, no qual existe a rebeldia em determinado momento e é canalizada para essas atividades, e em outros momentos não. Acho importante até fazer esse paralelo com a década de 1960, porque acho que a nossa geração é muito perseguida por esta década. Até essa mobilização que fizeram agora. Em tudo existe um paralelo. Primeiro temos que ver a diferença dos momentos históricos: a juventude da década de 1960 é a juventude que foi às ruas logo depois da Revolução Cubana, em 1959, que derrubou Fulgêncio Batista, um grande ditador que transformava aquela ilha num prostíbulo para as elites norte-americanas [estadunidenses]. Em Cuba só tinha cassino e prostíbulo. A vitória do socialismo em Cuba, a partir de 1959, onde um povo dominado secularmente conseguiu sua libertação por suas próprias forças, animava e inspirava muito a juventude de todo o mundo. Mas não é só isso. A luta pela libertação nos países africanos também. Houve momentos em que os países africanos estavam lutando por sua libertação em relação à França, em relação à Holanda, a outros países europeus. O próprio maio de 1968 na França, em que o estudante Daniel Cohn Bendit, alguns intelectuais, como Jean Paul Sartre, Marcuse, de fato fizeram grandes mobilizações estudantis que acabaram culminando com uma greve geral e, posteriormente, acabaram por derrubar e afastar De Gaulle do poder. O momento era de grande efervescência em todo o mundo. A juventude e a população foram para as ruas, não saíam da frente dos canhões.
            Naquela época estava claro o sonho do socialismo, o sonho de mudanças mais profundas na sociedade. Foi com esse vigor que a juventude brasileira foi para as ruas e fez aquela passeata dos cem mil sob o cerco dos generais e dos canhões. Era outro momento histórico, que tem de se levar em consideração. Esse momento, no mundo de hoje, é completamente diferente. A rebeldia continua presente, mas não existe perspectiva de saída de toda essa crise. Há algumas exceções. Uma delas é o Brasil; o Brasil, outros países da América Latina, a Coréia, mas em particular o Brasil. Está todo o mundo perguntando como é que os estudantes estão indo para as ruas agora, quando no resto do mundo há um descenso, em todo o mundo a juventude está de braços cruzados. Por quê? Primeiro, por mais que queiram passar uma propaganda de ceticismo, de individualismo, uma propaganda para que as pessoas não acreditem no futuro, no Brasil é difícil passar isso. Porque existe a realidade objetiva, essa crise que estamos passando. Como dizer para essa juventude que ela deve ficar em casa, quando os aumentos de mensalidade nas universidades particulares chegaram, este ano, a mais de 1.500%? Quando a evasão escolar nas universidades particulares chegou a 50%, onde, de uma turma de sessenta alunos, trinta tiveram de abandonar, foram forçados a sair por não poderem pagar? Como dizer a essa juventude que deve ser individualista, quando se vê esse ‘lero-lero’ das universidades públicas sem verbas para as pesquisas? Como dizer que o jovem deve se manter na sua vidinha própria, quando ele chegava em casa e via que seu pai tinha sido despedido, como fruto dessa recessão, desse ‘belíssimo’ programa de modernização do Collor de Mello? Como dizer que fiquemos de braços cruzados, quando no Brasil está se chegando a uma situação em que favela está virando luxo? Em São Paulo, as pessoas estão morando nas ruas, nas calçadas daquelas grandes avenidas. Como dizer para a juventude cuidar de sua vida individual, se o futuro está problemático? É o futuro da corrupção, do PC, da operação Uruguai. Essa rebeldia é que é diferente de outros lugares do mundo.
            Aqui no Brasil nossa crise é insustentável. Quando a juventude foi para as ruas para tirar o Collor era para dizer: não quero esse futuro. Eu quero um futuro diferente. Eu, como estudante de Direito, não me via trabalhando como advogado, daqui a vinte, trinta anos, um Brasil como este. Foi esse o motivo central de toda a participação dos estudantes no processo de impeachment.
            E vale dizer, também, que fazia muito tempo que não tínhamos bandeiras tão amplas. Com essa bandeira do impeachment, nós conseguimos reunir nas mesmas mobilizações, nas mesmas manifestações, estudantes universitários, secundários, estudantes da rede pública e da rede particular. Nós conseguimos colocar nessas manifestações o bolsista do CNPq, que estava revoltado porque o ministro Marcílio Marques Moreira contingenciou as verbas, e o CNPq teve de suspender 2.400 projetos que estavam na mesa. É uma mobilização que conseguiu colocar ao mesmo tempo esse bolsista do CNPq e o jovem que tem uma banda de rock, mas não conseguia expor sua produção cultural; aquele que estava na geração que chamavam de shopping center também se sentiu atingido, bem como o que usava a camisa do Che Guevara. Então nós conseguimos colocar as diversas tribos, como falam, os diversos rostos, as diversas fisionomias da juventude num só processo. Algo parecido com a luta pela liberdade, pela democracia, na época da ditadura militar, quando aí também nós conseguimos reunir amplos setores da juventude. Então foram bandeiras extremamente amplas.
            Outro fator que eu analiso e que acho que também estava presente: a marca da rebeldia até na forma das manifestações. O nosso país é um país que abre poucos espaços para a juventude emitir suas opiniões, para a juventude expor seus questionamentos, as suas dúvidas. Praticamente nenhum grande jornal brasileiro tem espaços abertos para a juventude expor suas posições. Programa de televisão eu só me lembro daquele do Serginho Groisman, mesmo assim é para outra turma. Acho que para os universitários ele não reflete as nossas aflições do dia-a-dia. Então, no Brasil, a forma de nós interferirmos, que é o questionamento da nossa democracia, a forma de interferirmos nas decisões que tomam por nós é só na hora do voto. Nós só votamos, e depois de quatro anos nós voltamos lá, mas eu pergunto: onde é que a juventude consegue expor suas posições, consegue opinar sobre as decisões políticas, sobre o futuro do nosso país? Em lugar nenhum. Então você via que era uma forma de rebeldia também. Podemos perguntar: por que a juventude foi de cara pintada e gritou aquelas músicas e tudo o mais? Porque ela não queria mais ser agente passivo da história. Ela não queria ir para um ato simplesmente escutar quarenta ou cinquenta pessoas falarem a mesma coisa do impeachment. Ela mesma queria falar. Ela mesma queria participar. Por isso não eram comícios parados, eram passeatas. Por isso ela pintou a cara, numa forma de expressão individual. Por isso ela cantava aquelas músicas e fazia aquelas coreografias. Porque ali também tinha esse grito de revolta. Ela queria expor suas posições. Ela queria mostrar sua própria voz. Mostrar seu próprio grito de revolta, e não apenas estar participando como agente passivo de um grande processo. Acho que esses são motivos particulares, este é o centro da questão, de saber por que o Brasil hoje se diferencia do resto do mundo, em termos da participação da juventude, em termos da participação dos estudantes. Diferente da juventude da Alemanha, que está agora nessa onda dos skinheads, essa juventude no Brasil foi para as ruas defender a democracia, defender a ética. Foi para as ruas exigir mudanças. Porque é muita ilusão pensar que foi só porque o Collor é ladrão que houve toda essa mobilização. É muita ilusão. Associada a tudo isso tem a participação na grande crise econômica que nós estávamos passando. Então eu acho que esses são pontos especiais em toda essa discussão.
            Chego agora no que acho que seja a questão central. É ver de que forma canalizar essa rebeldia existente, de que forma canalizar esta rebeldia que está ligada ao futuro. Porque é nossa capacidade de rebeldia nesse momento que pode construir um novo futuro para o nosso país. Quais as formas de canalizarmos toda essa rebeldia existente na população, existente na juventude? Agora não existe essa ampla frente pelo impeachment. Agora a discussão é sobre os rumos do nosso país. A discussão é sobre o que vai ser daqui para a frente. Logo após essa ampla abertura que houve na imprensa, a UNE começou, é lógico, com os estudantes locais, os DCEs, os centros acadêmicos, a expor suas posições sobre outras questões. Nós pegamos uma briga contra o maio lobby que existe no Congresso Nacional que é o lobby dos privatistas, que primeiro tenta, das mais diversas formas possíveis, transferir os recursos, que deveriam ir para as escola públicas, para a rede particular de baixa qualidade de ensino, e uma briga grande também por causa dos aumentos das mensalidades. Pegamos outra briga quando houve os arrastões e nós, novamente, continuávamos com aquele espaço na imprensa. É preciso agora que o governo jogue pesado nas questões sociais dê um basta nesta política econômica recessiva, se volte para a resolução dos problemas do povo. E culminou quando da privatização da Acesita, que nós nos mobilizamos novamente. Vale ressaltar, fizeram o maior estardalhaço, mas depois botaram nos jornais: a Acesita foi vendida por 0,0007% em dinheiro. Não dá para comprar em carro velho, sendo 99,993% de moedas podres. O Barbosa Lima Sobrinho, com muita correção, coloca uma coisa: a nova via da corrupção no país é através das privatizações. Não se enganem, essas moedas podres, esses títulos, eles compraram por preço abaixo do mercado e passaram, com preço triplicado, praticamente para as mãos do Estado, para as mãos do governo. Então, nós começamos a emitir opinião sobre tudo isso. O que aconteceu logo depois? Em todos os jornais desse país se dizia: lugar de estudante é em sala de aula. Editoriais atrás de editoriais dizendo isso. Voltaram com aquela discussão. O discurso da ditadura militar, quando falavam que qualquer manifestação que existia aqui era manifestação de baderneiros terroristas. E voltaram com essa conversa logo depois do processo do impeachment. Bem, se lugar de estudantes é em sala de aula, nós não teríamos feito aquelas manifestações na rua. Dizem isso, e falam também: vocês são uns arcaicos. A onda agora é a modernidade. Mas essa modernidade nós já estamos cansados de saber o que significa. Repetem o mesmo conceito de modernidade do Collor, dos carros importados, dos jatinhos. E não a modernidade do povo favelado. É a modernidade dos grandes grupos econômicos, e não a modernidade que a gente fala dos sessenta milhões de miseráveis brasileiros e dos 32 milhões de analfabetos.
            Então eu estou falando isso porque é a grande discussão hoje nos país. E estão querendo cercear essa liberdade, essa discussão. Hoje, completamente diferente daquele momento, nós só aparecemos para sermos criticados, para nos chamarem de arcaicos e dizerem que a nossa função não é discutir esses problemas, a nossa função é a volta para a sala de aula. Eu levanto essa responsabilidade agora para todos nós. Não é só da diretoria da UNE, dos DCEs, ou dos centros acadêmicos. Acho que nós estamos respondendo dessa forma porque somos estudantes, sim. Estamos preocupados com a sala de aula, é lógico, com as questões concretas da educação, mas além de estudantes nós somos cidadãos brasileiros, e como tal não temos apenas o direito, temos o dever de pronunciamento de fala, de intervenção, de acabar um pouco com essas mazelas sociais. Nós estamos é no Brasil dos arrastões, e vale até levar isso em consideração. Essa juventude que foi para as ruas e se mobilizou nos arrastões, a juventude das galeras punks não esteve presente nas passeatas pelo impeachment. Por quê? Porque aquela juventude (diferente de nós que estamos na universidade), estudando nas escola, só pensa na sobrevivência diária. Ela não tem nem condições de se portar como cidadã. Ela  não tem condições de se portar como homens do país. Ela tem apenas condições de tentar, no dia-a-dia, a sua sobrevivência. Então parece uma juventude completamente distante e diferenciada dessa juventude que foi às ruas pelo impeachment. Sem dinheiro e sem comida, as pessoas não têm condições de interferir no processo político. E é por isso, inclusive, que estimulam tanto que o Brasil tenha essa imensa mão-de-obra de reserva. É por isso que o Brasil é o país que tem mais miseráveis no mundo. É por isso, porque eles sabem que á mais fácil dominar um povo sem educação, que é mais fácil dominar um povo sem cultura, que está passando fome, que na hora das eleições chega lá com uma cestinha básica para conseguir o voto. Eles sabem que é mais fácil dominar um povo que não conhece sua própria história. Então nós temos que entender que essa crise é uma crise proposital, para manter o status quo vigente no país. Eu quero dizer o seguinte: acho que a nova rebeldia agora tem de ser a de exigir, do governo que aí está, rápidas mudanças na estrutura social do nosso país. Acho que este deve ser o grito de todos os estudantes. Nós vamos rebater como rebatemos os generais. Lugar de estudante não é só em sala de aula. Lugar de estudante é também participando de outras manifestações políticas.
            Quero concluir falando do exemplo de rebeldia que foi Honestino Guimarães. Ele foi líder estudantil, presidente da UNE, estudante da UnB, desaparecido, preso pela repressão militar. Faço lançamento agora de uma campanha: Onde está Honestino Guimarães? E que prova maior de rebeldia que uma frase de Honestino Guimarães. Ele disse, depois de ser preso várias vezes, e de ameaças de morte: “Podem me prender, podem me torturar, podem me matar, mas um dia voltaremos e seremos milhões. Não conseguirão acabar com nosso sonho de liberdade e justiça social.”
            É assim que termino, conclamando a todos a se rebelarem contra a educação desse nosso país, e contra esse Brasil dos miseráveis, porque é justamente essa nossa rebeldia que pode garantir o futuro que tanto o Honestino sonhava.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
Os carbonários – Alfredo Sirkis. Global, 1981.
1968, o ano que não terminou – Zuenir Ventura. Nova Fronteira, 1988. RJ.
A desobediência civil e outros ensaios – Henry David Thoreau. Cultrix, 1969. SP.
O poder jovem – Artur José Poerner. Civilização Brasileira, 1979. RJ.



quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Não acabo amizade por causa de política - Luís Fernando Veríssimo


Texto interessantíssimo de Luís Fernando Veríssimo! O qual reproduzo aqui.

"Não acabo amizade por causa de política.
Se você concorda que os portugueses não pisaram na África e que os próprios negros enviaram seus irmãos para nos servir, acabo a amizade pelo desconhecimento da História.
Se você concorda que de 170 projetos, apenas 2 aprovados, é o mesmo que 500, acabo a amizade por causa da Matemática.
Se você concorda que o alto índice de mortalidade infantil tem a ver com o número de nascimentos prematuros, acabo a amizade por causa da Ciência.
Se você concorda que é só ter carta branca para que a PM e a Civil matem quem julgarem merecer, acabo a amizade por causa do Direito.
Se você concorda que não há evidências de uso indevido do dinheiro público, mas acha que é mito quem usa apartamento funcional "pra comer gente", acabo a amizade pela Moral.
Se você concorda que Carlos Brilhante Ustra não foi torturador e que merece ter suas práticas exaltadas, acabo a amizade por falta de Caráter.
Se você concorda que o Bolsonaro participou, aos 16 anos, da perseguição ao Lamarca, acabo a amizade por falta de Verossimilhança.
Se você concorda que não temos dívida social com um povo que foi arrancado do seu mundo pra servir a outro e que diferenças de tratamento étnico-racial é historinha, acabo a amizade por Racismo.
Se você concorda que as mulheres devem ganhar menos por gerar vidas e que são frutos de fraquejadas, merecendo serem estupradas ou não, de acordo com a sua aparência, acabo a amizade por Misoginia.
Se você concorda que não há possibilidade das pessoas viverem sua sexualidade livremente, com direitos e deveres como qualquer cidadão ou cidadã, mas que devam apanhar para aprender o que é certo, acabo a amizade por Homofobia.
Como vocês podem ver, não acabo a amizade por causa de política.
Acabo pela ignorância, truculência e pelo desrespeito que acompanha quem diz que não se acaba amizade por causa de política.
O fascismo não se discute, se combate."
E, se você se diz cristão, acabo mais rápido ainda por blasfêmia farisaica contra Deus e Cristo! (acréscimo meu).