quarta-feira, 22 de agosto de 2018

REBELDIA Lindberg Farias

Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!



GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
REBELDIA
Lindberg Farias – Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE)
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 101 a 108).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
Para que a roda da História continue a girar é necessário que a população, ou pelo menos parte dela, tenha uma atitude rebelde. Discutir rebeldia é discutir nossas perspectivas para o futuro. Lindbergh Farias, líder estudantil e presidente da União Nacional dos Estudantes, destaca a tendência natural dos jovens a reagir contra o que lhes parece errado no “status quo” das sociedade. A rebeldia é exclusivamente dos jovens? Ela se manifesta apenas em momentos de crise aguda e generalizada? Existe uma rebeldia “positiva”, resultante das preocupações com o social, e uma rebeldia “negativa”, calcada no ódio racial, no separatismo, na revolta sem causa aparente? O que distingue os “cara-pintadas” do movimento pró-impeachment dos “skinheads” neonazistas?


            A função da universidade não é só formar recursos humanos. A universidade tem uma função maior, além de produzir ciência e tecnologia, que é trazer os grandes debates da sociedade para a discussão. É da universidade que sai o conhecimento de ponta do nosso país. Não só nas áreas de ciência e tecnologia, mas também nas áreas de ciências sociais e de ciências humanas. Não podemos hoje nos render aos apelos tecnicistas. Muita gente quer que a universidade seja o grande centro de produção técnica, específica. Muita gente quer passar uma visão extremamente tecnicista da universidade, como se fosse só sua função desenvolver as últimas inovações em termos de micro ships, na área da engenharia, da medicina. Tentam, de todas as formas, quebrar esse pensamento crítico, de questionamento, que existe entre os estudantes, entre a intelectualidade desse nosso país. Vocês veem concretamente que saiu das universidades, dos professores, da SBPC, dos estudantes, grande parte do questionamento à ditadura militar. Saiu dos estudantes aquele anseio concreto que existia de luta pela liberdade e luta por justiça social, e nós temos um exemplo na UnB, o Honestino Guimarães, ex-presidente da UNE. Então querem podar essa criatividade, essas inovações que podem surgir na universidade. Então é nesse sentido que eu elogio a realização desse Fórum do pensamento inquieto. Acho que já é uma atitude rebelde nossa, parar hoje para discutir Deus, Marx, o papel do Estado, Rebeldia, Ética, Democracia. Já é um início para tentarmos resgatar a verdadeira função da universidade, que não é só a universidade que formaria os maiores cirurgiões plástico do mundo, mas é o Brasil que não forma nas universidades o médico que discute a prevenção de doenças que atinge o grosso da população brasileira. É o Brasil dos arquitetos especializados em construção de mansões luxuosas, e não o Brasil que forma arquitetos que elaborem projetos alternativos de construção de moradia popular. É o Brasil dos profissionais que saem, porque essa é a visão que querem passar, saem da universidade comprometidos apenas com os interesses das elites. Acho que o nosso ato de rebeldia é questionar nossos currículos, tentar romper essa cerca da universidade e criar, de fato, laços da universidade, laços do ensino, da pesquisa, da extensão, com a comunidade carente, com essa população brasileira, miserável. É preciso, sim, sair do gueto. Nós queremos que essa tal de universidade pública e gratuita, que falam que existe, não seja só o fato de a gente não pagar a mensalidade. Mas esse ‘público’ significa que a universidade tem de ter ligação com os interesses da maioria da população. A universidade não pode estar distante, por exemplo, dos arrastões do Rio de Janeiro, do pessoal da saúde, dessa epidemia do cólera. A universidade tem de estar perto, vinculada aos interesses imediatos da população brasileira. Esse é o grande debate que existe hoje na universidade. A luta pela ‘publicização’. Faço esse apelo para que cada um, no cotidiano, no dia-a-dia, na sua forma de agir na sala de aula, nas discussões sobre os currículos, e também a instituição, como um todo, se rebelem nesse momento. Nós temos de construir agora uma universidade vinculada aos interesses mais populares, e não transformar a universidade em shopping Center do conhecimento para os grandes grupos econômicos. Não podemos transformar as universidades apenas em produtoras de ciência e tecnologia para as grandes empresas. A universidade tem de se ligar aos interesses da maioria da população.
            Comecei com esse tema Rebeldia, tocando em coisas do nosso dia-a-dia concreto, na universidade. Acho que a discussão da rebeldia está extremamente ligada também com a discussão do futuro. Rebeldia está extremamente ligada ao futuro. O que é que leva o motor da história a andar? O que leva às mudanças na sociedade? É a indignação, a inquietude, que faz as pessoas se rebelarem contra esse determinado estado de coisas. Pode-se dar vários exemplos disso. A Revolução Francesa, a Revolução Russa, os cubanos, quando fizeram sua revolução, eram chamados de Rebeldes. Isso em todos os momentos da história. Para a roda da história andar é preciso que a população, ou pelo menos um setor dela, se rebele. Então, discutir rebeldia é discutir as nossas perspectiva para o futuro. E aí a discussão da rebeldia se liga à questão da juventude. Há quatro meses todos diziam que o movimento estudantil tinha acabado, a UNE tinha morrido, os estudantes não tinham nenhum papel a jogar no processo político do país. Era a juventude da geração coca-cola e que não tinha mais jeito. Era coisa da década de 1960. Isso circulava não só no meio dos estudantes, mas no meio de intelectualidade, em toda a sociedade existia essa discussão. Quem se apressou em rezar a missa de sétimo dia da participação política dos estudantes deve ter ficado impressionado com a vitalidade do defunto, depois de todas essas mobilizações pelo impeachment. Sempre foi uma marca da juventude do nosso país a participação política em momentos cruciais.
            A UNE foi criada em 1937, já se organizando contra a ditadura do Estado Novo. Vários líderes estudantis jogaram um grande papel em toda essa mobilização. Depois os estudantes pressionaram o governo de Getúlio para entrar na guerra contra o nazi-fascismo, no momento em que o governo balançava por suas ligações com a Alemanha de Hitler. Os estudantes também jogaram um importante papel na luta “O petróleo é nosso”, e também no governo João Goulart, pelas reformas de base: educação, agrária, etc. E o período todo especial da ditadura militar de 1964. Os estudantes tiveram um papel em todo aquele processo. A primeira atitude dos generais foi destruir o histórico prédio da UNE, localizado na Praia do Flamengo, nº 132, na madrugada do dia 31 de março para 1º de abril. Mesmo com o cerco militar, a turma continuava nas ruas. Houve a passeata dos cem mil em 1968, liderada no Rio por Wladimir Palmeira. Logo depois do AI-5 teve o Congresso da UNE, em Ibiúna, interior de São Paulo, que reuniu estudantes do Acre ao Rio Grande do Sul, provocando um grande cerco do Exército e a prisão dos líderes estudantis nacionais. Foi nesse momento que ganhou força a palavra de ordem: “A UNE somos nós, nossa força, nossa voz.” Porque no outro dia nos jornais da repressão, da ditadura militar, colocaram na capa que depois do Congresso de Ibiúna tinham prendido todos os líderes, e o movimento estudantil tinha morrido. Respondendo à imprensa, aconteceram mobilizações espontâneas dos estudantes em todo o país, que levantavam aquela bandeira da “UNE somos nós, nossa força, nossa voz”. Ou seja, mesmo sem as lideranças, mesmo sem os dirigentes da UNE aqui estão os estudantes novamente lutando pela liberdade, Não foi só isso. Tentam apagar da história, por exemplo, as mobilizações de 1977 dos estudantes em São Paulo e no Rio de Janeiro pela anistia ampla, geral e irrestrita, em nosso país. Então, é um pouco precipitado se afirmar que o movimento estudantil e a juventude não jogavam mais nenhum papel no processo político nacional.
            Se avaliarmos, não é só a questão do Brasil. Toda vez que a crise na sociedade é geral, que faltam perspectivas para o futuro, a juventude sai com vigor às ruas. O que foi o processo do leste europeu? Quem estava na frente daquelas mobilizações lá? A juventude daqueles países. Na queda do muro de Berlim, a participação da juventude também foi importantíssima. Na Coréia do Norte, vemos o sonho da juventude coreana da unificação das duas Coréias. Mesmo em Los Angeles, aquela revolta dos negros, de uma imensa maioria de jovens negros. E aqui no Brasil, em todo esse processo do impeachment. Analisando bem, essa sempre é uma característica da juventude. Não só agora, para o futuro também, quando não existirem perspectivas. Essa juventude funcionou um pouco como termômetro. Ela se rebela com mais facilidade e ocupa as ruas em grandes manifestações. É errado dizermos e associarmos essa rebeldia da juventude e a rebeldia do nosso povo apenas às grandes lutas políticas. A rebeldia é algo inerente ao próprio ser jovem, por vários motivos. Primeiro, por não estar participando ainda de maneira efetiva do setor produtivo. A rebeldia tem muita liberdade. Ela, às vezes, é canalizada num grande processo de participação política, outras vezes, não. Por exemplo: em determinados momentos da história, quando as perspectivas não são claras, podemos dizer que não é uma forma rebelde de comportamento a proliferação na Europa, em determinado momento da história, de grupos darks e grupos punks. Sim, é uma forma de contestação, é uma forma de rebeldia contra uma situação, mas sem saber qual a saída. Rebeldia contra um determinado sistema social, mas sem saber quais seriam os rumos de modificação de tudo isso. Outro exemplo é o caso de Los Angeles. Aquela juventude negra foi às ruas contra as discriminações racial e social, mas não sabia quais as formas e os caminhos da luta. Tem até uma música de Cazuza que fala: “Ideologia, eu quero uma pra viver. Meus heróis morreram de overdose, etc.”, que reflete o pensamento da juventude naquele momento. Ele demonstra, naquela música, a revolta contra a situação que existia no Brasil, mas não existiam perspectivas de transformação. Não existiam de forma clara para essa juventude as formas de mudança. A rebeldia esta presente. O mundo de hoje se utiliza muito do fracasso da experiência do socialismo no leste europeu; da queda do muro de Berlim, pra tentar passar para o jovem, especialmente o do Terceiro Mundo, que o sonho do socialismo morreu. Mas não só isso, tentam passar além disso que o sonho de construção de um mundo coletivo morreu, que o Brasil coletivo não existe mais, tentam passar que qualquer coisa coletiva é démodé, que cada um deve discutir a construir sua vida própria. O jovem deve entrar para a universidade, anotar o que o professor fala, não participar do centro acadêmico, ir para casa, não participar de um fórum como este, não participar de nada disso. Essa é a mensagem que tentam passar para nossa juventude, através da grande mídia.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




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