sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Ética Lula


Desculpem o atraso, mas aqui estamos de novo!
Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
ÉTICA
Luís Inácio LULA da Silva – Presidente do Partido dos Trabalhadores (PT)
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 109 a 118).
QUESTÕES PARA REFLEXÃO
As questões éticas assumiram uma enorme importância na atualidade, e especialmente no Brasil, em face dos acontecimentos que levaram ao “impeachment” do presidente Collor. Mas, ética é apenas a ausência de corrupção na administração pública, na vida política de um país? Em que medida toda a nossa sociedade foge à ética, quando convive passivamente com o massacre de menores ou com a miséria crescente? É um comportamento ético colocar a coisa pública a serviço de interesses privados? Questões como estas são levantadas por Lula, ao questionar o comportamento histórico de nossa sociedade, que parece ter aprendido a conviver insensivelmente com a chamada “lei de Gerson”, em que cada um deve procurar levar vantagem em tudo. E os que não podem levar vantagem, e são apenas vítimas da esperteza? Somos todos éticos em nosso modo de agir no dia a dia?
            Falar de ética no Brasil pode parecer uma coisa intimamente ligada à questão do presidente Collor ou apenas à questão da política. Acho que se ficarmos pensando em ética apenas como questão política, estaremos diminuindo o sentido filosófico do que representa a ética no nosso comportamento, não enquanto políticos, mas no nosso comportamento enquanto seres humanos, no nosso comportamento enquanto seres que têm uma passagem limitada, um tempo limitado, no planeta em que habitamos. Sei que é difícil quando se vem para um debate, quando sabemos de antemão que vários companheiros já falaram antes, tocaram possivelmente em assuntos muito ligados àquele que vamos abordar. Vocês já ouviram falar de Deus, de Marx, da ciência, da rebeldia, de justiça, de arte, de futuro, agora vamos voltar à nossa velha tradição e falar um pouquinho de ética.

            É lógico que mesmo não querendo me ater à questão do Collor, temos que pegar essa questão como um parâmetro de uma nova perspectiva que está colocada para todos nós, aqui no Brasil. Em primeiro lugar, acho importante termos a dimensão de que país estamos falando. Estamos falando de ética num país em que todos os indicadores sociais demonstram uma tremenda falta de ética, ao longo da sua história. Houve falta de ética de Cabral quando veio aqui tomar a terra dos índios. Houve falta de ética durante vários séculos no tratamento que o povo brasileiro vem recebendo. Os dados do IBGE demonstram uma absoluta falta de ética com relação ao nosso povo, à medida que demonstra e existência de 32 milhões de adolescentes até 17 anos vivendo em famílias com menos de dois salários mínimos. Demonstra dois milhões e oitocentos mil crianças com menos de 14 anos trabalhando, quando a Constituição proíbe trabalhar [nessa faixa etária]. Demonstra que de cada cem crianças que nascem, seis morrem antes de completarem um ano de idade, e 15 estão predestinadas a ficarem desnutridas, quem sabe fazendo parte da “geração gabiru”. Demonstra claramente e empobrecimento do nosso país. Afinal de contas, estamos falando de ética num país que não age com ética quando trata da questão da sua dívida externa.
            Acabo de vir de Paris, onde fui para um debate a convite do Ministério da Educação, e lá nós discutimos que o Terceiro Mundo, em apenas oito anos, mandou para fora 420 bilhões de dólares de dinheiro líquido, como pagamento de juros da dívida externa. É humanamente impossível não ligarmos toda essa problemática à chamada ética no comportamento social e no comportamento político. É muito difícil falarmos de ética num país em que se sabe que as crianças de rua são resultado da falta de ética. Quando se sabe que o aumento de meninas se prostituindo por um prato de comida é falta de ética. Quando se sabe que a ação criminosa do latifúndio pela manutenção do seu poder é falta de ética. Quando se sabe que a sonegação do Imposto Territorial Rural, por parte dos grandes proprietários rurais, é uma questão de ética. Então, no Brasil, a ética está ligada não apenas à questão política, mas a todo um comportamento que historicamente está ligado a uma coisa com a qual nós aprendemos a conviver, que é a famosa “lei de Gerson”. A lei que nós temos de levar vantagem em tudo. Eu lembro perfeitamente bem como nós falávamos de políticos ladrões na década de 1950. Naquele tempo, quando um político roubava 1%, já havia indignação de toda a sociedade, embora não tivéssemos grandes exemplos de punição de políticos. Mas hoje a coisa extrapolou e em vez de 1%, as pessoas querem levar trinta, quarenta, cinquenta, ou seja, perdeu-se o sentido de comportamento, por causa da impunidade.
            Eu tive uma experiência aqui na Constituinte, e um dos motivos pelos quais eu não concorri mais a deputado, além de ter outro projeto, era o de achar que muitas vezes as pessoas agiam como se estivessem em um grande salão de negócios. No tempo da votação do mandato do Sarney, era muito comum ouvirmos nos corredores do Congresso: “Quanto vale seu voto?” Ou seja, a distribuição de rádio, de televisão, a distribuição de terra, o favorecimento das grandes empreiteiras, isto é, uma quantidade enorme de comportamentos antiéticos. A sociedade precisa assumir aquilo que uma parte delas assumiu na luta pelo impeachment, para que possamos voltar a falar em ética com “e” maiúsculo neste país. Senão, vamos perceber que não adiantou nada.
            Nós tiramos o Collor. Os mesmos partidos políticos que tiraram o Collor numa votação histórica no dia 29/09/92, os mesmos partidos políticos, com as mesmas camisas, os mesmos distintivos, com os mesmos discursos não tiveram coragem de ter um comportamento ético na discussão sobre o presidente do PMDB. Não tiveram coragem, não de punir, porque ninguém queria punir, não tiveram coragem de, através da comissão, facilitar a investigação. Ou seja, não permitiram o direito à investigação de denúncias enormes, de fraudes, de falcatruas. Ninguém queria condenar. E como eu já fui condenado uma vez, a três anos e meio de cadeia, de forma precipitada, aprendi a não condenar ninguém precipitadamente. O importante é que as pessoas tenham o direito de defesa, mas ao mesmo tempo, o Congresso e a Justiça tenham direito à investigação. Estou dizendo isso porque se ficarmos só no Collor, confesso a vocês, que valeu pouco a nossa briga. Porque o problema do Brasil não é um governante. O problema do Brasil é que há uma cultura política, disseminada ao longo de séculos, de que pode roubar, se fizer, não há problema. Se estiver roubando um pouquinho, não tem problema. São só 3%, dá. O povo aguenta. Até 5% o povo aguenta. E aí é prefeito, é vereador, é deputado, é senador, ou seja, é uma parte imensa, e não é apenas a classe política, é a classe empresarial. Uma empresa que age como a Mercedes Benz agiu, dando dinheiro para o ‘seu’ Curió, dando um milhão de duzentos mil dólares para a campanha do Collor. Ou as empreiteiras que colocam representantes em cada ministério. É um comportamento sem nenhuma ética. E nós precisamos acabar com isso. O cidadão, quando vem aqui a Brasília fazer um negócio, conversar, fazer um lobby com um deputado, já parte do pressuposto de que tem de oferecer alguma coisa. Um fiscal qualquer, quando vai fiscalizar uma empresa qualquer, ele já pega ou, quando é honesto, o empresário oferece para ele. Ou seja, prevalece a cultura de que todo mundo tem de levar vantagem em tudo. E que se dane a maioria do povo que não tem acesso a nada e que não pode nada. Nesse, as pessoas que ainda têm poder nesse país não estão pensando. Quando falamos de ética, precisamos efetivamente fazer uma ligação profunda com a questão social deste país.
            Sou daqueles que acham que é por falta de ética que o povo brasileiro está na miséria. É por falta de ética que ele está empobrecido. É por falta de ética que ele não tem efetivamente o direito de ser cidadão neste país. Nós aprovamos uma Constituição em 1988 que garante princípios extraordinários para todos nós. Todos têm direito à escola pública gratuita, a um salário mínimo que permita morar, estudar, ter acesso a uma série de coisas. E nós sequer regulamentamos isso, porque, na minha opinião, na há comportamento ético de uma parte dos políticos para com a sociedade brasileira. E, às vezes, não há um comportamento ético de uma parte da sociedade para com ela própria. Isso facilita a atuação daqueles que não têm ética.
            Se analisarmos o comportamento eleitoral do povo brasileiro, percebemos que uma parte das pessoas, uma grande maioria, inocentemente, e uma minoria, com muita má-fé, elegem políticos que sabidamente não são éticos. Elegem políticos que já são conhecidos na cidade, já são conhecidos nos estados, já são conhecidos no país, como sendo pessoas que não têm comportamento ético, que enriqueceram ilicitamente, que roubaram. Mas essas pessoas se elegem. Eu dizia outro dia num debate: “Se tem uma profissão honesta, sabe que é a do político?” Vocês podem dar risada. Sabem por que? Porque a pessoa se elege, depois pode ser o maior bandido ou coisa parecida, mas se quiser se eleger novamente, vai ter que ir para a rua pedir voto. Ou vai ter que corromper alguém. Se consegue corromper alguém para ajudar, já não está sozinho, já tem mais um. Se aquele cabo eleitoral que se corrompeu, corrompe mais trinta já não são apenas dois, são 32. É a cada quatro anos. Nós temos políticos aí com trinta anos de reeleição, com vinte anos de reeleição, com quarenta anos de reeleição, pessoas que são denunciadas constantemente. E ainda votam em Felipe Chedide, um deputado que vocês conheceram na Constituinte, um deputado de São Bernardo do Campo. Ele foi cassado por vagabundagem, ele não trabalhou na Constituinte. Mesmo assim, em 1990, ainda teve uns 15 mil votos. Significa que havia 15 mil pessoas que não se sabe por qual motivo, não viam nenhum problema naquele cidadão ter aquele comportamento com a sociedade brasileira.
            Tenho uma experiência que às vezes me leva a dizer: nós somos culpados por tudo que está acontecendo neste país. Às vezes na fábrica tem um peão que está sem dinheiro, quer pegar um dinheirinho emprestado. Vai a um companheiro pedir cinquenta mil cruzeiros. O companheiro fala: “Eu empresto. Agora, você tem de me pagar cem”. Ou seja, é a lei do cão funcionando em cada quarteirão, em cada fábrica, em cada escritório, em cada escola. As pessoas não se respeitam mais, no sentido de começarem a compreender que todos nós temo direito à sobrevivência, e para que nós tenhamos direito à sobrevivência precisamos nos respeitar. Porque se nós não nos respeitarmos, não iremos construir outra sociedade. Todos nós falamos em sociedade justa, fraterna, solidária, socialista, democrática. Mas se não mudarmos o comportamento do ser humano, não construiremos essa sociedade. É por isso que vemos as entidades, às vezes, se digladiando. É por isso que vemos as brigas, até desnecessárias. É por isso que, às vezes, você constrói determinados movimentos que nem sempre são compreendidos. Inclusive, falei ao companheiro Lindberg Farias sobre minha preocupação com os ataques dirigidos à UNE a partir do momento em que terminou a campanha pelo impeachment.
            Lembro da campanha contra mim quando eu era unanimidade no movimento sindical e resolvi criar um partido político. Todas as matérias de jornais, que falavam do Lula, passaram a dar bordoadas no Lula, sem precedentes. Então é lógico que quando estamos fazendo uma coisa de interesse de uma parte deles, eles têm um comportamento ético, até dizem a verdade. Mas quando não precisam mais, acabou-se a ética. O dr. Roberto Marinho, agora em Paris, foi convidado para debater depois de mim, falando sobre democracia nos meios de comunicação. E ele falou que a Globo dá espaço para todos. E aí surgiu a pergunta de um companheiro, se era verdade que a Globo tinha ajudado os militares, se era verdade que a Globo tinha ajudado o presidente da República. Ele disse que ajudou o regime militar porque confiava, e que ajudou o Collor porque era filho de um amigo dele, e aquele jovem que prometia o procurou vinte vezes e, numa das vezes, ele descobriu que o jovem falava fluentemente o inglês. Então ele ficou encantado com as propostas do Brasil 2000 e falou para o Collor: “Quando vamos lançar sua candidatura?” Ele demonstrou uma falta de comportamento ético, não com Lula, Bizola, Mario Covas ou com outro candidato qualquer. Ele demonstrou uma falta de comportamento ético com o povo brasileiro na medida em que um canal de televisão é concessão do Estado e esse canal, no mínimo, tem de estar a serviço da comunidade. Se ele tem de estar a serviço da comunidade, nós precisamos criar um instrumento para poder ter conhecimento da programação, porque senão ela poderá favorecer só um segmento ideológico, e não a toda a sociedade. Acho que quando ele assume essa postura está demonstrando o seu comportamento ético para com 150 milhões de brasileiros ou, na pior das hipóteses, os milhões de telespectadores que assistem aos programas da Globo.
            E o comportamento ético é tão grande, que às vezes está dentro da cabeça das pessoas sem que as pessoas notem. Quando eu era deputado, chegavam pessoas quase miseráveis pedindo um emprego, e então falava: “Não tem companheiro, tem de fazer concurso”. É lógico que não dá para explicar para esse cidadão uma série de coisas porque ele não entende, o mundo dele é o emprego que está precisando naquele instante, e que nem sempre ele compreende quando você diz:”Olha, você tem de fazer um concurso, sabe, se não tiver concurso você não pode entrar”. É uma falta de ética impressionante, porque vai desde essa coisa menor até a coisa maior que todos vocês conhecem, que resultou no crime da Casa da Dinda.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




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