sexta-feira, 15 de junho de 2018

Tecnologia por Luis Pinguelli


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!




GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
TECNOLOGIA
LUIS PINGUELLI ROSA - Físico, Professor, Coordenador do Fórum Ciências e Cultura da UFRJ
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 53 a 64).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
A sociedade atual é profundamente marcada pela tecnologia, em todos os seu aspectos. Mas as “grandes soluções” que ela oferece são sempre positivas? Todas as pessoas são democraticamente beneficiárias da tecnologia? Quantas pessoas no mundo jamais entrarão num avião, ou utilizarão água tratada como bem indispensável à sua saúde? Quais as relações da Tecnologia com o desemprego e com a degradação do meio ambiente? Neste texto, o professor Pinguelli Rosa lembra que não é mais possível, hoje, uma sociedade não-tecnológica, mas é preciso encontrar meios através dos quais a sociedade possa decidir qual tecnologia é realmente necessária, para que ela servirá, e que outras consequências indesejáveis ela pode acarretar. O homem deve ser obrigado a usar uma determinada tecnologia apenas porque ela é considerada melhor ou inevitável por quem a produziu?
1          A tecnologia é uma questão que tem de ser vista por ângulos muito diversos. Em primeiro lugar, é cada vez mais claro e objetivamente comprovado que as inovações tecnológicas, em curso em todo o mundo, deslocam o trabalho. Estamos numa fase em que aceleramos muito o processo de substituição do trabalho humano pela máquina, ou seja, a redução do trabalho humano para uma dada produção.
2          Quando falamos em tecnologia, hoje, pensando na tecnologia avançada que está no mercado e m diferentes graus, devemos pensar que ela envolve automação, substituição de matérias-primas naturais por produtos sintéticos, redução de intensidade energética e mesmo de consumo de matéria-prima na produção. E tudo isso coloca países como o Brasil em desvantagem. Dentro do modelo adotado, de desenvolvimento, para o bem ou para o mal, uma vantagem comparativa de países como o Brasil seria dispor de recursos naturais, mão-de-obra suficiente, excessiva até; ter o nível de emprego que se teve no país, ter mão-de-obra barata, e explorada; e, também, ter energia entre os recursos naturais em particular, no que toca à energia hidrelétrica razoavelmente abundante e barata. Tudo isso, hoje, é questionável. As indústrias de automóveis usam muitos robôs. Os escritórios usam muito o serviço automatizado com computadores. Os processadores de textos permitem economizar secretárias. A telemática, o uso do fax, permite economizar boy para a comunicação.
3          Enfim, estamos numa fase onde a tecnologia está associada ao desemprego. E isto não pode ser disfarçado com frases de efeito. Afinal de contas o novo, o moderno, o desemprego que é produzido pela adoção das novas tecnologias é compensado pelo emprego que a própria tecnologia gera no setor terciário. Isso tudo é um discurso muito mais que uma realidade.
            Não podemos deixar de estar, hoje, inquietos com esse problema. É um erro muito grande e até com uma espécie de atitude justificada, explicada, psicanaliticamente, como autodefesa, como autoproteção mental, a ideia de que o tempo caminha de uma maneira na qual o futuro significa progresso, algo melhor.
            Eu acredito que, a longo prazo, isso seja verdade. Não longo demais. Segundo teorias da física, o Sol vai consumir completamente sua massa e vai acabar, não vai ter mais luz, não vai ter mais vida. A vida é transitória na Terra. Isso não é religião, é ciência.
            Então o futuro, a longuíssimo prazo, não existe para a humanidade. Mas um prazo, que é o que discutimos como longo, é positivo, no sentido de termos melhores condições materiais de sobrevivência, organização política mais adequada à expressão das diferenças, alguma forma de organização democrática e social. A expectativa de vida aumenta, embora novas doenças se coloquem, mas de qualquer modo, como todos os horrores da AIDS, ela é menos grave para a humanidade do que foram a tuberculose e outras infecções que levavam fatalmente à morte. Até uma simples gripe forte costumava fazer isso. Dessa forma, a penicilina é um avanço inegável do conhecimento científico.
            A possibilidade de fazermos uma viagem à Europa, aos Estados Unidos, ou a uma cidade distante do próprio Brasil e da América Latina, rapidamente, é um avanço tecnológico. É bem verdade que ele é restrito a um pequeno número de pessoas, que pode, durante a vida, entrar num avião. As pessoas da classe média costumam perder essa dimensão da exclusão, da diferenciação social. A grande maioria das pessoas que vive neste país, e a grande maioria do mundo, não entrará jamais num avião. Nem pensa nisso! Não passa pela cabeça. O avião é um objeto que passa pelo céu, voando, e pouso em algum lugar.
            Mas, de fato, vamos incorporar o avião como um avanço tecnológico que está aí, e pelo menos uma fração da população o usa, e, às vezes, com objetivos muito meritórios. O avião transporta socorro para as vítimas das enchentes, professores que podem ensinar em lugares distantes, médicos, técnicos. Portanto, iniciativas são tomadas graças à viagem que os aviões permitem, além do prazer que a classe média possa ter através do avião, como o transporte para fins turísticos, Mas eu estou dando exemplos de que existe um componente muito positivo nos avanços tecnológicos.
            O mais dramático hoje é a questão do emprego. Mas há outras questões. A questão da poluição ambiental associada à tecnologia é real. Nós já temos consciência disso, de duas décadas para cá, em particular na última década.
            A questão ambiental é importantíssima e repetir isso no ano do meio ambiente seria até supérfluo, mas não é o maior problema da tecnologia. A tecnologia provoca problemas ambientais gigantescos, que estão sendo equacionados, porque atingem a sociedade como um todo. Se o reator de Angra dos Reis sofrer um acidente grave, o milionário dr. Pitanguy terá sua maravilhosa ilha prejudicada. E isso é garantia suficiente para que se procure equacionar o problema do reator nuclear de Angra dos Reis de alguma forma, ainda que ele tenha os seus perigos, inevitáveis. Esta contradição não tira a gravidade dos riscos tecnológicos para o meio ambiente.
            Agora, se a indústria automobilística vai produzir um automóvel com um número cada vez menor de operários, e esses operários não encontram trabalho porque não há crescimento do mercado na devida proporção, ou se nós nos encaminhamos para ser uma sociedade de manicures, de tomadores de conta de automóveis em estacionamentos, isso afeta as classes menos favorecidas da sociedade. Portanto, não é um problema prioritário, e por isso não está equacionado.
            Esse não é um problema exclusivamente brasileiro. Existe uma teoria de que há um grande processo de colapso em toda a nossa civilização, que começou na crise econômica do Terceiro Mundo. Isso é muito pouco esclarecido pela imprensa modernizante, pelos apaixonados do Primeiro Mundo – que essa crise deixou a economia de países como o Brasil numa situação muito difícil. A situação da América latina é, em geral, muito difícil. Há exceções como o Chile, que não são convenientemente explicadas até que ponto são exceções, até que ponto dependem de uma certa política aplicada. Fazendo uma caricatura, talvez seja necessária uma violência política suficientemente dosada e intensa como no Chile, que ultrapassou a todos os outros países em número de mortos pela tortura, horrores do cárcere político, para se chegar ao liberalismo econômico. Ou seja, o liberalismo econômico seria, nesse caso, o filho da ditadura política, a fim de criar as condições sociais de aceitação de determinados princípios contra os quais os movimentos sindicais reagem.
            Mas não vamos nos ocupar deste aspecto. Empiricamente, o que se verifica é que nos países da América Latina a situação se prolonga numa recessão muito difícil, ou numa estagnação, ou num crescimento muito reduzido. O Brasil é o exemplo claro – não é a exceção, é a regra. Na África, a situação de retrocesso econômico é dramática. E os países socialista atravessaram um crise que levou a desfazer a União soviética e a desmontar o Leste europeu.
            Essa teoria diz que a crise não é do socialismo apenas, não é do Terceiro Mundo apenas. É a crise de um sistema global, que começa a atingir também os países desenvolvidos. Sabemos que nos Estados Unidos há um debate muito grande sobre esse tipo de problema, sobre o desemprego estrutural devido à tecnologia. E que não se tem uma solução clara para ele. Então, estamos vivendo hoje um problema da tecnologia. É preciso examiná-lo com coragem, sem vergonha de admitir que nem sempre o futuro é naturalmente melhor que o passado. As pessoas que estavam na Europa às vésperas da Segunda Guerra Mundial, na década de 1930, viviam a ascensão do nazismo. O futuro para elas era muito pior do que aquele presente.
            Agora, por outro lado, acredito que entre as crises teóricas que estamos vivendo, onde a questão tecnológica é um mero aspecto, há uma crise do determinismo, inclusive nas ciências da natureza, que é essa causalidade mecânica que a física passou para todas as ciências, chegando às Ciências Sociais. E que se não há esse determinismo. Talvez possamos até assumir uma postura de maior responsabilidade sobre aquilo que venha a acontecer, aquilo que possa suceder na nossa sociedade. Então, [é] a nossa ação política que pode mudar o curso da História. Não apenas como uma perturbação pequena, dentro de uma diretriz determinada. Talvez se possa mudar muito mais.
            Portanto, a discussão sobre a organização da sociedade, a política partidária, toma um aspecto muito mais importante. Podemos ter mais esperança para enfrentar os problemas. Mas é preciso tomarmos cuidado para não cairmos no canto da sereia de que tudo que é moderno é bom; de que a tecnologia deve ser sempre adotada, porque ela, por hipótese, é favorável, dá mais possibilidades. Sim, não podemos evitar que, na produção, haja mudanças tecnológicas. Mas podemos pensar quais mudanças tecnológicas. E não temos que sacrificar o homem à maquina. Não temos que nos regozijar com o aumento de produtividade, se esse aumento de produtividade significa aumento do desemprego. Isto não é ser moderno! É ser irresponsável socialmente, e infelizmente isto está sendo ensinado e divulgado.
            Colocada nestes termos, a questão tecnológica deve ser enfocada, em um país como o Brasil, com muito realismo, Ele é muito importante! Se de um lado não se pode endeusá-la num altar, onde todos vão se ajoelhar no culto da produtividade, da qualidade e de outras palavras-chave do marketing do capitalismo tal como ele se desenvolve no mundo todo, de outro, devemos olhar a tecnologia como um instrumento que o homem tem para se relacionar com a natureza.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




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