quinta-feira, 7 de junho de 2018

Justiça 2 por Roberto Aguiar


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


CONTINUANDO...

            Às vezes eu fico olhando o Collor e seus atabalhoados companheiros, me fazendo lembrar o início do Mercantilismo, onde as teorias econômicas diziam que a origem da riqueza está na intermediação da mercadoria. O lucro na intermediação, e não na produção, é que levaria ao enriquecimento. E quem era o lucro do Mercantilismo? Era o pródigo! E quem era o pródigo? Tanto é que há um grande compositor Renascentista que fez uns madrigais maravilhosos, chamado Gesualdo. Ele escreveu tudo preso numa torre, porque ele era pródigo. Por que ele era pródigo? Gastava mal o seu dinheiro! Então o louco do Mercantilismo, que até hoje existe no nosso Código Civil, a figura do pródigo, que se chama curatela dos pródigos. Interessante observar: se o marido bate na mulher, escondido, faz as maiores crueldades, ela não consegue desfazer aquele casamento. Mas se eventualmente ele começar a gastar mal o patrimônio da família, aí sim se invoca a curatela dos pródigos e podemos até separar o casal, embora a mulher fique lá tomando conta dele, como curadora dos bens, porque no Direito Brasileiro os bens valem mais que as pessoas. Basta vocês passarem uma olhada no Código Civil para verem que são 32 variações sobre o Direito das Coisas. Basta vocês olharem o Código Penal para verem que a maioria dos delitos são contra o patrimônio. Contra as pessoas são três capítulos, e só. O resto é tudo contra a coisa. Para sentir que na visão dessa falsa liberdade, na visão aética, do lucro, o único padrão ético é a vantagem do lucro. Faz-me lembrar o Mercantilismo redivivo em outro patamar. E, de mais a mais, a questão da paixão perdida, porque no fundo o sentimento morreu.
            Costumo dizer, e talvez isso não tenha nenhuma exatidão, que somos criados para o sentimentalismo, e muito mal-criados para o Amor. A gente chora! Nunca me esqueço, que fui ver um filme a história de uma criança sofrida e tinha uma senhora do meu lado que chorava desbragadamente. E me atrapalhava, porque ela soluçava. Então terminou o filme, e ela estava com uma menininha que pediu-lhe algo, e ela deu-lhe uma pancada!


            Isso é sentimentalismo. Somos tomados pela emoção da circunstância, mas não nos emocionamos com aquilo que é permanente, que é essencial. E isso é a morte da paixão, é a morte do sentimento.
            E sem paixão de Justiça não há possibilidade de uma reflexão mais clara e de uma ação mais concreta.
            E, finalmente, há um eixo ético, que é [o] seguinte: no fundo, temos vários tipos de ética, e não vamos analisá-las. Mas, grosso modo, eu queria colocar alguns pontos, alguns tipos de ética que baseiam os valores da Justiça.
            Há uma ética de conformidade. Isto é, eu sou justo porque obedeço as leis e obedeço o governo. E isso é importante: quem faz os padrões do meu justo não sou eu, são os outros, é o Poder. O Poder é o outro. Eu vivo conforme os padrões de justo estabelecidos pelo Estado ou pelos poderes constituídos. E me sinto justo por causa disso. É o que eu chamo a ética da conformidade.
            Depois há uma ética do equilíbrio individual. Uma ética típica do comerciante, do negociante, do industrial, das multinacionais, que fazem a retórica da igualdade e a prática da desigualdade. Isto é, todos os atos devem ser equilibrados. Direitos e obrigações devem ser medidos de uma forma que ninguém saia do padrão. E é aí que vem o aspecto fundamental em termos de Justiça, em que vale a pena pensarmos. Aquela concepção, também imbecil, que praticamente muitas pessoas assumem: “A virtude está no meio.” A virtude é uma mediatriz de um segmento. A virtude é “não ame muito, ame médio”. “Não se engane muito, se engane médio”. “Não odeie muito, só um pouquinho”. Em tudo você tem que ser equilibrado. Em meu ponto de vista, e certamente vocês podem discordar, a virtude está no extremo. Não há virtude sem o risco de uma atitude extrema. A História só mudou com atitudes extremas. Apontem alguém com virtude no meio, ou um grupo social com virtudes no meio, que tenha feito alguma coisa na História? Estou esperando exemplos. Não vêm! Mas a virtude está no meio, por essa ética do equilíbrio.
            Em terceiro, é a ética dos avanços sociais. Essa ética, trazida principalmente pelos pensadores e pelas lutas dialéticas na História, é de alta importância. Isto é, o padrão de reflexão, são coletividades desiguais e exploradas e exploradoras, que devem encontrar formas de superação disso tudo. É a ética da busca de valores de uma igualdade concreta. Mas, mesmo esta ética apresenta problemas, porque no fundo, hoje, o ser humano aparece como muito mais complexo. Ainda [há] uma certa visão de dialética está marcada pela abstração de que nós falávamos anteriormente. Nós trabalhamos com o ser humano como pertencente a grandes categorias, a classe social, a sociedade, e esquecemos da concretude. Esquecemos aquilo que Foucault lembrava, que a história também é feita na cama dos casais, na cozinha das casas. Não que seja aí a determinante de história. Mas é aí que se concretizam as dominações. A busca do circunstancial como tradução disso. Se não assumirmos esse aspecto vamos falar em abstração. Então, há necessidade de que um outro ser humano bem mais complexo seja o objeto da reflexão, sobre a questão do justo.
            Nossa sociedade, com essa cegueira, com essa insensibilidade, não vê as grandes disparidades, nela a morte vale mais que a vida e a velocidade é critério de desenvolvimento.
            Vocês já perceberam, no senso comum se diz assim: os Estados Unidos são mais evoluídos que o Brasil. Por que? Porque eles têm mais tecnologia. Por que? Porque dão respostas mais velozes. Faz lembrar um trabalho muito sério chamado Guerra Pura, que trata justamente dessa questão: a velocidade como critério de “progresso”, de humanização e que, no meu entender, a velocidade nada mais é do que um braço indireto da militarização. É a militarização social. A eficácia, a estratégia, ou seja, os ‘gools’, os objetivos, as conquistas, basta ver os livros de administração que se tornaram grandes livros de batalhas. A sociedade é uma guerra!
            Ora, dentro disso, que indicadores percebemos para a Justiça? Tenho a impressão que nesse caldo e com essa história algumas coisas nós precisamos refletir, alguns valores nós temos que buscar. O desafio que nós temos em termos de Justiça é o seguinte: como procuramos práticas sociais que valorizem a vida e diminuam a morte? Isso é algo de uma clareza meridiana. Não o direito à vida abstrata. Nos códigos percebemos que o direito à vida é dado assim: “Não se pode matar ninguém”. Está lá no artigo 121 do Código Penal que coloca isso como homicídio. Mas, depende. Na paz, você não sendo autoridade, não pode matar. Na guerra, se for militar, quanto mais você matar mais você se dobra ao peso das medalhas de honra. Se você for policial, você está no estrito cumprimento do dever legal quando mata 15 crianças que estão perturbando a segurança das grades dos jardins da burguesia.
            Então, é a relatividade da defesa da vida. O que significa preservar a vida numa sociedade desigual, miserável, numa sociedade onde as dominações estão presentes? E colocaria outra questão dentro disso, como ficamos nessa visão abstrata de ser humano, como delegamos ao Estado poder de definir o justo, não temos a possibilidade de refletir sobre o justo. Uma pergunta que os judeus faziam, os romanos faziam, os gregos faziam, uma pergunta estranha que não está nem dentro do nosso vocabulário: eu sou justo? Você vai aos textos gregos, e eles dizem assim: eram justos. Você vai aos textos romanos, eles dizem da mesma coisa: eram justos, ou eram injustos. Até em alguns textos medievais. Alguém já falou para vocês: eu sou justo, ou eu sou injusto? Me parece que o critério do justo, nesse processo de abstração, também se tornou algo que não é nosso. A Justiça é social, é do Estado, é da estrutura. A Justiça parece que não está em nós. Mas essas coisas se referem a nós. Parece que nós nos elidimos dessa estrutura.
            Outro ponto que também vale a pena pensarmos: a questão da Paz. Não a paz no cemitério de Perus. Não a paz imposta pelo conformismo, pela alienação, a paz da Rede Globo. Mas a paz que se conquista! A paz que é igualdade entre os homens, que é reconhecimento entre os homens, a paz que é condição de plenificação do Ser Humano. Pensa-se concretamente nisso? Acredito que não!
            Outro valor que precisamos ver, em termos de Justiça, é o valor da diferença. Somos uma sociedade profundamente preconceituosa. Os diferentes não têm lugar. Lembro-me do Se. Mário Amato, presidente da FIESP, que dizia que a ex-ministra Dorotéa Werneck era uma pessoa muito inteligente, apesar de ser mulher. Os negros são geniais, o Brasil não tem preconceito racial, desde que um negro não se case com a minha filha. Os índios têm uma cultura interessantíssima, há um interesse etnográfico pelos índios, desde que não estejam na minha terra, onde eventualmente tem cobalto, ouro, ou gado.
            Vivemos numa sociedade profundamente agressiva à diferença. Tanto que chamamos os índios de primitivos. Não primitivos porque são diferentes, e sim porque são inferiores.
            Um outro valor é o valor da pluralidade. Temos que buscar a legitimidade concreta das estruturas sociais e das relações pessoais. O que significa a pluralidade concreta? É a possibilidade da democracia, de se admitir a diferença e de fazer que as diferenças concorram para haver uma estrutura mais justa.
            O outro valor, que eu coloco para susto de muita gente, o amor. Precisamos começar a resgatar o amor. Porque o amor é uma questão profundamente problemática. Você falar em amor? Não, este aqui está tendo uma visão do cristianismo ultrapassada. Ou então, falou em amor está negando a luta de classes. Mas será que não há possibilidade de fazer como certas tribos indígenas, que por exemplo passam pentes de língua de pirarucu nas suas peles e dizem: se você tem também essa marca de pente em que fica assim riscadinho, se você tem essa marca de pente na pele você é meu igual, e por isso você tem os mesmos direitos, e eu gosto de você. Parece que no fundo, a racionalidade contemporânea matou algo que Piaget, coitado, trabalhou como louco: matou a afetividade, como se fossem duas coisas estanques. Piaget, na Psicologia da Inteligência, falava na questão da cognição que a intelecção e afetividade, são duas faces de uma mesma moeda, e nós conseguimos recortar isso e dizer: quando eu conheço eu não tenho afeto, quando eu tenho afeto eu não conheço.
            Outro valor, é a dignidade. Retornar do velho sentido de equidade romano, isto é: nós somos dignos porque somos iguais. E no fundo, retomar vários valores que já foram construídos na História e que nós esquecemos: a ousadia, a coragem e a construção concreta da liberdade. Tudo isso é apenas para dizer o seguinte: Justiça é valor, é escolha, é História, é conquista, é fraternidade, é ampliação da visão da sociedade e do ser humano, é ampliação da própria visão do Cosmos e, acima de tudo, é uma grande opção ética. Ela não é um problema frio. No fundo, a grande questão é: perante as circunstâncias da História o que é justo para cada um de nós, e como nós agimos para a concretização desse justo na História. Essa é a questão fundamental.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
Aguiar, Roberto A. R. de. O que é justiça – uma abordagem dialética. 3ª Ed. São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1993.
La Boéte, Etienne de. Discurso da Servidão Voluntária. 3ª Ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986.
Heisenberg, Werner. Física e Filosofia. 2ª Ed. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1987.
Anderson, Perry. O fim da história – de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992.
Rossi, Paolo. A Ciência e a Filosofia dos modernos. São Paulo, Editora UNESP, 1992.



Quem, de verdade, mama nas tetas deste país...


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