quarta-feira, 27 de junho de 2018

Tecnologia 2 por Luis Pinguelli

Divulgando...


Divulgando...
E aí povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!

 CONTINUANDO...


            Como nosso país poderá aumentar a produtividade e disponibilidade desses bens sofisticados (a televisão ou o microcomputador têm que ser produzidos e utilizados, no caso do microcomputador como instrumento de trabalho) e ao mesmo tempo pensar em ampliar o número de empregos? Isso não é uma solução fácil de encontrar. É uma problematização que se pode fazer, menos do que apontar soluções simples.
            Há uma enorme falta de discussão fora dos setores interessados, ou seja, aqueles que trabalham com ciência e tecnologia, e que naturalmente advogam a importância da sua função. Mas é uma questão tão séria que exige uma discussão política. Um partido avançado como o PT, um partido em cima do muro como o PSDB, ou mesmo um partido mais conservador como o PFL, tratam a tecnologia com rótulo. Se pegarmos o que eles dizem sobre tecnologia, é mais ou menos a mesma coisa, o que é mau. É sinal que eles não sabem ler o que dizem, ou apenas um deles sabe o que diz, provavelmente o PFL. Este é o problema. E os outros repetem sem saber o que estão falando.
            Se tecnologia tem a ver com emprego, com trabalho, é uma questão política. Mas não pode ser pensada apenas como um bloqueio sindical, como os famosos ludistas que quebraram as máquinas, muitas décadas atrás, para evitarem a substituição de sua mão-de-obra por elas. Mas aquela era uma fase onde se passava da produção semi-artesanal e industrial, organizada à guisa de um artesanato coletivizado, onde a força motriz era minimamente usada para correias de transmissão fazerem alguns movimentos repetitivos mecânicos para uma situação na qual passamos a ter grandes máquinas, resultando nas linhas de montagem que são o paraíso do taylorismo e do fordismo. Onde o homem é governado pelo ritmo da máquina, do homem que trabalha no tempo da máquina, situação magistralmente descrita pelo gênio de Charles Chaplin em Tempos Modernos.
            Não sei se alguns dos senhores teve alguma experiência desse tipo, em alguma situação particular, ter o seu tempo governado por algo fora de si, completamente, num ritmo muito acelerado. Isso se dá em alguns jogos, que dão emoção, aflição; você tem que passar a bola e segurá-la. Mas ali é um lazer, é um desafio que você está se impondo a si próprio. Imaginem os senhores o dia inteiro fazendo uma coisa rotineira, que não tem a graça do jogo, porque é sempre igual, no ritmo de uma esteira rolante.
            Então a tecnologia, quando acaba a esteira rolante, tem um dado ambíguo. De um lado, é muito bom que homens deixem de fazer aquilo que o Carlitos simboliza com o tique nervoso de ficar fazendo rodar uma chave de parafuso, chave inglesa ou lá o que se fosse. Por outro lado, é preciso ter a consciência de que isso significa desemprego, se não houver um emprego novo. As ilhas de produção, que hoje são usadas no lugar das linhas de montagem, são agrupamentos de operários em torno de um objetivo onde há uma certa unidade. Mas, voltando ao sistema semi-artesanal, não é bem assim porque há muita presença de informatização de gerência, de ritmo, de um outro tipo de ritmo que é da competição do que cada ilha poderá produzir mais do que a outra, se ganhar mais por causa disso.
            Portanto, tem aí um taylorismo escondido, quando os deslumbrados da tecnologia falam do fim do taylorismo e do fordismo. Talvez devessem dizer melhor um outro taylorismo, um outro fordismo, porque o ritmo das ilhas de produção também é um ritmo severo, embora elas sejam, sem dúvida, mais humanizadas que as linhas de montagem. Mas temos que lidar com essas coisas que estão aí. Os partidos, os sindicatos, acho que até a CUT, pelo que eu saiba, estão bastante atentos, criando grupos de estudos com a cooperação dos italianos, que são especialista em negociar, em pactuar a entrada das tecnologias de acordo com a realidade social do país. São questões muito concretas.
            É assim que analiso a tecnologia, e não na venda da ilusão de um mundo maravilhoso onde todos seremos felizes porque teremos coisas de eletrônica penduradas por todos os lados. Talvez seja necessário termos menos coisas eletrônicas para sermos mais felizes. E temos que pensar a dose das coisas eletrônicas, não deixando que o capitalista, preocupado com a maximização da sua margem de lucros, faça isso por nós. Se desistirmos de nos apropriarmos, como totalidade, dos meios de produção, porque isto não deu certo onde foi feito, pelo menos, não dei certo para certas coisas, mas deu para todo mundo comer e se vestir. E, lamentavelmente, para fazer bomba atômica e foguetes para meter medo nos americanos, deu. Os americanos tinham enorme medo dos foguetes soviéticos. Tanto medo que eles nem dormiam de noite. Faziam abrigo debaixo das casas. Então, para isso, deu. Para fazer bombas, comida, calçados, mas não deu para muita coisa que a sociedade, uma vez satisfeita a sua base de necessidades essenciais, demanda. E talvez, acima de tudo, não deu porque se criou um autoritarismo insuportável.
            O que isso tem a ver com a tecnologia é outro problema. Até para ilustrar essa questão. Logo que houve o festival de países do Leste Europeu que se converteram ao capitalismo com muita alegria, fizemos no Fórum da Ciência e Cultura da UFRJ, um debate com alguns alemães, da Alemanha Ocidental, que estavam aqui através de um órgão de cooperação técnico-alemã. E foi curioso que um deles falava o seguinte: “que absurdo que é na Alemanha Oriental – dizia ele – imagine que, em plena hora do expediente, o que se via? Operário na rua! Até de macacão, fazendo compras. Imagine operário fazendo compras na hora do expediente!” Quer dizer, na imaginação dele, as pessoas ficam mais felizes presas dentro das fábricas. Como ficam, de fato! Quem entra numa fábrica, ou num guichê de banco, pelo lado de dentro, vê que o sujeito está preso naquilo e que é a coisa mais maçante da vida o que ele faz ali. É uma prisão. Então, há um engodo gigantesco no fato de que nós só temos as vantagens nessa coisa em que nós vivemos. Não. Há muitas desvantagens. É que alguns ficam com muitas vantagens e as desvantagens são distribuídas, socializadas para a grande maioria. E como nós não estamos nela, isso fica bom para nós.
            Mas não é verdade que tudo o que foi feito através do sistema de planejamento daqueles países fosse negativo. Mas foi insuficiente, de fato, por várias razões, talvez menos tecnológicas do que políticas. Agora, temos consciência de que não é essa a solução que nos empolgaria mais, Não teríamos o objetivo, talvez maior da nossa vida, de reproduzir um exemplo que tem suas limitações bem balizadas historicamente. Porém, temos que pensar coletivamente que tipo de desenvolvimento e que mix tecnológico podem levar o Brasil a uma sociedade mais equilibrada. Isto é uma obrigação nossa.
            Pensar na tecnologia desta forma significa discutir com as multinacionais a introdução da automação, em que ritmo, e talvez até obrigando-as a fazerem investimentos em setores que absorvam mão de obra. Porque o que acontece é que, em geral, o tipo de serviço que é gerado pela tecnologia mais avançada não se reproduz nos países como o Brasil. É óbvio que quando você substitui o trabalho da esteira rolante com muita participação de operários por uma máquina automatizada, você tem o problema da máquina, o programador dos computadores, o ‘bolador’ dos softs que são implantados permanentemente, enfim, há um trabalho intelectual que vem atrás. Mas a grande parcela dele não é feita nos países como o Brasil, que têm uma infraestrutura educacional muito pior, que têm condições de reprodução dessa tecnologia muito mais precárias, e sai caro.
            Então, é muito mais fácil que as grandes multinacionais, ao implantarem a tecnologia avançada no Brasil, desloquem empregos na produção direta e gerem empregos na concepção, fora do Brasil. Assim, é necessário uma política para que haja compensação. Para que, se a empresa tem interesse no mercado brasileiro, ela tenha também essa preocupação, de que se há um contingente empregado, a adoção de maquinas mais eficazes deva ser pensada com expansão de certas atividades que possam gerar empregos. Isto não é simples, porque nem nos países mais avançados isto se dá com muita simplicidade.
            Na agricultura brasileira ou mundial se fez aquilo que se vê, por exemplo, fazendo uma viagem entre Uberlândia e Uberaba: o deserto do campo. Viaja-se, talvez, cinco quilômetros seguidos sem ver uma pessoa; só se vê soja. E de repente aparece um enorme trator ou uma enorme colhedeira com algumas pessoas, pouquíssimas. A agricultura modernizou-se expulsando boa parte de população rural para a periferia das cidades, para as favelas do Rio de Janeiro, para as cidades-setélites de Brasília.
            Hoje, estamos fazendo a segunda expulsão, de dentro das fábricas. Isto precisa ser pensado com muito cuidado. Senão, estamos gerando uma sociedade inviável, ou uma sociedade que será, fatalmente, a mesma sociedade da droga. Eu ouvi no Peru, dentro do Ministério das Relações Exteriores, num seminário, de uma autoridade do Ministério, falando dentro do Ministério, que não se podia combater a droga radicalmente no Peru porque era o grande elemento de exportação que o país tinha, muito valorizado. Cocaína é o melhor produto do Peru e da Colômbia.
            É uma realidade! Se não pensarmos muito naquilo que um país como o Brasil tem pelo futuro, que dose, que mix tecnológico, que projeto para o país deve ser viabilizado – como combinar as possibilidades que a ciência oferece através da tecnologia para a produção com a necessidade de arregimentar pessoas para o trabalho, para os empregos, estaremos no caminho que levou a essa situação. E não estamos muito longe disso.
            Trago a vocês, portanto, menos a alegria da tecnologia, o pedido de mais verbas para nossa atividade, e muito mais, num lugar que se propõe a um pensamento inquieto, essa preocupação: fujam do ‘oba-oba’! Desconfiem de tudo que todos dizem! A unanimidade, geralmente, é ‘burra’. O bom-senso é melhor, às vezes, do que esses chamados paradigmas que todos seguem sem saber bem por quê. Tecnologia, hoje, é um mercado com forte componente desse tipo. Temos que gostar dela, ma lista de modernidades, privatização, tecnologia, liberalismo... sem falar de fome, miséria, desemprego, etc.

Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

SUGESTÕES DE LEITURAS
O dilema da sociedade tecnológica – Max Lerner. Vozes, 1971. Petrópolis.

Política de Ciência e Tecnologia para a década de 90 – Vários autores, CEAD/Ed. UnB, 1989.


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