quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

RESUMO : PSICOPOLÍTICA: O NEOLIBERALISMO E AS NOVAS TECNICAS DE PODER.


RESUMO : PSICOPOLÍTICA: O NEOLIBERALISMO E AS NOVAS TECNICAS DE PODER.
Raul - May 26, 2019 9 min read
A ideologia atual nos faz acreditar que somos projetos livres e não sujeitos submissos. Note que há uma passagem de sujeito para projeto. A ideia de projeto não se apresenta como escancarada coerção, mas sim como uma forma de subjetivação e sujeição. Essa ideia de “eu” como projeto faz com que nós nos submetamos a obrigações internas, entre elas: desempenho e otimização.
Nesse momento histórico a liberdade nos coage. Han parte da dualidade de liberdade de poder e dever disciplinar. Desta divisão ele ergue que a liberdade de poder produz mais coações que o dever disciplinar. Enquanto o dever tem um limite o poder não tem. Ele define que liberdade é estar livre coerções, porém essa liberdade de poder nos produz coerções.
Atualmente, o sujeito é o sujeito do desempenho ele parece ser livre pois a ideologia em questão (neoliberalismo) faz com que o sujeito acredite não ter senhores. A ideia que vem se fortalecendo é que o homem é senhor de si mesmo, logo seu fracasso e sucesso só dependem de si, esse é o sujeito do desempenho. Um sujeito que se auto-explora de maneira voluntária. Fica, então, mais claro como a verdadeira liberdade não existe nesse sujeito, ele, de fato é servo, senhor e servo de si. Esta é a anunciação da nova forma de sujeição.
Posto isto, Han questiona a suposição de Hegel, que o trabalho liberta o servo, já que em sua concepção o sujeito neoliberal é servo e senhor de si, como já dissemos.
O sujeito neoliberal é conduzido a um isolamento da sociedade, já que ele não depende dela, dos outros. Todavia liberdade é uma palavra relacional, o homem só é livre em comunidade, se se realiza conjuntamente. Nesse ponto Han concorda com Marx e se aprofunda. Quando competimos com os outros, e não colaboramos, o capital se multiplica, mas a liberdade não. Quem se liberta é o capital. E, nesse processo, a ideia de liberdade individual se mostra, nada mais, nada menos, que a servidão ao capital.
- A ditadura do capital.
Marx sustentou a tese de que, em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas (força de trabalho humana, modo de trabalho e meios de produção) entram em contradição com as relações de produção dominantes (de propriedade e dominação) e, dessa contradição, crise, surgiria a ordem social comunista.
Han discorda dessa tese. Para ele, o capitalismo industrial mutacionou em neoliberalismo e em capitalismo financeiro com modos de produção imateriais e pós-industriais, demonstrando que até esse ponto as previsões de Marx não se realizaram.
Indo além, o sistema neoliberal não é mais um sistema de classes em sentido estrito, já que o sujeito é o senhor e o servo de si. Por isso o neoliberalismo tem uma forte estabilidade. Atualmente somos dominados por uma nova ditadura, a ditadura do capital.
Quem fracassa na sociedade neoliberal de desempenho, não questiona a sociedade, mas questiona a si mesmo.
Atualmente, ao invés de trabalharmos para suprir nossas necessidades, trabalhamos para suprir as necessidades do capital. Enganamo-nos assim, sendo expulsos do plano imanente da vida, que é onde a vida se relaciona consigo mesma em vez de se sujeitar a um fim extrínseco.
Traçando uma breve linha da história da política podemos notar que, numa primeira parte, as premissas eram fundadas na religião, tendo então uma ordem transcendente; posterior a essa ordem surge a Modernidade na qual o discurso imanente impera; enquanto que, hoje há uma nova transcendência, a do capital.
- A Ditadura da Transparência
Han defende que o neoliberalismo transforma o cidadão em consumidor. A liberdade de ser cidadão dá lugar a passividade de consumidor. O eleitor, nesse esquema, não tem interesse real pela política, pela formação ativa da comunidade. Ele apenas reage de forma passiva, criticando e reclamando, como o consumidor faz. Políticos e partidos seguem a lógica do consumo. Eles se degradam a fornecedores.
A transparência não aparece nos processos políticos de decisão, que pouco interessa ao consumidor político. Ela se mostra para transformar indivíduos em objeto de escândalo para espectadores a serem escandalizados. E é assim que funciona a democracia, uma democracia de espectadores.
Com a era digital, evolui-se a a era da psicopolítica digital, que nos leva a uma nova crise de liberdade, onde até a vontade própria é atingida. Os Big Data são elementos importantes nesse processo, eles alcançam um conhecimento que permite influenciar na psique do sujeito.
Os Big Data permitem um prognóstico sobre o comportamento humano e torna possível prever e controlar os sujeitos. Os Big Data anunciam o fim da pessoa e do livre-arbítrio para Han.
-Poder Inteligente
O poder pode agir de diversas formas. A forma mais direta e imediata é como negação da liberdade. Mas o poder máximo não reside na coerção. O poder é maior quanto mais silenciosamente ele atua, de forma a não chamar atenção para si.
Hoje o poder assume uma forma permissiva, afável, ele se apresenta como liberdade. Dessa forma o neoliberalismo age de uma forma que faz as pessoas se submeterem ao contexto de dominação por si mesmas. Ele torna as pessoas não em obedientes, mas em dependentes.
Atualmente há uma crise de liberdade que consiste em estar diante de uma forma de poder que não rejeita ela, mas, ao contrário, a explora. O sujeito é seduzido ao invés de ser coagido ou ameaçado.
- Biopolítica
Para Foucault desde o século XVII o poder passa a ser disciplinar. Esse poder, diferente do anterior, que era um poder de morte, é um poder de vida. Ele busca afirmar a vida, administrar os corpos e gerir de forma calculista a vida. Essa alteração se deu devido a alteração das formas de produção: a passagem da produção agrária à industrial. O corpo é inserido em um sistema de normas. Nota-se também que nesses dois poderes se produz o sujeito da obediência.
A biopolítica como preocupação com as taxas de natalidade e mortalidade, qualidade da saúde e a estimativa de vida controla os corpos.
Foucault defende que a biopolítica é uma técnica de governança da sociedade disciplinar e que ela, por isso, é inadequada ao regime neoliberal, que explora a mente das pessoas. A biopolítica usa estatísticas demográficas, não tendo acesso ao psíquico. Com o advento dos Big Data surge a possibilidade de acessar o psíquico dos sujeitos.
- O Dilema de Foucault
Com o fim de “Vigiar e Punir” Foucault se dá conta que a sociedade disciplinar não reflete exatamente o seu tempo. Dessa forma em 1970 ele se dedica a analisar as formas de governo neoliberais.
Foucault vincula a biopolítica à forma disciplinar do capitalismo, sendo uma forma que age no biológico, no somático, no corporal. Assim trata-se de uma política dos corpos.
Porém o neoliberalismo já não se preocupa tanto com essa forma de dominação. Antes, descobre a psique como força produtiva, surge uma virada para a psicopolítica. Processos psíquicos e mentais são otimizados para o aumento da produtividade.
- A Cura como Assassinato
A psicopolítica neoliberal inventa formas de exploração cada vez mais refinadas, os coaches, fins de semanas motivacionais etc. Não se visa explorar apenas a jornada de trabalho, mas o próprio ser humano.
Bloqueios, debilidades e erros devem ser removidos terapeuticamente em vista de melhorar o desempenho.
Os valores antigos são eliminados. Busca-se o esgotamento e isso gera doenças mentais como a depressão, ansiedade, burnout, além desse processo fazer crescer o suicídio por excesso de trabalho.
Essa ideologia de otimização toma características religiosas e fanáticas. Há uma luta consigo como se lutasse contra um inimigo. Essa psicopolítica neoliberal destrói a alma humana. Acura se torna em assassinato.
- O Amável Grande Irmão
No romance 1984 George Orwell cria uma sociedade em que impera o Estado de vigilância, nela é instituída a “Novafala” que busca suprimir a “Velhafala” de forma que se reduza a liberdade de pensamento. Com o tempo o número de palavras diminui e a liberdade de consciência se torna menor.
Diferente do pan-óptico digital, que faz da “liberdade” poder, com o estímulo e a exposição, o Estado de vigilância reduz a “liberdade”. Porém todos os dois procuram o controle psicológico. As técnicas do Grande Irmão são, ainda, a lavagem cerebral com eletrochoques, privação do sono, isolamento, drogas e torturas física. Existe também um Ministério da Pujança que impede que haja bens de consumo suficientes para todos, de modo que se crie uma dependência maior,
A diferença entre o Estado de vigilância de Orwell e o pan-óptico digital de hoje é que este não tortura as pessoas, mas se tuíta ou o indivíduo posta suas particularidades que serão usadas como forma de controle. Não há um Ministério da Verdade. A transparência e informação, em suma a auto exposição substitui a verdade.
Essa técnica de poder neoliberal é permissiva e projetiva, diferente da do romance de Orwell. O princípio não é a negatividade, mas a positividade.
- O Capitalismo da Emoção
Sentimento e emoção tem diferenças. As emoções são mais fugazes e curtas que os sentimentos. Já o sentimento apresenta um estado. As emoções, como se subentende, não dura. Não existe coisa como emoção de tranquilidade, mas, sim, estado de tranquilidade. A emoção é dinâmica, situacional e performativa. O capitalismo pode explorar a emoção. Já o estado, o sentimento é mais difícil de ser explorado.
Han assume que a emoção recentemente se tornou um meio de produção. O neoliberalismo usa as emoções como recursos para alcançar mais produtividade e desempenho. Em um momento da produção a racionalidade que é fundamental na sociedade disciplinar atinge seus limites e cede lugar a emocionalidade. A liberdade, enquanto permite as emoções correrem livres, é explorada pela técnica neoliberal, que explora essa subjetividade.
A objetividade, marca da racionalidade, é oposta a emocionalidade, que é subjetiva, situacional e volátil. A primeira está associada as mudanças, de estado ou percepção. De modo que se aumenta a produtividade o capitalismo em questão impulsiona a transformação emotiva do processo de produção, reduz a continuidade e instaura a instabilidade. As emoções são usadas para criar necessidades e estimular a compra.
- Gamificação
De forma que se gere mais produtividade o capitalismo da emoção usa o jogo, no trabalho e na vida fora dele, sendo uma prática de motivação. Essa é uma forma de incluir emoções à um trabalho que era meramente racional.
- Big Data
Nessa parte Han se pergunta se os Big Data podem, além de monitorar o comportamento humano, sujeita-los a um controle psicopolítico.
Para responder essa questão, Han separa o iluminismo em 3 partes. O primeiro é caracterizado pela razão. Nesta etapa suprimiu-se a imaginação, a corporalidade e o desejo. Essa supressão transformou ele em barbárie. O segundo iluminismo busca a transparência, tudo se torna dados e informação, há um fetichismo, ou totalitarismo, de dados. O terceiro iluminismo está surgindo, ou prestes a surgir, ele deve mostrar que esse iluminismo digital provoca servidão.
Para Han o dataísmo é uma forma de niilismo, é ideologia que se opõe a ideologias e é uma renúncia ao sentido. Ele usa a ideia do quantified self, o Eu Quantificado, que é uma forma de auto rastreamento, autoconhecimento através dos números. Todavia, os números não contam uma narrativa, mas o Eu se deve a uma narrativa para encontrar a si e se autoconhecer. O dataísmo esvazia o auto monitoramento de qualquer ética e verdade, o transformando em simples autocontrole. Então o sujeito se auto explora e se autovigia.
Devido ao fato de que nossos hábitos digitais são milimétricamente guardados eles podem representar de forma até mais exata nossa imagem da que temos de nós.
Seguindo essa ideia, Han eleva a tese de que, talvez, os Big Data tornam legíveis desejos que não nos eram conscientes. Há, provavelmente, uma proximidade psíquica do Id freudiano que escapa ao Ego consciente. O Ego se forma a partir do Id que é explorado.
Assim ele defende que os Big Data podem promover também padrões coletivos de comportamento que nos são inconscientes.
- Para Além do Sujeito
Nietzsche defende que a “naturalização” do homem depende de sua “ disposição para o absolutamente repentino e entrecruzado”. Esse acontecimento que entrecruza o que é válido até a ordem existente é imprevisível e repentino, não se pode calcular ou prever. Ele rompe o sujeito e o arranca da sua sujeição, permitindo a liberdade.
Acontecimento é a inversão de uma relação de forças, surge uma constelação do ser diferente, ele é uma subversão da dominação.
Vivência e experiência se distinguem a experiência serve para destruir com o sujeito. Sujeito é estar submetido. A experiência acaba com isso. Ela é a saída da psicopolítica neoliberal da vivência, ou da emoção.
A arte de viver como prática da liberdade se realiza ao matar a psicologia e criar “outras individualidades, seres, relações, qualidades que não tenham nomes” (Foucault)
Referência bibliográfica:
Han, B. C. (2014a). Psicopolítica: neoliberalismo y nuevas
técnicas de poder. Barcelona: Herder

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