quinta-feira, 5 de julho de 2018

CIÊNCIAS Ubiratan D’Ambrósio


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


GUETO DO PENSAMENTO INQUIETO
CIÊNCIAS
Ubiratan D’Ambrósio – Matemático, Cientista, Signatário das Declarações de Veneza, de Vancouver e de Belém
O Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de Brasília, 1993. (pp. 39 a 52).
QUESTÕES PARA RELFEXÃO
Nenhuma língua se impôs ao mundo inteiro. Nenhuma religião. A única coisa que se impôs ao mundo inteiro foi o pensamento científico. Mas, podemos desconfiar que alguma coisa falhou nessa Ciência, na hora de conduzir o mundo ao que ele é hoje. Podemos ver através de seu filhote, a Tecnologia, os absurdos criados por ela mesma. Através da mesma televisão colorida vemos os famintos esqueléticos da Somália e maravilhosos campos de trigo, cultivados com auxílio da ciência e da tecnologia. Para que serve a Ciência? Ela tem algo a ver com as questões da religião, filosofia, ética? Podemos formar um cientista sem cuidar de sua formação ética? (“onde você já leu um livro de ciências que comece com alguma discussão ética?”). Estes são alguns pontos da instigante reflexão conduzida pelo professor Ubiratan D’Ambrósio durante o primeiro Fórum do Pensamento Inquieto.
            A Declaração de Veneza é o produto de uma iniciativa da Unesco apoiada pela Fundacion de Tiner, da Itália. Iniciativa da Unesco foi criar um Fórum de Ciência e Cultura, onde o objetivo principal era o reencontro. E a primeira reunião foi em Veneza, denominada Ciências do Espírito Científico e de Tradições, que é o espírito que muitos classificam como não científico.
            Esse reencontro entre as ciências e as tradições, e gosto de falar reencontro e não encontro, na verdade é o resultado de uma olhada para a história. E a reunião de Veneza foi a primeira de uma série, das quais resultou a Declaração de Veneza.
            É muito interessante porque Veneza, na verdade, é um lugar que simboliza aquele nascimento do espírito científico. Quando a gente pensa em Galileu, por exemplo, Veneza representa aquela época.
            A primeira reunião foi em Veneza, a segunda reunião, o Fórum de Ciências e Cultura, foi em Vancouver, três anos depois. Vancouver representa, também, o moderno, a civilização que resulta do espírito tecnológico, uma cidade altamente moderna, onde o local, o tradicional, foi quase que coberto pelos grandes edifícios, pelas grandes estradas, o que representa a modernidade suprimindo as tradições. Embora haja um grande esforço, desde cedo, do governo canadense de se reaproximar das civilizações e culturas indígenas, na verdade, isso é feito depois de liquidar essas culturas indígenas, de liquidar esse ambiente. É um moderno que se impôs ao tradicional. Na terceira reunião, procuramos algo onde o moderno e o tradicional coexistissem, com alguma precariedade, mas coexistissem. Precariedade de ambos os lados, com o tradicional sofrendo e o moderno também.
            E escolhemos como sede da terceira reunião dessa série, Belém. Em abril deste ano tivemos o III encontro da série Fórum de Ciência e Cultura, realizado em Belém. E assim, temos mais duas declarações que são: Declaração de Vancouver e Declaração de Belém, que junto com a Declaração de Veneza formam um todo, procurando refletir sobre a ruptura entre ciências e tradições que se dá, sobretudo, a partir do aparecimento da ciência moderna nos séculos XVII, XVII e XIX, e a necessidade urgente de se restabelecer esse diálogo entre ciências e tradições para a construção de um outro espírito científico, de uma outra ciência. De uma ciência que leve em conta aquilo que aprendemos, aqueles erros que podemos identificar na ciência, que chamamos de moderna, e que se iniciou nos séculos XVII e XVIII.
            Essas três declarações constituem o todo de um documento de grande importância, que logo será publicado aqui, incluindo o conjunto das três declarações, acrescido de uma outra declaração que está mais ou menos no mesmo espírito, e que vem de um outro grupo. É uma declaração conhecida como Declaração de Dagoms, que é uma cidade na antiga União Soviética, na Geórgia. Esta declaração foi escrita em 1998 como resultado de uma reunião do chamado Movimento Pugwash. As conferências Pugwash são fruto de uma organização de cientistas de todo o mundo, criada em 1955 por Albert Einstein e Bertrand Russel, após o lançamento do manifesto, onde eles alertavam o mundo para o perigo da corrida armamentista nuclear, toda a insanidade por trás da guerra fria, a produção de armamentos que, se usados, poderiam representar a destruição de todo o mundo. E, se não usados, como felizmente não o foram e possivelmente não o serão, também carregam uma dose de insanidade, porque a sua produção tem como objetivo o medo, atemorizar o inimigo.
            A tal da política da Détente o que é? É uma política que diz: “Você se comporte, porque eu sou mais forte que você. Portanto, faça aquilo que quero que você faça; comporte-se de maneira adequada, porque de outra maneira o destruo”. Ora, isto carrega uma imoralidade indiscutível. E essa imoralidade está implícita na guerra fria, na produção de armamentos, na formação e na manutenção de forças armadas em todo o mundo. Essa imoralidade é algo que nos deixa inquietos.
            O Fórum do Pensamento Inquieto constitui-se espaço adequado para esse tipo de discussão, porque ser inquieto é algo que vem sendo a marca do homem em toda a história da humanidade. Uma inquietação que pode resultar num alto grau de criatividade. Uma inquietação em que queremos fazer mais e melhor, e para o bem. E uma inquietação que pode ser exatamente o oposto. Uma inquietação de incerteza, de angústia, que resulta do medo, que faz com que a nossa reflexão sobre o futuro seja muitas vezes pessimista.
            Falar sobre o Pensamento Inquieto é, na verdade, falar sobre a história da ciência. O que é ciência? De onde vem isso? Bom, a nossa espécie tem uma história muito longa. Quando ela apareceu neste planeta, dentre as demais espécies, seja criada ou evoluída, não há muita discordância em que a espécie apareceu na ordem de três ou quatro milhões [de anos] por todo o planeta. A teoria mais recente, do Metocôndrio, diz que essa primeira grande migração por todo o planeta não deu certo. Quer dizer, a migração da qual somos descendentes e que levou nossa espécie a todo o planeta é uma migração que se deu muito mais recentemente, questão de duzentos ou trezentos mil anos, e vem, também, dos altiplanos da África, do coração da África onde situa-se, hoje, o Quênia ou das proximidades.
            Seja a primeira migração ou a segunda, o fato é que o homem se espalha por todo o planeta, e ao se espalhar vai, nesse processo, construindo conhecimento. É uma espécie que constrói conhecimento a partir do que sente da realidade, a partir do impacto que a realidade produz no ser humano. Esse conhecimento é gerado por informações que a realidade lhe dá, e obviamente esse conhecimento vai atendendo a duas grandes forças. Uma delas é o nosso componente animal, é a força da sobrevivência. O homem, enquanto caçador e coletor, vai procurando nos lugares onde ele possa encontrar elementos para a sua sobrevivência. E ao mesmo tempo, uma característica muito peculiar à nossa espécie é a busca de explicações, de entendimento, de compreensão.
            Uma busca de explicações, de procurar entender o que é, de saber o que é, procurar fazer de uma maneira planejada, seguindo estratégias. É muito interessante que essa palavra, essa noção, seja usada no grego com o nome de matema. Quer dizer, as duas grandes forças, a sobrevivência e a busca de explicações, de entendimentos, são os grandes motores da produção do conhecimento. E o homem sai lá do coração da África e vai se espalhando, produzindo conhecimento. Conhecimento com um nível de sofisticação cada vez maior. Ele vai descobrindo o fogo, vai aprendendo a manejar o fogo, a fazer o fogo.
            Ele vai aprendendo a se comunicar, a escolher melhor os alimentos, vai aprendendo, quando escolhe alguma coisa interessante, a conservar, a armazenar esses alimentos. E continua o seu projeto de caçador procurando diminuir o risco na caça; inventa o disparo. Começa a ter contato com as outras espécies, através do disparo de flechas, e com isso ele vai adquirindo um poder diferente das outras espécies que a simples sobrevivência não daria.
            Vai construindo conhecimento, que lhe permite selecionar o que é bom para comer e o que não é bom, lhe permite abrigar-se, utilizar peles de outros animais para se cobrir, para se proteger do clima, e assim a espécie vai evoluindo na construção do conhecimento,e obviamente essa construção do conhecimento vai implicando um maior desenvolvimento da capacidade cognitiva.
            Os sentidos se aprimoram. O sentido, por exemplo, do tato; a capacidade de notar pequenas variações de temperatura, possivelmente, não era desenvolvida nos primeiros homens. Hoje, temos um tato bem desenvolvido, a visão é mais aguçada, a audição também. Outros sentidos talvez estejam em desenvolvimento. Sentidos que agora dificilmente reconhecemos, é possível que estejam em desenvolvimento, como aconteceu com o tato ou com a visão, cem mil anos atrás. Nesse processo o homem vai se fixando em vários locais, e parece que sua chegada mais recente foi na América, e agora estamos descobrindo evidências de ocupação das Américas, cinquenta, sessenta mil anos atrás.
            A ocupação se dá e nela encontramos o homem, neste processo, sempre procurando explicar e entender o seu entorno, manejá-lo bem. Ele vai desenvolvendo conhecimento,e o conhecimento vai se acumulando, sendo passado de geração para geração, através de várias formas de comunicação. Com esse acúmulo de conhecimento se dá a organização de indivíduos em grupos sociais; surge o problema da cidade, o problema dos grupos, das tribos e depois de grupos maiores, o que representa acúmulo de modos de explicar, de modos de se comportar, de fazer as coisas, que é o fenômeno da cultura. E a cultura vai se fixando. Claro, nessa inquietação do homem, de procurar explicar, entender, manejar bem o seu ambiente, duas coisas são notadas e evidentes: nascimento e morte. São duas fontes de inquietação muito grande.
            Como o indivíduo nasce? De onde ele vem? Como apareceu esta nova criatura? Essa nova criatura, estranhamente, nasce parecida com a gente, e cresce, fica maior, fica mais pesada, mais ágil, participa do nosso meio sempre parecida com a gente, do mesmo jeito. Que coisa mais interessante! Enquanto você vê plantas e animais que mudam. Você olha para um sapinho, ele nasce de um jeito, de repente fica de outro. Você vê plantas que nascem de um jeito, depois ficam de outro. Você vê árvores que produzem plantas, depois flor e depois frutos. Nós nascemos do mesmo jeito e ficamos iguais durante toda a vida. Quer dizer, alguma coisa a mais do que o simples aparecimento de um indivíduo, de uma unidade. De onde vem isso?
            E de repente morre, e pouco depois desapareceu. Sumiu. É reduzido a esqueleto, a pó. Então, para onde foi? São buscas de explicações, são inquietações naturais do ser humano e que vão pedindo cada vez mais explicações, entendimentos, e vai surgindo o conhecimento religioso, que obviamente não se afasta do conhecimento que lhe permite manejar o seu dia-a-dia de maneira adequada. E o conhecimento de distinguir ciência e religião é alguma coisa extremamente difícil, quase impossível.
            As dimensões da construção desse conhecimento científico e religioso, do conhecimento que hoje a gente chama de religioso, mas que, obviamente, não faz sentido em outras culturas, leva-nos a preocupações, a criações, a imaginações como algo que se “experimentou”, e como algo a que não se tem acesso direto.
            Justamente, essa ideia de ir para antes do nascimento e ir para depois da morte, leva-nos, naturalmente, ao desconhecido. E há uma série dês proposta em todas as culturas, de se penetrar nesse desconhecido através de várias maneiras. Drogas aparecem em todas as culturas; rituais, que num certo sentido têm o efeito da droga, por exemplo, o tipo de hipnose pelo ritual, pela música, e, naturalmente, fantasias, como adorno, construção de imagens, muitas delas puro fruto da imaginação. Tudo isso entra nessa busca de explicar aquilo a que não se tem acesso mais direto, e portanto a arte entra com o mesmo envolvimento em tudo isso.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.

ELA MERECE!



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