quinta-feira, 26 de julho de 2018

CIÊNCIAS 1 Ubiratan D’Ambrósio


Divulgando...
Boa tarde povo!
Dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a leitura.
Obs.: Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto postado.
Degustem!


CONTINUANDO...

            Tudo é a busca de uma coisa mais imediata que a sua sobrevivência, que todos os animais buscam, que é a sobrevivência de sua espécie e a transcendência ao seu período de existência. Nessa procura de ir para o antes e para o depois, o homem desenvolve a noção de tempo. Desenvolve história, passado e futuro. Nessa construção de conhecimento, que é absolutamente mesclado, que hoje a gente chama de ciência e religião, um ato de filosofia é a mesma coisa, é tudo uma busca pela sobrevivência e transcendência. Mas não separadas, porque a nossa própria busca pela sobrevivência, através da alimentação, está mesclada também por essa busca pela transcendência.
            Na busca de alimentação, por exemplo, o homem desenvolve uma alimentação ritual. O homem é capaz de fazer um ritual com a sua alimentação. Nenhuma outra espécie animal é capaz de fazer isso. Quer dizer, é uma alimentação que associa a sobrevivência com a transcendência. A nossa procriação, quer dizer, o ato que permite a continuação da espécie, nosso ato sexual, é um ato mesclado com algo que escapa à mera sobrevivência. É com emoção, com amor, e se insere nessa busca de algo que á mais do que o que palpável e imediato. E assim a Humanidade se desenvolve, cria conhecimento, motivada sempre por sobrevivência e transcendência.
            Na construção desse conhecimento há a dimensão de muitas naturezas. Claro, há uma dimensão sensorial, os primeiros impulsos, as primeiras informações que a gente recebe do ambiente. É óbvio que, no Pólo Norte, o esquimó desenvolve as suas explicações, as sua maneiras de sobreviver e transcender de maneira completamente diferente de uma pessoa na Amazônia. A informação que vem através do sensorial, do intuitivo, do emocional, do próprio racional, depende do lugar onde está localizado esse grupo, essa espécie. Então, na verdade, o que nós temos são gerações de conhecimentos. Conhecimentos que se dão de uma forma aqui e de outra forma ali.
            Hoje, temos o desenvolvimento de coisas como etnomatemática, como etnociência, coisas que vinham sendo sempre mencionadas. Bom, isso é absoluto, é igual para o mundo inteiro. Quer dizer, temos que nos desenvolver pensando no ambiente que dá a partida, que inicia esse processo de construção do conhecimento e que envolve um processo sensorial, intuitivo, emocional e racional, e, obviamente, está intimamente ligado à realidade que estamos vivendo.
            Mas, voltando ao percurso, a essa grande migração do homem para ocupar todo o planeta, muito disso é possível ser verificado através de restos. Quando o homem fica mais tempo em um lugar, obviamente os arqueólogos conseguem recuperar algumas das coisas deixadas. Hoje, fazemos análises muito boas dessas peças deixadas; através de ossos podemos, inclusive, com o exame do DNA, estudar os restos de milhares de anos. O que notamos é que esses registros chegam a nós de maneira muito espalhada, os restos estão espalhados pelo mundo inteiro. Às vezes encontramos uma certa concentração, em algumas regiões, que nos permite estudar mais essas chamadas ‘paradas’ ou construção de culturas, civilizações.
            E as grandes civilizações encontradas estão espalhadas pelo mundo, mas as conhecemos melhor, tivemos mais acesso, e elas foram mais estudadas porque existem mais elementos sobre algumas grandes civilizações que são chamadas de civilizações da antiguidade. E neste período começamos a falar em história. Porque os registros que temos são melhores, já existindo, em alguns casos, coisas escritas ou grafadas, ou pintadas ou algum tipo de registro que tem facilitado a análise, como os monumentos.
            Essas grandes civilizações da antiguidade, se colocarmos mais ou menos na ordem de dez mil anos antes do presente, começam a aparecer em torno do Mediterrâneo, na civilização do Egito, seguindo o rio Nilo, civilização da Babilônia, da Mesopotâmia, onde hoje se localiza o Iraque; a civilização da china e as civilizações dos Altiplanos americanos. É muito interessante, outras civilizações diferentes dessas que mencionei, são civilizações de altura; os Maias, os Incas, os Astecas, essas que parecem um pouco mais novas, são civilizações que começaram a se estabelecer há mais ou menos uns dez mil anos, e floresceram em torno de uns cinco mil anos, e temos aí um período chamado história. Nesse período, a história nos mostra o que conseguimos recuperar através dos monumentos, dos escritos, e são as maneiras, os modos como essas civilizações explicavam o seu ambiente, como manejavam o seu sistema social, tudo isso produto de conhecimento acumulado desde as primeiras migrações. Isto é, de milhares de anos.
            Esses conhecimentos, que reconhecemos hoje através dos achados arqueológicos, são maneiras distintas de explicações. Os chineses explicavam de um jeito, os hindus de outro, os egípcios e os babilônios de outro, e de uma maneira muito diferente, ainda, os maias, incas e astecas. Explicavam, manejavam e trabalhavam a sua realidade, construíam o seu sistema social, tinham a sua filosofia dentro de esquemas diferentes. Algum intercâmbio entre essas filosofias poderia existir. Estamos descobrindo, recuperando algumas evidências de contatos entre civilizações do Oriente e da América. Parece que havia contato na navegação, inclusive há possibilidade de ter se desenvolvido algum tipo de comércio. Parece que havia contatos, também, há alguns milhares de anos, entre as civilizações do velho mundo e do novo.
            Sem dívida, entre as civilizações do Extremo Oriente e da Europa a dinâmica cultural não pode ser deixada de lado em todas essas considerações. Mas a dinâmica cultural que põe em contato dois sistemas distintos e com isso produz alguma coisa distinta, torna-os diferentes. Os dois sistemas não ficam iguais, necessariamente.
            Insisto no fato de que essas culturas, essas civilizações, desenvolvem suas maneiras de explicar, suas maneiras de conhecer, de maneira distinta. Ora, neste processo o que sempre notamos é que a maneira de construção deste conhecimento segue um trajeto que é mais ou menos o mesmo. É a realidade impactando o indivíduo através dos sentidos, emoção, intuição, ação ou o que for, impactando indivíduos que se comunicam – portanto povos – e esses povos gerando conhecimento para manejar, explicar, entender, para se desenvolver nessa realidade. Ao fazer isso, esse conhecimento é de alguma maneira estruturado e expropriado pela estrutura de poder, que depois devolve ao povo o conhecimento, devidamente elaborado e filtrado. Essa política da devolução do conhecimento é extremamente importante, e sobretudo afeta os dias de hoje.
            Bom, no curso dessa produção o que estamos notando, e a história nos dá muitos elementos para isso, é o aparecimento de um conhecimento em torno do Mediterrâneo, que tem as suas características diferentes daquilo que acontecia na China ou entre os Maias, que acaba sendo expropriado e manejado pela estrutura de poder dominante. É um conhecimento que os gregos, os babilônios, os egípcios, os romanos desenvolvem, e acaba ficando na mão daqueles que têm mais poder, acaba ficando na mão de mundo romano.
            E ao iniciar o que hoje chamamos de Era Cristã, os romanos absorveram todo o conhecimento grego, muito bem, (ao contrário do que muitos historiadores dizem, por que os romanos dominavam a língua grega e sabiam ler Aristóteles, Euclides, etc.). dominavam aquele conhecimento, e por sua vez absorveram muita coisa da Ásia, do Egito e da Babilônia. Os romanos empregaram daquele conhecimento o que lhes interessava na construção do seu império. E a construção do Império Romano é extremamente importante e interessante porque, na verdade, é a construção do mundo moderno. É ali que se estabelecem as bases deste mundo onde estamos vivendo, e se estabelecem os princípios básicos de legislação, de vida social e de vida urbana. Acho que a melhor fonte para sentirmos o que foi o Império Romano é um livro, que é rechaçado por razões fáceis de serem explicadas, chamado Os dez livros de arquitetura de Bitruvius. Ele nos dá um belo quadro da filosofia do Império Romano, o que se pretendia nele e qual o grau de conhecimento daquele império.
            O que notamos é que o Império Romano se desenvolve, tem o seu apogeu entre os anos 50 e 60 desta era, quando os judeus são dispersados e espalham um outro tipo de conhecimento que tem de ser preservado e mantido e que se instala nos principais centros do Império Romano. Isso também tem sido pouco estudado pelos historiadores da ciência, e esse conhecimento é extremamente importante na construção do mundo moderno. Instala-se no mundo romano e se mantém, enquanto este começa a desenvolver outro conhecimento cuja grande finalidade é a construção de uma nova religião, que é a religião adotada pelo Império Romano. Uma religião que foi adotada quando Constantino fez as pazes com a Igreja, e o imperador Teodósio reconheceu a Igreja como uma instituição ligada ao Império Romano, oficializando o cristianismo. O cristianismo não existia.
            O que é o cristianismo? É uma série de escritos que estão soltos, quatrocentos, quinhentos, seiscentos escritos falando de um homem que, historicamente, naquela época, não tinha tido importância. Um homem que ninguém havia conhecido, que não representava nenhuma estrutura de poder. E o cristianismo entra nesse processo maravilhoso de construir uma teologia, construir uma coisa nova, e sua grande primeira figura é Santo Agostinho. E entrada de Santo Agostinho na história é decisiva, porque ele começa a impor credibilidade. Imagine uma religião que é adotada por um império, que era o império dominante! Como é que se podia dizer: “Bom, esses são os fundamentos filosóficos da religião”, utilizando alguns evangelhos, alguns deles de uma pobreza literária e filosófica enorme, e confrontar isso com outros sistemas filosóficos, como por exemplo o dos gregos, que o Império Romano dominava. Alexandria era uma cidade do Império Romano. Atenas era uma cidade do Império Romano. Os filósofos romanos, naturalmente, frequentavam Alexandria e Atenas. Dizer que romano não entende de grego é uma besteira total.
            Mas, claro, na hora em que o império oficializa uma religião, ela tem que ter fundamentos filosóficos. E esses fundamentos não podiam sair dos judeus que existiam lá pela Europa, porque eles estavam procurando preservar o seu judaísmo. E seria uma contradição, o romano liquidar o reino de Israel, espalhar os judeus e de repente adotar sua religião. Não podia! Tinha que ser uma religião nova que, de alguma maneira, tivesse um certo atrativo para aqueles que estavam dando trabalho aos romanos, e que passaram a dar menos trabalho porque se cristianizaram, se incorporaram ao império. Uma religião atrativa para eles, que é a religião cristã, misturando elementos de paganismo e ao mesmo tempo com uma base filosófica sólida. E daí entra Agostinho na história, e culmina essa construção da base filosófica com São Tomás de Aquino.
            Ora, em todo esse processo, tudo o que se faz, a construção do conhecimento científico, do conhecimento religioso, conhecimento artístico, quer dizer, as catedrais, o gótico, Gioto... O que são? Estão todos em torno desse grande projeto nacional, que é o projeto de construção do Império Romano, agora cristão. Aonde conhecimento se mescla com ciência, religião, arte, com tudo. E essa construção é a base do pensamento moderno e o que fundamenta suas bases sai dos mosteiros. Lord Backer veio de um mosteiro, Okar era monge, todos eram monges e são os precursores, são aqueles que trabalharam na Idade Média na construção desse conhecimento que hoje a gente chama de moderno.
            Um outro grupo vinha da prosperidade, eram os comerciantes. Finobate, que era o filho de Bonate, um grande mercador que introduziu todo sistema de numeração na Europa, mudou totalmente o tipo de explicações que se dava, através de uma coisa chamada ciência. Os árabes, com toda a ciência dos gregos, não utilizaram a numeração arábica da maneira como os europeus utilizaram. E daí, provavelmente, porque a grande revolução científica de Newton não ocorre entre os árabes, que tinham os mesmos elementos para fazer essa revolução.
            Mas o grande desenvolvimento do Mercantilismo na Europa iniciou-se com as cruzadas. E o que foram as cruzadas? Abrem novas rotas, quer dizer, mais comércio, vão buscar mais coisas, lá na Índia. Abrem as navegações. O que significa a navegação? Quer dizer mais comércio. Por que os portugueses estão interessadíssimos em dar a volta ao mundo e chegar à Índia? Porque era uma rota melhor. Por que entrar pela rota europeia e competir com os países maiores? Descobrir uma rota própria, aí sim, fazia-se um bom negócio.
            E os portugueses desenvolveram toda a navegação. Por que os espanhóis foram navegadores? Também queriam superar a Itália e vão por sua própria rota. O mundo é redondo, todo mundo sabia. E daí se desenvolve a grande força do comércio, com aquele suporte da construção do cristianismo que foi dominante no Império Romano. E surgem elementos importantíssimos vindos dos escandinavos, dos germanos, um pensamento científico nos séculos XV, XVI.
            Os historiadores da ciência têm produzido uma grande distorção nos séculos XVII e XIX, para atribuir esse pensamento científico ao pensamento grego, como se fosse um passo além, um produto do pensamento grego. Não é nada disso, é um pensamento inteiramente novo, produto da construção de um sistema religioso e de um sistema comercial que se associam, a partir do século XVII, com Newton, numa empresa enorme que é a empresa colonial. Até aí não se pensava em descoberta de novos povos que pudessem ser trabalhados, ou novas terras que pudessem entrar no sistema de produção, da maneira como entraram as colônias.
CONTINUA NA PRÓXIMA QUARTA...
Obs.: Os negritos itálicos são os destaques do texto original; os [  ], os negritos e os negritos vermelhos são destaques nossos.




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