quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Seria isso mesmo?

Divulgando...


AS ESCOLAS BRASILEIRAS E SUA MANIA DE ENSINAR

por Pedro Demo

Professor gosta de “ensinar”. Confunde com aprender, porque acha que aprender deriva de ensinar. Daí o acento tão obcecado em aula, que os grevistas aproveitam para badalar: greve significa suspensão de aula. O “resto” pode funcionar, menos aula, pois acha-se que sem aula a escola não existe. Escola é lugar de aula, é um conjunto arquitetônico de salas de aula e o professor tem como função central “dar aula”. Ainda não acordamos para um tipo totalmente diferente de escola – um lugar para estudar, ler, pesquisar, elaborar, exercitar autoria, argumentar, apresentar ensaios etc. Chamamos de “estudante” alguém que pode fazer muita coisa na escola, menos “estudar” – sua função básica é escutar aula, tomar nota e fazer prova. Depois desse besteirol, vem um diploma (vazio). Este é o “sistema de ensino” vigente, que os dados do IDEB castigam veementemente – está em queda livre, também na escola privada (em especial no ensino médio e nos anos finais) – mas o MEC salvaguarda como o tesouro educacional do país.

Professor como “ensinador” esvaiu-se, a ponto de haver já faculdade “sem professor”, concebida por bilionário francês, primeiro em Paris, agora também no Vale do Silício, somente para a área de programação digital e similares, e, ainda, gratuita. É uma área tradicionalmente autodidata – lembremos que computador começou com partes soltas agregadas por interessados que sabiam programar digitalmente. Um experimento sui generis nesta área também chamou a atenção: Computer Clubhouse (Kafai et alii, 2009. Demo, 2012) – após a aula, estudantes pobres se reúnem numa sala grande com mais ou menos 25 computadores de bom porte, para exercitar autorias digitais (animação, robótica, editoração, coding, videogames etc.), onde não pode haver aula, nem professor, nem aula, prova e repasse. Ao centro do recinto há uma mesa e tem um “mentor”, para organizar a “bagunça” (regras de jogo). Visto como experimento muito exitoso, mostra que aprender é atividade de quem aprende – não está na aula do professor. Este é “mediador”, como sempre se afirmou em educação. Os adolescentes aprendem juntos, dos mais experimentados, montando sua autoria passo a passo. Aula nunca fez qualquer falta.

Mesmo assim, não comungo com a ideia de acabar com professor. Ao contrário. É figura fundamental, mas como “aprendiz”, parceiro, orientador, avaliador, ou seja, “mediação”. Ocorre algo similar com pais e progenitores: são mediadores, mas fundamentais. A neurociência – inteira – sustenta esta ideia. Mas a escola acha que pode “ensinar”, só ensinar, como se fosse um “cursinho”, daqueles privados oferecidos a milhares de estudantes para concurso ou vestibular, onde só há aula… O IDEB tem mostrado a inépcia desta proposta, em especial no Ensino Médio da escola privada: além não atingir a meta de 2015, regride desde 2013. Mas o império do ensino não se abala, porque continua sendo a Meca do vestibular e do concurso. Professor tem como compromisso pedagógico cuidar da autoria dos estudantes, todo dia, avaliando-o por aquilo que produz. A escola vale, concretamente, pela produção estudantil, não pela aula docente. A razão é clarividente: aprendizagem acontece na mente do estudante que estuda, não na aula do professor. Esta é perfeitamente descartável, embora ele, não.

A mania do ensino avassala a escola. Enquanto os dados indicam que é um desastre sonoro e provocativo tocamos esta charanga impavidamente, como a orquestra do Titanic – o barco está afundando, mas para desviar a atenção tocamos com tanto maior furor! Professor é referência importantíssima na escola, mas não no papel de “ensinador” – este se esgotou. O que não falta na escola é, precisamente, ensino. O estudante aprende quando, por motivação intrínseca, se dedica a estudar e a outras atividades autorais, porque aprendizagem só sucede quando autoria emerge. Assim, papel docente é provocar esta autoria no estudante. Não pode ler, estudar, pesquisar por ele. Uma vez, o MEC resolveu passar o ensino fundamental de oito para nove anos. Qual o resultado? Os anos finais estão em bancarrota, ou seja, a proposta não foi só inepta, foi contraproducente. Só atrapalhou os estudantes, porque não faz sentido aumentar aula. A maneira mais eficaz de reduzir aprendizagem é aumentar aula.

Mas não há qualquer sinal oficial de mudança, porque o sistema está montado na aula. Mantém-se porque é o palco preferido docente, contando com público cativo (nem tanto hoje em dia), sistemática diária, afagos no ego, pretenso status social etc. A cada momento o MEC pretende “reformar” alguma coisa neste sistema caduco de ensino, como foi a “reforma do ensino médio” recente, indicando que o problema seria curricular. É, em parte, mas nem de longe o problema maior. Este é que praticamente ninguém aprende, exigindo mudanças “pedagógicas” radicais que passam, entre outras, coisas pela reinvenção do professor; de “auleiro” precisa passar a “mediador” de atividades autopoiéticas dos estudantes, como sugere a neurociência. Não há qualquer perspectiva de que tais “reformas” reformem alguma coisa importante, mesmo implicando investimentos. A proposta não acarreta qualquer avanço pedagógico – teremos o mesmo IDEB, muito provavelmente piorado. Bastaria ver o último PISA (2016). A escola baseada em aula é uma fraude oficial.

Podemos sugerir que o problema tem a ver com o professor, ainda que não em correlação linear (que não existe, a bem da verdade). Quando o professor não aprende – apenas teve aula na faculdade – faz na escola o que fizeram com ele na faculdade – só dá aula, parecendo-lhe o pináculo de sua função escolar. Vai se consolidando a prática desastrosa: quem não aprende, dá aula. O licenciado em matemática não pode ser diretamente responsabilizado pela calamidade pública que é matemática na escola, mas tem a ver com o problema indiretamente. A pergunta se instala imediatamente: por que não se aprende matemática? Em parte é porque o professor, não tendo aprendido matemática, não sabendo o que é aprender matemática, mas “treinado” alegremente em dar aula de matemática, massacra matemática. Este resultado é ainda mais flagrante quando se comparam resultados com os anos iniciais, onde trabalha o pedagogo – sua matemática funciona bem melhor (está, em geral, em ascensão). Tem-se, então, a impressão de que a licenciatura atrapalha visivelmente o professor de matemática. Aula não falta. Só tem. Não existe aprendizagem. Assim, diria que os dados sugerem dois desastres conjugados: matemática e aprendizagem estão em extinção.

Ao final, porém, se professor é problema, é principalmente a melhor solução. Precisamos cuidar dele, religiosamente, também porque é o mediador maior de qualquer inovação escolar. O desafio é fazer dele um pesquisador, cientista, autor, oferecendo chances de exercitar autoria com devida educação científica. Esta colocação já descortina vazios clamorosos de sua formação original: nunca foi levado a produzir ciência, a estudar métodos e técnicas, bem como metodologia científica, a ser avaliado por ensaios (não por provas), não sabe pesquisar, apenas reproduzir. Foi vítima de um “anticurso”, cuja função mais ostensiva pareceu ser atrapalhar sua aprendizagem. Chega à escola literalmente “pelado”, sem eira nem beira, totalmente despreparado para a função, também porque o curso nunca lhe deu chance de “estágio” verdadeiro. É amador. Todo amador vive de aula. Cumpre agora fazer dele um profissional, não do ensino, mas da aprendizagem. Não é enigma. Todo professor, mesmo muito destituído, é do ramo. Sabe, de alguma forma, o que é conhecimento autorrenovador, aprendizagem autoral, pesquisa e educação científica. Não teve oportunidade. Precisamos garantir isso a ele, para que possa engendrar um estudante pesquisador, cientista, autor.
09/12/17, 14:29 - JKim: Interessante
09/12/17, 14:30 - EVANDIR: Pedagogia de Projetos... seria uma saída
09/12/17, 14:33 - JKim: Uma possibilidade mas a maioria de nós odeia projetos

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