Quando eu estava lendo esta(s) reportagem(ens) me veio à cabeça senas do
clip oficial do Rappa: A Minha Alma... e, de repente pensei:
Voltando e ao assunto e com insistência: Porque até agora praticamente
ninguém ventilou a possibilidade do exército e o general da reserva Walter
Braga Netto estarem, também, envolvidos na morte de Mariele?
Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio, era relatora de comissão
que fiscaliza a intervenção; “estamos sempre sob ameaça da perda de bens, pra
não falar da própria vida”
14/03/2018 - 23h42
O texto sobre a vereadora e o Caveirão nas ruas de
Acari, fotografado por um morador
“Todos os indícios são de crime político. Marielle
foi alvejada e nada foi roubado, ao que tudo indica. Ela vinha denunciando a
violência policial na comunidade do Acari. Exigimos apuração imediata!” Juliano
Medeiros, presidente nacional do Psol, no twitter.
Da Redação
A vereadora Marielle Franco, do Psol, foi morta
esta noite no Estácio, centro do Rio de Janeiro.
Dois homens atiraram contra o carro em que ela
estava e fugiram. O motorista da vereadora, Anderson Pedro Gomes, também
morreu, mas uma assessora sobreviveu com ferimentos.
Marielle era relatora de uma comissão formada
pela Câmara Municipal do Rio para acompanhar a intervenção federal.
A Comissão de Representação de Acompanhamento da
Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio é formada por 18 vereadores.
“Nós temos lado e somos contra essa intervenção. Já
nos posicionamos sobre isso. Sabemos que ela é uma farsa, com objetivos
eleitoreiros”, diz o texto que anunciou a relatoria para a qual ela havia sido
indicada na página da vereadora no Facebook.
Nascida na Maré, Marielle foi eleita com 46.502
votos.
Era formada em Sociologia (PUC-Rio) com mestrado em
Administração Pública na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Sua tese teve como tema “UPP: a redução da favela a
três letras”.
A carreira da vereadora sempre foi marcada pela
defesa dos direitos humanos.
Nos últimos dias, Marielle vinha denunciando a ação
da Polícia Militar em Acari, na zona Norte do Rio.
No sábado, 9 de março, escreveu:
Sábado de terror em Acari! O 41° batalhão é
conhecido como Batalhão da Morte. É assim que sempre operou a polícia militar
do Río de Janeiro e agora opera ainda mais forte com a intervenção. CHEGA de
esculachar a população. CHEGA de matar nossos jovens.
No dia seguinte, acrescentou:
Precisamos gritar para que todos saibam o está
acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de
Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois
jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas
ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda
pior.
Nas redes sociais, ela compartilhou postagens do Coletivo Fala Akari.
O coletivo, por sua vez, havia indicado um texto da
Revista Vírus narrando os acontecimentos recentes no bairro:
Por Buba Aguiar
No último dia 07 de março ocorreu um episódio
trágico numa praça de Laranjeiras, Zona Sul do RJ.
Pessoas em um carro passaram atirando para executar
um homem, que revidou.
O ocorrido resultou em duas pessoas mortas e uma
baleada.
No dia seguinte (08/03), todos os veículos de
comunicação da chamada grande mídia (Globo, SBT, Record e Band) passaram muitas
horas na praça fazendo matéria sobre o que aconteceu.
Uma amiga chegou no trabalho dizendo que os
jornalistas estavam fazendo filmagem do sangue que ainda estava no chão, isso
já de tarde (e o negócio aconteceu tarde da noite do dia anterior).
E eu perguntei:
– “Ué, o sangue ainda tá lá?!”
E ela, ironicamente, respondeu:
– “Miga, esse povo aqui da ZS não sabe o que é
pegar balde pra lavar sangue de morto na porta deles não, quem faz isso direto
é a gente.”
Em Acari tivemos duas execuções extrajudiciais
cometidas por policiais do 41ºBPM na segunda-feira da mesma semana (05/03) e
por conta de inúmeras burocracias os corpos só puderam ser velados e enterrados
na quarta, dois dias depois.
Mesmo com a repercussão que o ocorrido em Acari
tomou, nada foi falado nessa mídia corporativa.
Ainda assim por conta do nosso grito pensamos que
até o final dessa semana o 41ºBPM não faria nenhuma operação em Acari.
Estávamos enganados.
Operação oficial não teve mesmo.
Mas na quinta-feira mesmo eles entraram com o
blindado, que chamamos de caveirão, pela localidade do Amarelinho dando
tiros, no horário de crianças saírem das escolas, causando correria, medo,
pânico e tudo o que a gente já sabe que acontece quando esses policiais entram.
Menos de uma hora depois foram embora como se nunca
tivessem entrado lá.
No dia seguinte a mesma coisa, eles quebraram uma
cancela que tem na localidade da Beira Rio passando por cima da cancela dando
tiros.
Caveirão entrou de novo pelo Amarelinho também causando
terror. E menos de uma hora depois foram embora.
Sabem o que é isso? Política do medo, do terror, da
tentativa de nos calar.
Nenhuma das duas ações foram operações oficiais,
nem mesmo a de segunda-feira foi oficial.
Diante das nossas denúncias eles devem estar
“acuados” em fazer operação pois estamos em alerta, porém fazem essas ações de
entrar com o caveirão, dar tiro e sair, em retaliação às nossas
denúncias.
E na mídia? Ninguém fala um ai.
Há quase 2 anos atrás quando ocorreu a última
chacina em Acari, ocorreu também a morte de um homem em Manguinhos, estive lá
com alguns amigos.
Os moradores de Manguinhos disseram ter entrado em
contato com essa mídia nojenta e eles mentiam dizendo que iriam para o local e
não apareceram.
Depois disso eu e alguns companheiros fomos para
Acari, havia muito trabalho a ser feito lá.
Chegando em Acari soubemos que alguns jornalistas
da Globo e de uma outra emissora grande, SBT se não me falha a memória, foram
em Acari e gravaram uma matéria superficial na frente do hospital, não chegaram
nem a entrar na favela, não procuraram as famílias, nem nada.
Depois fomos para o IML encontrar os familiares dos
jovens que foram executados.
No caminho tivemos que ouvir de um editor de um
jornal do grupo Globo que ninguém tinha ido para Manguinhos porque TODO MUNDO
TINHA IDO PRA ONDE TINHA MAIS MORTOS.
No artigo 5º da constituição federal diz: Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
No artigo 1º da Declaração de Direitos Humanos diz:
Artigo 1, Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos.
Porém quando o sangue de pessoas de uma raça e
classe x recebe mais atenção do que o sangue das pessoas de raça e classe y.
E quando a violência do estado (leia-se violência
policial mesmo) numa favela só recebe atenção quando amontoamos corpos numa
espécie de holocausto carioca, é necessário e cada vez mais urgente parar para
analisar e decidir: de que lado você samba, você samba de que lado?
Eu já escolhi o meu.
Intervenção federal no Rio: “leilão do Estado e
falta de investimento nos profissionais da segurança”
24/02/2018
Reprodução parcial
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como analisa
a intervenção do governo federal na segurança pública do Rio de Janeiro?
Marielle Franco: Com receio e preocupação. Já
senti na prática o que é dormir e acordar com barulho de tanque, revistas e
diversas violações de direitos, o que nos faz, favelados e faveladas, ter muita
apreensão. Não só pela perspectiva do debate político e teórico. Na Maré, que é
minha casa, meu lugar de vida, foram 14 meses de ocupação da Força Nacional na
época das Olimpíadas. Despreparo, violação e violência foram a rotina.
Além disso, tem a questão da descontinuidade da
política, um ponto importante. Foram 14 meses, com avanço pra cima do varejo do
tráfico armado e recuo da parte deles, mas a posteriori não houve nenhum tipo
de continuidade. O foco no varejo não resolve.
A população da Maré mais uma vez se vê sob o jugo
de muitos fuzis, seja das Forças Armadas, da PM ou do crime. É um elemento que
vulnerabiliza quem mora lá. E a política pública de segurança, ao invés de
pensar numa perspectiva inclusiva, cidadã, com alternativas ao varejo da droga,
infelizmente chega com a mão forte do general. Por isso vejo tudo com muito
receio.
Correio da Cidadania: O que você viu com os
próprios olhos nestes primeiros dias de intervenção?
Marielle Franco: Sei que a pergunta não visa o
aspecto técnico por si só, mas 2018 é um ano eleitoral. Se considerarmos as
ocupações do Complexo do Alemão ou da Maré, vemos que foram em anos eleitorais.
O primeiro sentimento que podemos tirar das ruas é
o reflexo pelo estado do Rio, em todos os aspectos que precisamos dar conta:
servidores sem salários, um sistema de transporte que não funciona, uma cidade
e região metropolitana que não têm condições de dar garantias de direitos
sociais a seus moradores…
Tivemos recentemente duas ou três chuvas com
alagamentos pela cidade. Enfim, existe uma preocupação em torno da grande
política a respeito de como lidar com todo esse contexto.
No entanto, objetivamente, já temos alguns
reflexos. É cedo para uma avaliação definitiva, mas precisamos pensar na
diferença entre o Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e este processo
de intervenção federal, num estado da dimensão do Rio, enquanto as operações
ocorrem.
Vivemos a operação na favela da Maré, mas também na
Cidade de Deus, por meio de forças militares que já atuavam quando começou a
vigorar o GLO, que entra na discussão do momento.
Agora, tais operações parecem ter mais apelo e
legitimidade perante a sociedade, mas não há uma mudança tão aparente em termos
de circulação na cidade. Não dá pra ver se as pessoas estão circulando mais ou
menos, se sentindo melhores, se há garantias de que os índices de letalidade
vão diminuir. Até porque não é a partir daí que a intervenção se dá.
De todo modo, o sentimento de insegurança é
generalizado e nas favelas é ainda maior. E o que estamos vendo, nas áreas
pobres da cidade, é o abuso, as ações totalmente inócuas no combate à violência
– aliás, são elas próprias violentas e inconstitucionais –, como revistar
mochila das crianças e fotografar cidadãos.
Além de não coibir a criminalidade, criminaliza a
pobreza. Armas e drogas não brotam nas favelas. Os que as financiam, e lucram
com o mercado da criminalidade, estão bem longe dali.
Correio da Cidadania: O que pensa das discussões técnico-políticas
que tomam conta dos noticiários principais? Para quem vive nos locais ocupados
pelo exército tem muita diferença em relação a outras incursões militares, como
as já mencionadas, isto é, não chega a ser altamente insensível uma apreciação
meramente técnica dos acontecimentos?
Marielle Franco: Acho que sim. Discute-se com
poucos elementos. Mas trabalho com dois paralelos. A insensibilidade e o
desrespeito com o favelado e também os próprios policiais. O Braga Neto
(nomeado chefe da intervenção federal) estava de férias. O mesmo grupo governa o
Rio desde 2007, o ex-secretário Roberto Sá (exonerado nesta segunda, 19 de
fevereiro) seguia a linha do anterior, Mariano Beltrame, que tinha algum nível
de prestígio, se podemos dizer assim, pelo menos para quem via de fora. Temos
autoridades que ficam sabendo das coisas pela imprensa. A insensibilidade e
desrespeito se dirigem a todos os moradores da cidade.
Foi feita uma enquete com duas perguntas, a
primeira se a pessoa era contra ou a favor da intervenção, a segunda sobre se
acreditava nos seus resultados. De um dia pra outro a aprovação já tinha caído
de 80% pra 60%.
Há desrespeito e insensibilidade, sim, mas quem já
viveu o confronto sabe que alguns corpos da cidade são mais desrespeitados.
Portanto, o debate da sensibilidade não existe
porque esses corpos não são vistos como pessoas passíveis de respeitabilidade.
A abordagem aqui colocada é boa, pois também diz respeito ao próprio
oficialato, aos agentes da segurança pública que também deveriam ter direito a
outra política pública de segurança.
Correio da Cidadania: Que resultados você considera
mais prováveis para esta medida?
Marielle Franco: Eu prefiro ir pelo otimismo: que
consigamos manter o processo democrático de 2018 em curso e as forças de
segurança entendam que não há solução sem diálogo com profissionais da área,
praças, policiais civis, moradores de áreas ocupadas, sociedade civil
organizada.
Ao não se solucionar o problema e a intervenção se
consolidar como algo que não resolve, só o diálogo poderá resolver.
Intervenção militar é farsa. E não é conversa de
hashtag. É farsa mesmo.
Tem a ver com a imagem da cúpula da segurança
pública, com a salvação do PMDB, tem relação com a indústria do armamentismo…
Há uma série de fatores que me levam a essa
convicção. Uma ação midiática. Não à toa o Temer se reuniu com seu time de
marqueteiros para avaliar os impactos do anúncio da intervenção, saiu nos
jornais.
Nós da Maré, em toda sua extensão, desde o Caju, na
fundação Oswaldo Cruz, até o final, em Ramos, tínhamos dois batalhões, o 24º
BIP (Batalhão de Infantaria Blindada, do Exército), e o Batalhão de Polícia
Militar, separados por uma distância de uns 500 metros, além do CPOR (Centro de
Preparação de Oficiais da Reserva).
Um deles é bem perto da Avenida Brasil, com o qual
convivo desde que me entendo por gente. Já fui em formatura de amigos que depois
de cumprirem serviço militar tiveram ali suas cerimônias.
Assim, vi de perto como é o Exército ou o batalhão
ocupar por tanto tempo esse espaço. Além do mais, a convivência entre eles é
apenas tácita e territorial, sem interação.
Portanto, a ocupação em si dos espaços não deve
resolver a questão, como sempre vimos.
Correio da Cidadania: Como fica posicionado o
governo Pezão nesta situação com traços inéditos, ao menos em termos formais
político-jurídicos?
Marielle Franco: Olha, o Fora Pezão só perde para
o Fora Temer. Ampliando um pouco a visão, o processo de decretar calamidade não
deveria partir apenas da questão da segurança, deveria abarcar vários âmbitos,
como a Universidade.
O Rio está em frangalhos, sem recursos e governado
por quem não tem legitimidade.
Assim, Pezão dá uma cartada, pois sabe como mexer
as peças do tabuleiro, no sentido de se aproveitar do medo num momento em que
as pessoas se resguardam cada vez mais, pois da zona norte à zona sul estamos
sempre na iminência de confronto e tiroteios, dentro e fora das favelas.
Estamos sempre sob ameaça da perda de bens, como
carros e celulares, pra não falar da própria vida…
Ele aproveita tudo isso e dá uma tacada de mestre,
por assim dizer, pois usa o medo das pessoas, já que uma parcela da sociedade,
infelizmente, ainda acredita em tal tipo de solução.
Precisamos de responsabilidade com o processo
histórico, ou seja, analisar as intervenções militares e ocupações em épocas
eleitorais, quais as saídas e legitimidade de um governo que sofre pedidos de
impeachment e deve salários a servidores.
O décimo terceiro de 2017 não foi pago ainda. O
orçamento da segurança de 2017 tem zero reais em investimentos de qualificação
dos profissionais da segurança. E o sujeito ainda decide por uma intervenção.
Assim, Pezão usa o senso comum pra respirar um
pouco. Bem de acordo com a história do PMDB, faz um movimento de cúpula, que
leva a cidade à falência e depois joga a culpa no outro, como se Pezão não
fosse vice do Cabral.
Neste movimento todo, ele consegue respirar e
ganhar tempo, avançando um pouco no próprio imaginário da população do Rio,
infelizmente.
Mas espero que não só na prática como também com os
elementos como a corrupção, relações políticas com Moreira Franco, Cabral,
Eduardo Cunha, o estado do RJ compreenda a jogada política e eleitoreira.
Serve para o PMDB respirar, mas vulnerabiliza toda
a população.
Correio da Cidadania: No âmbito político federal, o
que pensa da ideia de Michel Temer de criar o Ministério da Segurança Pública,
que absorveria algumas prerrogativas do Ministério da Justiça, ou nomear um
ministro extraordinário caso a nova pasta não se efetive?
Marielle Franco: Segue a mesma linha da resposta
anterior: aproveitar o debate da segurança pra se salvar e apostar em algum
Jungmann da vida pra candidato, ou ainda se salvar e reverter sua imagem.
Também se deve ao momento de conservadorismo atroz
que vivemos, que faz Bolsonaro avançar nas pesquisas.
A onda da política de direitos humanos, liberdades,
construídas nos últimos anos, falando de racismo, igualdade de gênero, avanço
de coisas como o Programa Nacional de Direitos Humanos, que sob o governo do
PT, mesmo com todas as críticas, avançaram, agora cede lugar ao conservadorismo
que quer negar tudo como solução pra crise.
Não tem mais ministério de Direitos Humanos ou das
Mulheres, mas querem criar um Ministério de Segurança que trabalharia apenas
pela lógica armamentista. Em suma, é só mais uma jogada.
Correio da Cidadania: O que comenta da entrevista
do general Eduardo Villas-Boas, a dizer “temos que agir com a garantia de que
não haverá outra Comissão da Verdade”?
Marielle Franco: Ele só pede licença pra violar.
O próprio informe do Exército apresenta a ideia de que as instituições democráticas,
se atuarem com sinergia e acompanhamento, podem comprometer sua atuação.
É quase a linha Beltrame, “pra fazer omelete tem de
quebrar ovos”, “podemos ter perdas, mas são necessárias pra manter a ordem”.
Enfim, não podemos aceitar nem o discurso puro da ordem
e nem o da licença pra tudo. O general quer o que, licença pra torturar e desaparecer?
Pois as Comissões da Verdade trabalham também a
questão do monitoramento de dados, da informação, coisas sobre as quais sempre
se quis negar acesso.
Ele quer se desobrigar de prestar contas, quer se
despreocupar das relações sociais mais amplas? É muito preocupante. O general
quer licença pra violar.
Correio da Cidadania: Considerando a euforia
econômica que o RJ viveu nos últimos anos, como lidar com este momento? Como se
chegou tão fundo na crise, com desdobramentos de violência tão alarmantes?
Marielle Franco: Passa pela ausência e leilão do
Estado, passa pela compactuação com grupos criminosos…
Se pegarmos o debate da violência, passa pelo
tráfico, pela disputa de grupos pelo seu comando, passa também pelas milícias,
já que existe um debate moral a respeito do que faz alguns agentes da polícia
entrarem em facções de milicianos. Há ainda a questão da regulamentação do bico
do policial, o não aperfeiçoamento dos profissionais, o debate hierárquico
entre as polícias…
E, mesmo sendo redundante, tem a negação de direitos
a esta população, claro.
Meu exemplo concreto, também sobre os moradores da
Maré: em 1997, 98, quando começaram os cursinhos pré-vestibular, a proporção de
alunos universitários no local era de 1% da população, igual o número de funcionários
do tráfico.
Hoje, temos cerca de 10% da população local na
universidade, mas graças a cursinhos populares e comunitários promovidos pela
sociedade civil, não por políticas públicas.
Há 10, 15, 20 anos compreendemos que era importante
a população ampliar seu repertório, avançar economicamente, ampliar seu espectro
cultural… É aí que falo do leilão de um Estado ausente nas áreas faveladas e periféricas.
A Maré tem batalhão, Região Administrativa, Detran,
uma série de órgãos.
O que justifica caveirão, como vimos nesta quinta,
e toda essa operação onde se incide no varejo do tráfico de drogas se o Estado
está ali presente? Aliás, presente de que modo?
Essa crise passa pelo não investimento e aperfeiçoamento
da segurança pública e seus profissionais, pela negação do direito a uma polícia
cidadã ou o que viesse a ser isso.
A Maré não teve UPP, por exemplo. Porém, olhamos a
Rocinha e vemos a desmoralização através do caso Amarildo. Ou para o Caju, onde
parte da quadrilha que levava arma para o tráfico era da própria UPP local.
Enfim, tem a ausência e leilão do Estado, e também
sua desorganização interna como elementos que levam ao acirramento da crise.
Fora isso, existem outros debates, da modernidade,
do ter, do pertencer, de qual corpo passa pela favela e é o elemento suspeito,
ou quando e por que não é elemento suspeito.
Se você está no Catete ou no Largo do Machado, numa
região central ou sul da cidade, com uma parcela da sociedade a dispor de um número
maior de viaturas, haverá uma determinada sensação de segurança.
As mesmas viaturas em certas áreas passam a sensação
oposta, de insegurança.
A ausência do direito à cidade para tantos setores
da população também faz parte do processo de acirramento da crise social que
nos levou ao ponto em que chegamos.
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