Querem que nosso
continente volte a ser quintal dos EUA, afirma Frei Betto
Para escritor, há uma
forte influência estadunidense na ascensão conservadora da América Latina
Para Frei Betto,
governos progressistas da região erraram em não politizar o povo / José
Cruz/Agência Brasil
“Os ianques farão de
tudo para que o nosso continente volte a ser o quintal deles”. Para Frei Betto,
uma das principais referências da história dos movimentos populares no Brasil,
a ascensão conservadora no Brasil e em outros países da América Latina tem
influência direta dos Estados Unidos. Ele acredita, porém, que os “governos
progressistas” que chegaram ao poder no continente na última década precisam
reconhecer seus erros, como o de “não cuidar da alfabetização política do
povo”.
Ao longo dos seus 71
anos, o frade dominicano Carlos Alberto Libâno Christo participou da Ação
Católica e enfrentou a repressão ao lado de Frei Tito e Carlos Marighella,
líderes de esquerda mortos pela ditadura militar. Por conta de seu engajamento,
Frei Betto foi preso duas vezes entre as décadas de 1960 e 1970.
Com a ascensão de Lula
à presidência, ele coordenou o programa Fome Zero, posteriormente substituído
pelo Bolsa Família. Entretanto, após dois anos, saiu do governo por críticas às
mudanças ideológicas do Partido dos Trabalhadores (PT).
Ele, que é autor de
mais de 60 livros, relaciona a tentativa de retirada da presidenta Dilma
Rousseff aos processos que levaram à deposição dos presidentes Fernando Lugo
(Paraguai) e Manuel Zelaya (Honduras). “Considero o impeachment um golpe
branco”, declara, taxativamente.
Confira a entrevista
completa:
Brasil de Fato: O
Brasil está dividido. Qual a sua opinião em relação aoimpeachment?
Frei Betto: Considero o
impeachment um golpe branco, à semelhança do que ocorreu em Honduras [em 2009]
e no Paraguai [2012]. Entre as vozes das ruas e as das urnas, fico com a
última. Se houver impeachment, o Brasil entrará em turbulência política
permanente, pois qualquer oposição tenderá a recorrer a este recurso.
Quais as consequências
de uma eventual derrubada da presidenta?
Os governos Lula e o
primeiro de Dilma foram os melhores de nossa história republicana, mas
cometeram erros graves: nenhuma reforma estrutural, falta de valorização dos
movimentos sociais (sempre chamados na hora de apagar incêndios), estímulo ao
consumismo, despolitização da nação, entre outros. Apesar disso, os mais pobres
tiveram conquistas importantes: 45 milhões saíram da miséria, não houve
criminalização dos movimentos sociais e a política externa foi independente. Se
Dilma cair, o Brasil passará do Estado de Direito ao Estado da direita.
Independentemente do
processo de impeachment, qual o futuro do PT? Existe possibilidade de uma
guinada à esquerda?
Não creio na
recuperação do PT, infelizmente. Ele jogou na lata de lixo da história os três
capitais simbólicos que o caracterizavam na origem: ser o partido da ética; ser
o partido da organização da classe trabalhadora; ser o partido do horizonte
socialista para o Brasil, o que traria mudanças estruturais. O envolvimento de
alguns de seus dirigentes na corrupção ficará como uma ferida incicatrizável. O
PT tem que se reinventar de outro modo. Mas antes deveria fazer uma séria
autocrítica.
O senhor viveu a
violência da ditadura. Como enxerga o atual momento, no qual alguns setores
reivindicam a volta do regime militar?
Isso é choro de
derrotados e fracassados. Felizmente, os militares estão com as barbas de
molho…
Vários “governos
progressistas” têm sofrido derrotas na América Latina. Existe uma conexão entre
os diversos movimentos dessa ascensão conversadora no continente?
Claro, pois os Estados
Unidos não dormem em serviço. Quanto mais puderem desestabilizar os governos
progressistas da América Latina, mais o farão. Porém, esses governos devem
também reconhecer seus erros, como o de não cuidar da alfabetização política do
povo, não valorizar o mercado interno e ficar demasiadamente na dependência do
[capital] externo, além de não organizar as bases populares.
Interesses
norte-americanos têm alguma influência na atual situação política do país?
Está dito acima. Os
ianques farão de tudo para que o nosso continente volte a ser o quintal deles.
Como será que as "nossas" salas de aulas estão lidando com tudo isso que está acontecendo?
ResponderExcluirTalvez nem toquem no assunto...
JB