Divulgando...
Boa
tarde povo!
Dia
de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira
postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a
leitura.
Obs.:
Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a
partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto
sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores
estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo
parágrafo do texto postado.
Degustem!
GUETO
DO PENSAMENTO INQUIETO
CIÊNCIAS
Ubiratan
D’Ambrósio – Matemático, Cientista, Signatário das Declarações de
Veneza, de Vancouver e de Belém
O
Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a
Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima
Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de
Brasília, 1993. (pp. 39 a 52).
QUESTÕES
PARA RELFEXÃO
Nenhuma língua se impôs ao
mundo inteiro. Nenhuma religião. A única
coisa que se impôs ao mundo inteiro foi o pensamento científico. Mas,
podemos desconfiar que alguma coisa falhou nessa Ciência, na hora de conduzir o
mundo ao que ele é hoje. Podemos ver através de seu filhote, a Tecnologia, os
absurdos criados por ela mesma. Através da mesma televisão colorida vemos os
famintos esqueléticos da Somália e maravilhosos campos de trigo, cultivados com
auxílio da ciência e da tecnologia. Para que serve a Ciência? Ela tem algo a ver
com as questões da religião, filosofia, ética? Podemos formar um cientista sem
cuidar de sua formação ética? (“onde você já leu um livro de ciências que
comece com alguma discussão ética?”). Estes são alguns pontos da instigante
reflexão conduzida pelo professor Ubiratan D’Ambrósio durante o primeiro Fórum
do Pensamento Inquieto.
A Declaração de Veneza é o produto de uma iniciativa da
Unesco apoiada pela Fundacion de Tiner, da Itália. Iniciativa da Unesco foi
criar um Fórum de Ciência e Cultura, onde o objetivo principal era o
reencontro. E a primeira reunião foi em Veneza, denominada Ciências do Espírito
Científico e de Tradições, que é o espírito que muitos classificam como não
científico.
Esse reencontro entre as ciências e as tradições,
e gosto de falar reencontro e não encontro, na verdade é o resultado de uma
olhada para a história. E a reunião de Veneza foi a primeira de uma série, das
quais resultou a Declaração de Veneza.
É muito interessante porque Veneza, na verdade, é um
lugar que simboliza aquele nascimento do espírito científico. Quando a gente
pensa em Galileu, por exemplo, Veneza representa aquela época.
A primeira reunião foi em Veneza, a segunda reunião, o
Fórum de Ciências e Cultura, foi em Vancouver, três anos depois. Vancouver
representa, também, o moderno, a civilização que resulta do espírito
tecnológico, uma cidade altamente moderna, onde o local, o tradicional, foi
quase que coberto pelos grandes edifícios, pelas grandes estradas, o que
representa a modernidade suprimindo as tradições. Embora haja um grande esforço,
desde cedo, do governo canadense de se reaproximar das civilizações e culturas
indígenas, na verdade, isso é feito depois de liquidar essas culturas
indígenas, de liquidar esse ambiente. É um moderno que se impôs ao tradicional.
Na terceira reunião, procuramos algo onde o moderno e o tradicional
coexistissem, com alguma precariedade, mas coexistissem. Precariedade de ambos
os lados, com o tradicional sofrendo e o moderno também.
E escolhemos como sede da terceira reunião dessa série,
Belém. Em abril deste ano tivemos o III encontro da série Fórum de Ciência e
Cultura, realizado em Belém. E assim, temos mais duas declarações que são:
Declaração de Vancouver e Declaração de Belém, que junto com a Declaração de
Veneza formam um todo, procurando refletir sobre a ruptura entre ciências e
tradições que se dá, sobretudo, a partir do aparecimento da ciência moderna nos
séculos XVII, XVII e XIX, e a necessidade urgente de se restabelecer
esse diálogo entre ciências e tradições para a construção de um outro espírito
científico, de uma outra ciência. De uma ciência que leve em conta
aquilo que aprendemos, aqueles erros que podemos identificar na ciência, que
chamamos de moderna, e que se iniciou nos séculos XVII e XVIII.
Essas três declarações constituem o todo de um documento
de grande importância, que logo será publicado aqui, incluindo o conjunto das
três declarações, acrescido de uma outra declaração que está mais ou menos no
mesmo espírito, e que vem de um outro grupo. É uma declaração conhecida como
Declaração de Dagoms, que é uma cidade na antiga União Soviética, na Geórgia.
Esta declaração foi escrita em 1998 como resultado de uma reunião do chamado
Movimento Pugwash. As conferências Pugwash são fruto de uma organização de
cientistas de todo o mundo, criada em 1955 por Albert Einstein e Bertrand
Russel, após o lançamento do manifesto, onde eles alertavam o mundo para o
perigo da corrida armamentista nuclear, toda a insanidade por trás da guerra
fria, a produção de armamentos que, se
usados, poderiam representar a destruição de todo o mundo. E, se não usados,
como felizmente não o foram e possivelmente não o serão, também carregam uma
dose de insanidade, porque a sua produção tem como objetivo o medo, atemorizar
o inimigo.
A tal da política da Détente o que é? É uma política que diz: “Você se comporte,
porque eu sou mais forte que você. Portanto, faça aquilo que quero que você
faça; comporte-se de maneira adequada, porque de outra maneira o destruo”.
Ora, isto carrega uma imoralidade indiscutível. E essa imoralidade está implícita na guerra
fria, na produção de armamentos, na formação e na manutenção de forças armadas
em todo o mundo. Essa imoralidade é algo que nos deixa inquietos.
O Fórum do Pensamento Inquieto constitui-se espaço
adequado para esse tipo de discussão, porque ser inquieto é algo que vem sendo a marca do homem em toda a história
da humanidade. Uma inquietação que pode resultar num alto grau de
criatividade. Uma inquietação
em que queremos fazer mais e melhor, e para o bem. E uma inquietação que pode ser exatamente o
oposto. Uma inquietação de
incerteza, de angústia, que resulta do medo, que faz com que a nossa reflexão
sobre o futuro seja muitas vezes pessimista.
Falar sobre o Pensamento Inquieto é, na
verdade, falar sobre a história da ciência. O que é ciência? De onde
vem isso? Bom, a nossa espécie tem uma história muito longa. Quando ela
apareceu neste planeta, dentre as demais espécies, seja criada ou evoluída, não
há muita discordância em que a espécie apareceu na ordem de três ou quatro
milhões [de anos] por todo o planeta. A teoria mais recente, do Metocôndrio,
diz que essa primeira grande migração por todo o planeta não deu certo. Quer
dizer, a migração da qual somos
descendentes e que levou nossa espécie a todo o planeta é uma migração que se
deu muito mais recentemente, questão de duzentos ou trezentos mil anos, e vem,
também, dos altiplanos da África, do coração da África onde situa-se, hoje, o
Quênia ou das proximidades.
Seja a primeira migração ou a segunda, o fato é que o homem se espalha por todo o planeta, e ao
se espalhar vai, nesse processo, construindo conhecimento. É uma espécie que
constrói conhecimento a partir do que sente da realidade, a partir do impacto
que a realidade produz no ser humano. Esse conhecimento é gerado por informações que a realidade lhe
dá, e obviamente esse conhecimento vai atendendo a duas grandes forças. Uma delas é o nosso
componente animal, é a força da sobrevivência. O homem, enquanto
caçador e coletor, vai procurando nos lugares onde ele possa encontrar
elementos para a sua sobrevivência. E ao
mesmo tempo, uma característica muito peculiar à nossa espécie é a busca de
explicações, de entendimento, de compreensão.
Uma busca de
explicações, de procurar entender o que é, de saber o que é, procurar fazer de
uma maneira planejada, seguindo estratégias. É muito interessante que essa
palavra, essa noção, seja usada no grego com o nome de matema. Quer dizer, as duas grandes forças, a sobrevivência e a busca de
explicações, de entendimentos, são os grandes motores da produção do
conhecimento. E o homem sai lá do coração da África e vai se
espalhando, produzindo conhecimento. Conhecimento com um nível de sofisticação
cada vez maior. Ele vai descobrindo o fogo, vai aprendendo a manejar o fogo, a
fazer o fogo.
Ele vai aprendendo a se comunicar, a escolher melhor os
alimentos, vai aprendendo, quando escolhe alguma coisa interessante, a
conservar, a armazenar esses alimentos. E continua o seu projeto de caçador
procurando diminuir o risco na caça; inventa o disparo. Começa a ter contato
com as outras espécies, através do disparo de flechas, e com isso ele vai
adquirindo um poder diferente das outras espécies que a simples sobrevivência
não daria.
Vai construindo conhecimento, que lhe permite selecionar
o que é bom para comer e o que não é bom, lhe permite abrigar-se, utilizar
peles de outros animais para se cobrir, para se proteger do clima, e assim a
espécie vai evoluindo na construção do conhecimento,e obviamente essa
construção do conhecimento vai implicando um maior desenvolvimento da
capacidade cognitiva.
Os sentidos se
aprimoram. O sentido, por exemplo, do tato; a capacidade de notar pequenas
variações de temperatura, possivelmente, não era desenvolvida nos primeiros
homens. Hoje, temos um tato bem desenvolvido, a visão é mais aguçada, a audição
também. Outros sentidos talvez estejam em desenvolvimento. Sentidos que agora
dificilmente reconhecemos, é possível que estejam em desenvolvimento, como
aconteceu com o tato ou com a visão, cem mil anos atrás. Nesse processo o homem
vai se fixando em vários locais, e parece que sua chegada mais recente foi na
América, e agora estamos descobrindo evidências de ocupação das Américas, cinquenta,
sessenta mil anos atrás.
A ocupação se dá e nela encontramos o homem, neste
processo, sempre procurando explicar e entender o seu entorno, manejá-lo bem. Ele vai desenvolvendo conhecimento,e o
conhecimento vai se acumulando, sendo passado de geração para geração, através
de várias formas de comunicação. Com esse acúmulo de conhecimento se dá a
organização de indivíduos em grupos sociais; surge o problema da cidade, o
problema dos grupos, das tribos e depois de grupos maiores, o que representa acúmulo de modos de
explicar, de modos de se comportar, de fazer as coisas, que é o fenômeno da
cultura. E a cultura vai se fixando. Claro, nessa inquietação do homem, de
procurar explicar, entender, manejar bem o seu ambiente, duas coisas são notadas e evidentes:
nascimento e morte. São duas fontes de inquietação muito grande.
Como o indivíduo nasce? De onde ele vem? Como apareceu
esta nova criatura? Essa nova criatura, estranhamente, nasce parecida com a
gente, e cresce, fica maior, fica mais pesada, mais ágil, participa do nosso
meio sempre parecida com a gente, do mesmo jeito. Que coisa mais interessante!
Enquanto você vê plantas e animais que mudam. Você olha para um sapinho, ele
nasce de um jeito, de repente fica de outro. Você vê plantas que nascem de um
jeito, depois ficam de outro. Você vê árvores que produzem plantas, depois flor
e depois frutos. Nós nascemos do mesmo jeito e ficamos iguais durante toda a
vida. Quer dizer, alguma coisa a mais do que o simples aparecimento de um
indivíduo, de uma unidade. De onde vem isso?
E de repente morre, e pouco depois desapareceu. Sumiu. É
reduzido a esqueleto, a pó. Então, para onde foi? São buscas de explicações,
são inquietações naturais do ser humano e que vão pedindo cada vez mais
explicações, entendimentos, e vai surgindo o conhecimento religioso, que
obviamente não se afasta do conhecimento que lhe permite manejar o seu
dia-a-dia de maneira adequada. E o conhecimento de distinguir ciência e
religião é alguma coisa extremamente difícil, quase impossível.
As dimensões da
construção desse conhecimento científico e religioso, do conhecimento que hoje
a gente chama de religioso, mas que, obviamente, não faz sentido em outras
culturas, leva-nos a preocupações, a criações, a imaginações como algo que
se “experimentou”, e como algo a que não se tem acesso direto.
Justamente, essa ideia de ir para antes do nascimento e
ir para depois da morte, leva-nos, naturalmente, ao desconhecido. E há uma
série dês proposta em todas as culturas, de se penetrar nesse desconhecido
através de várias maneiras. Drogas aparecem em todas as culturas; rituais, que
num certo sentido têm o efeito da droga, por exemplo, o tipo de hipnose pelo
ritual, pela música, e, naturalmente, fantasias, como adorno, construção de
imagens, muitas delas puro fruto da imaginação. Tudo isso entra nessa busca de
explicar aquilo a que não se tem acesso mais direto, e portanto a arte entra
com o mesmo envolvimento em tudo isso.
CONTINUA NA PRÓXIMA
QUARTA...
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
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