Divulgando...
“Há uma política de ódio paranoico que permite o desprezo total por
Lula”, diz psicanalista
Postado
em 13 de abril de 2018 às 8:52 am
O jornalista André de Oliveira do El
País Brasil entrevistou o psicanalista Tales Ab’Saber,
professor da Unifesp e crítico do governo Temer.
(…)
P. Como você viu o discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos,
logo antes da prisão?
R. O ponto central foi a ideia de que, a partir de
agora, ele é uma ideia. Quando ele fala em ser uma ideia, que pertence a todos,
ele evoca termos universais para repor a força do desejo político de cada um.
Lula não é um demagogo comum, nem um manipulador regressivo, antidemocrático,
como existem tantos por aí hoje. Ele é a encarnação viva, numa potência de
corpo única, do conflito entre capitalismo e democracia, em um país periférico
e incompleto. Como representante democrático e negociador do conflito de
classes que sempre foi, ele tem razão ao dizer que é uma ideia. Isso porque
essa ideia de um mediador entre os excluídos e a ordem econômica capitalista é
algo que não morre, porque é estrutural do problema da vida social. Essa ideia
é uma das faces da própria democracia e ele encarna isso. Lula está no núcleo
estrutural dessa questão: a democracia em sociedade de mercado responde ou não
responde aos interesses de pobres e excluídos? Ou é democracia apenas para os
detentores do poder de mercado? A ideia da dialética política dos conflitos de
classe, de modo democrático, que é a defendida por Lula, é uma virtualidade
civilizatória da própria democracia. Então, se de fato houver democracia, essa
ideia é necessária, e não morre.
P. Apesar da barba e da fala enérgica do líder
sindical, Lula nunca foi um radical, não é estranho que essa imagem seja colada
a ele agora?
R. Essa imagem só vale para a parte da direita mais
grosseira brasileira, a que tem feito tanto estrago na vida nacional e
constrangido todo o espírito democrático. É claro que Lula sempre se moveu em
uma corda bamba política, na qual ele se equilibrava bem. Sempre ficou entre
assumir e convocar os interesses sociais populares, que foram muito tardiamente
representados no poder executivo brasileiro, e negociar condições políticas e
força institucional real por meio da interlocução com os interesses reais do
capital nacional. Seu projeto, muito longe de qualquer radicalismo, foi um
modelo de capitalismo nacional, integrado aos fluxos globais. Um plano de
desenvolvimento de economia produtiva e de mercado interno, que empregava,
produzindo aumento constante da inserção no trabalho e no consumo – a única
moralidade que o capitalismo conhece, segundo Keynes.
P. Mas o que explica, então, a eleição de Lula por
parte da sociedade como o pior mal da nação?
R. O que se viu no Brasil nos últimos quatro anos –
desde quando a crise econômica mundial se agravou durante o Governo de Dilma
Rousseff, dando sinal para a guerra aberta que vimos em seu segundo mandato –
não foi apenas um ataque de parte da sociedade ao Lula, mas algo que visou
degradar toda a esquerda ao atacar sua imagem. Estamos vivendo um estado de
guerra total em que há uma política de ódio paranoica muito primitiva em que o
alvo é a esquerda democrática contemporânea. Não à toa, do nada, foi
reinventado um anticomunismo delirante. Há uma massiva metafísica do mal, muito
violenta, um desejo gnóstico negativo, que permite o desprezo total pelo
inimigo imaginado que, no caso, é Lula, representando toda a esquerda. Foi
assim que a direita brasileira, em um estado de paixão que, entre outras
coisas, produziu toneladas de mentiras infindáveis em redes sociais, alcançou
um grau de intolerância elevado. Ele é amado demais, e odiado demais também.
Torna-se a obsessão de todos. E mesmo sendo um imenso democrata, como Lula é,
será odiado. O sacrifício de Lula é social, realizado por grandes conflitos
simbólicos de classe. O poder instituído não pode tolerar um homem que sozinho tenha
tanto poder pessoal, carismático.
P. Você definiu o Lula como um “herói da luta de
classes” no Brasil, mas sua imagem de radical ficou para trás faz muito tempo.
Por que essa definição?
R. Lula fez um Governo entre as bolsas sociais para os
brasileiros muito pobres, as desonerações de impostos básicos e o financiamento
de consumo de bens fundamentais para boa parte da população que não podia
consumir. Por outro lado, houve sempre o enriquecimento dos muito ricos com a
garantia de um Governo desenvolvimentista. Nenhum contrato foi rompido, o
superávit fiscal foi mantido e até ampliado, a inflação controlada e a vida
econômica, com trabalho formal e com direitos trabalhistas, disparou o país.
Assim, depois de seus dois mandatos bem sucedidos, Lula ficou imensamente
poderoso. Era celebrado pelos pobres, que se sentiam contemplados de modo digno
e raro no Brasil. Mas também foi celebrado pelos mercados que estavam aquecidos
e que enriqueciam. Além disso, sua política sempre conciliadora aceitou o
arcaísmo e a regra do jogo da corrupção universal, que foi mantida durante todo
seu Governo. Assim, nessa época, ele era uma solução para todos.
(…)
Tales Ab’Saber.
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