Divulgando...
ANTÔNIO CÂNDIDO
O senhor é socialista?
Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é
uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o
socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução
industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários
ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote
do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo.
Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar
para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado.
Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo
social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o
operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze
horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não
ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as
crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que
é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o
capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O
capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx
definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital
precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as
necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda
descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais
andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando
descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o
capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo
é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o
operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O
socialismo só não deu certo na Rússia.
Por quê?
Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o
capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje
está infiltrado em todo lugar.
O socialismo como luta dos trabalhadores?
O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é
por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do
socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela
etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o
socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e
Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.
Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando
sobre o capitalismo?
Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos
no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se
todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime
com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma
doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais
adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o
socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi
tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais
eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais
complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado
tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir
bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o
socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o
socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser…
o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um
professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho
provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No
dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes
menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.
O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?
O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se
você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o
mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa
formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja.
No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado,
é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia,
a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante
em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da
extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para
formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem,
que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem
dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o
socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o
capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que
era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como
comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista,
não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf,
eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o
nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela
igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta
é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar
mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima,
não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma
certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é
bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas
Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim,
todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi
sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu
parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma
moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual
a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10
anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci
inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor.
Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento
conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas.
Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica,
senão ia ser um reacionário. (risos).
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