"Liberdade é um sonho que a alma humana alimenta, que não há quem explique e ninguém que não entenda!". (Cecília Meireles - Romanceiro da Inconfidência).
sábado, 26 de setembro de 2020
quarta-feira, 22 de abril de 2020
O coronavírus dos ricos e o coronavírus dos pobres
Divulgando de EL PAIS
O coronavírus dos ricos e o coronavírus dos pobres
Aqueles que
têm tudo de sobra atravessam a tempestade com menos sacrifícios do que os
pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já
vivem.
Um barbeiro da favela de Mandela, no Rio de Janeiro,
trabalha com máscara de proteção durante pandemia de coronavírus.Antonio
Lacerda / EFE
Já se escreveu muito sobre como a tragédia do coronavírus nos iguala a todos porque quando
golpeia não conhece classes nem ideologias. Mata ricos e pobres. Isso é, no entanto, uma meia-verdade,
porque, como sempre na história, aqueles que têm tudo de sobra atravessam a
tempestade com menos sacrifícios do que os pobres, para os quais a epidemia é apenas um elemento a mais da dor em que já
vivem.
- Leia mais artigos de Juan Arias
- A ironia dos trilhões gastos em armas incapazes de matar um vírus e de nos fazer felizes
- Bolsonaro se isola do resto do mundo obcecado por seu messianismo perigoso
- Na mensagem de Páscoa, Bolsonaro mentiu e insultou a inteligência da nação
Pode parecer, mas não é uma blasfêmia dizer que os
pobres sofrem menos do que os ricos nestas tragédias porque estão acostumados a conviver com a dor, a frustração e a morte.
Talvez por isso, os que mais se opõem ao
confinamento que pode salvar muitas vidas são aqueles para quem não faltará
nada durante a quarentena, nem mesmo um bom hospital caso o bicho chegue a
pegá-los, como afirmou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
Não vimos, de fato, multidões de pobres saírem às
ruas para protestar contra o isolamento, apesar de serem eles os mais
martirizados por essa medida, pois ela os impede até de sair para ganhar o pão para sua família. Os pobres não têm
cadernetas de poupança, e sim dívidas, e a epidemia os deixa mais desprotegidos
do que ninguém.
Estão sendo, paradoxalmente, os mais ricos que estão forçando as manifestações contra o
isolamento — que, segundo a ciência, é em todo o mundo o único antídoto até
hoje para salvar vidas. Sim, o vírus não é classista, mas as tremendas
desigualdades da nossa sociedade cruel continuam vivas e até se agigantam
durante a epidemia.
Para os mais ricos, os da Casa Grande, o que
interessa é que a máquina da produção seja posta em marcha o quanto antes para
que a Bolsa volte a subir.
Talvez seja por isso que personagens políticos como
o presidente Jair Bolsonaro se revelem desprovidos de sentimentos
humanos elementares de compaixão pelos que mais sofrem as consequências da
epidemia, e cheguem a negá-la.
Isso explica por que esses pequenos aprendizes de
tiranos não se preocupam com aqueles que mais vão morrer com o vírus. Sabemos que são os idosos e os que já sofrem de alguma
doença crônica. E essas vítimas são as que menos interessam a todos que veem o
mundo sob o prisma do mero lucro ou do mero interesse político. Para eles,
idosos e doentes são improdutivos em nossa sociedade do consumo e da vertigem
da produtividade a qualquer preço.
Os psicólogos e psiquiatras estão apontando as consequências negativas
que terá, para nosso cérebro, a crise mundial que afeta a humanidade inteira. E
é aterrador. É um rio de angústias profundas que nossa psique está acumulando,
e ainda não sabemos quais serão suas consequências finais.
Mas, dentro de tanta dor, angústia e morte, há um
aspecto esquecido que poderia nos ajudar a resgatar um sentimento perdido em
nossa sociedade, infectada pelo ódio político e social. Refiro-me a um certo
despertar do mundo das emoções, as mais positivas, as que nos curam das
psicoses e pareciam adormecidas em uma sociedade contagiada por ódios e
discriminações.
É como se o mundo do dinheiro frio e até o do tédio
daqueles que têm a mesa farta tivesse se apoderado de um mundo que já é incapaz
de emoções humanas profundas.
No entanto, a emoção nos redime de nossos pessimismos
estéreis, nos aproxima, nos faz descobrir algo que acreditávamos ter perdido
para sempre imersos, como estamos, na sociedade do egoísmo e da inveja. As
emoções são o oxigênio da nossa vida interior.
A epidemia, com suas dores, está nos devolvendo,
por exemplo, o gosto pela emoção gerada pela solidariedade e pela empatia com os demais, que nos parecem
mais próximos e iguais do que nunca.
É verdade que as sequelas psiquiátricas provocadas
pelo desespero da separação física podem aumentar durante a crise, como se vê
pelo aumento da violência doméstica em algumas famílias. Mas também é possível
que o confinamento forçado sirva para que muitos casais e
famílias valorizem e reconquistem a intimidade perdida e a alegria de estar
juntos.
São essas emoções que o isolamento desperta
repentinamente em nós, fazendo com que nos sintamos mais amigos e receptivos à
dor e à alegria alheias.
Cenas como a de idosos até de cem anos que saem dos
hospitais curados do vírus, sob aplausos de médicos e enfermeiros, eram
inéditas até ontem.
Não podemos esquecer, nem mesmo nestes momentos
trágicos, que a perda das emoções cria mundos paralelos de ódio e incompreensão
da dor e da pobreza alheias.
As emoções, em vez disso, afastam os demônios da
vingança. A emoção positiva está mais disposta ao perdão do que ao castigo e
nos prepara melhor para compreender a dor e a solidão dos outros.
Quem é incapaz de abrigar emoções diferentes das
criadas pela violência e pela morte nunca entenderá o que a ternura e o abraço
significam.
O que os nazistas,
que arrastavam mães com seus filhos para os crematórios nos campos de concentração,
sabiam sobre emoções como a compaixão pelos outros?
Os incapazes de emoções são os mais próximos dos
psicopatas que matam com a maior frieza do mundo. Onde estava a emoção nos
interrogatórios policiais sob tortura ou nos pelotões de fuzilamento das
ditaduras?
Se o coronavírus
nos servir para despertar os melhores sentimentos de emoção diante da
felicidade alheia, sentimentos que a luta política envenenada aniquilou, a pandemia
não terá sido inútil.
Nada seria mais positivo para nosso mundo
amargurado e cada vez mais injusto e com maior capacidade de segregação que
nascesse um rio de emoções reprimidas capaz de nos redimir de tantos ódios
acumulados.
Só aqueles que têm a alma seca de emoções não
conseguem entender certas correntes de emoções positivas que só apreciamos
quando as perdemos.
É por isso que todos os ditadores ou aspirantes são
sempre os mais alérgicos às emoções que salvam e unem a humanidade na busca de
uma felicidade que não precisaria matar nem humilhar para se sentir em paz com
os outros.
Devido às circunstâncias excepcionais, o EL PAÍS
está oferecendo todos os seus conteúdos digitais gratuitamente. As informações
relativas ao coronavírus continuarão abertas enquanto persistir a gravidade da
crise.
Dezenas de jornalistas trabalham sem descanso para
levar até você a cobertura mais rigorosa da pandemia e cumprir sua missão de
serviço público. Se quiser apoiar nosso jornalismo, pode fazê-lo aqui por 1
euro no primeiro mês (10 euros a partir de junho). Acesse os fatos, assine o
EL PAÍS.
Arquivado
Em:
- Brasil
- Pandemia
- Coronavirus
- Coronavirus Covid-19
- Doenças respiratórias
- Doenças infecciosas
- Isolamento social
- Aislamiento población
- Quarentena
- Desigualdade social
- Desigualdade econômica
- Pobreza
- Sociedade
- Jair Bolsonaro
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Comunismo ou lei da selva
Divulgando de 247...
Comunismo ou lei da selva
Filósofo Zizek aponta um
novo tipo de comunismo após a pandemia e o colapso do populismo de direita
12 de abril de 2020, 06:59
“Comunismo ou lei da selva”,
proclama o filósofo Slavoj Zizek.
Publicado originalmente pelo
Unisinos: O filósofo esloveno não acredita que a emergência traga novos
totalitarismos. Aliás, os laços da comunidade serão fortalecidos. Porém, apenas
se formos capazes de reconstruir a confiança nas instituições: “o que acontece
mostra que cabe a nós, aos cidadãos, sujeitar a maior controle aqueles que
governam, certamente não o contrário”.
“Um novo senso de
comunidade: é isso que está emergindo dessa crise. Uma espécie de novo
pensamento comunista, distante do comunismo histórico. A banal descoberta de
que coordenação e cooperação globais são necessárias para combater o vírus tem
um viés revolucionário. Estamos redescobrindo o quanto precisamos uns dos outros.
No entanto, a Organização Mundial da Saúde sempre o repetiu: e, em vez disso,
não existia nada similar nem mesmo dentro da União Europeia”.
Pelo telefone de sua casa em
Liubliana, o filósofo e sociólogo esloveno de 71 anos Slavoj Žižek, autor de
ensaios famosos como Em defesa das causas perdidas e L’incontinenza del vuoto,
tem repetidos acessos de tosse: “Tenho todos os sintomas da Covid-19, mas não
sou positivo. Sinto-me mal há anos.” Talvez também por esse motivo ele tenha
decidido se questionar como a pandemia está mudando nossas vidas, com uma série
de ensaios reunidos na Itália, pela Ponte alle Grazie, em um ebook intitulado,
precisamente, Virus. Uma coleção constantemente atualizada com novos
acréscimos, para download.
A entrevista é de Anna
Lombardi, publicada por La Repubblica, 06-04-2020. A tradução é de Luisa
Rabolini.
Eis a entrevista.
Você escreve: “Receio dormir
porque os pesadelos me assaltam sobre a realidade que nos espera”. Todos nós
sentimos esse medo: o que você prevê?
A realidade já mudou. Vemos
governos conservadores adotando medidas que chamaríamos de socialistas em
outros tempos: Donald Trump ordena às indústrias privadas o que produzir. Boris
Johnson nacionaliza temporariamente as ferrovias. Todos vivemos de uma maneira
que seria impensável há poucos meses. Há aqueles que pensam em um mundo em que
se aproveitará do vírus para controlar todos nós, e, é claro, é uma possibilidade.
Mas não acredito em novos totalitarismos: são precisamente os governos que
estão em pânico hoje, incapazes de controlar a situação, e muito menos
construir uma sociedade no estilo Big Brother.
No máximo, há mais
desconfiança em relação às instituições. Mesmo na China, testemunhamos
protestos, ainda que modestos. Bem, deveríamos encontrar uma maneira de
reconstruir essa confiança. Talvez com novos Assange capazes de desmascarar os
abusos. Certamente, o vírus mostra que cabe a nós, aos cidadãos, sujeitar a
maior controle aqueles que governam, certamente não o contrário.
Você está dizendo que as
pessoas deveriam se envolver mais com a política?
Alguém disse que, no meio
dessa crise, deveríamos nos preocupar apenas com a nossa salvação. Penso o contrário:
não há momento mais político do que o atual. Apesar das advertências dos
cientistas, os governos se descobriram despreparados. Mas agora somos forçados
para enfrentar o pior, é claro: não há mais espaço para o “America First” e
slogans do tipo. Para sobreviver, os Estados a partir de agora terão que lidar
continuamente com o futuro. Precisamos de um novo sistema de saúde pública
global e agências internacionais aptas a agir com ações acordadas.
Precisamos de salários
mínimos garantidos, pagos agora inclusive por Trump. Minha ideia de comunismo
não é o sonho de um intelectual: estamos descobrindo na nossa própria pele por
que certas medidas devem ser tomadas no interesse geral. Não subestimemos o
impulso que o vírus está dando a novos sistemas de solidariedade em nível local
e global. Construir um novo modo de viver será o nosso teste. Mas as pessoas
precisam retomar as coisas em suas mãos agora: não esperar o fim da crise.
E como fazer isso? Estamos
todos trancados em casa.
Nem todo mundo que está em
casa passa seu tempo apenas assistindo filmes estúpidos. Todos estão se fazendo
perguntas básicas sobre nossa vida cotidiana, questões que em outros momentos
definiríamos de metafísicas. Muitos estão usando esse tempo para refletir. E
para escolher. É verdade, somos mais isolados, mas também mais dependentes uns
dos outros. Vivemos um imperativo paradoxal: demonstramos solidariedade por não
nos aproximarmos. Nunca fui um otimista, mas esse respeito pressupõe uma
mudança profunda de comportamento que sobreviverá à crise.
Vamos realmente aprender
alguma coisa com tudo isso?
O custo psicológico é
tremendo. E, é claro, o isolamento também cria novas formas de paranoia:
demonstram isso as inúmeras teorias da conspiração na rede, e países como
Estados Unidos e China jogando um para o outro a origem do vírus. Mas, repito,
estaremos mais conscientes do que significa estar perto dos outros, para o
melhor ou para o pior. Reencontrar-se, por exemplo, será uma alegria. Mas
teremos mais cuidado. Depois, esta situação tornou bem visíveis as diferenças
sociais. Penso no egoísmo dos super ricos fechados em seus bunkers ou em iates.
Madonna postou um vídeo na banheira dizendo que estamos todos no mesmo barco.
Não é assim e as pessoas veem a situação. Os novos heróis são as pessoas
comuns.
Para impedir a propagação do
vírus, as fronteiras foram fechadas. Em certo sentido, estamos diante de uma
nova forma de nacionalismo. Você não teme uma regurgitação de populismo?
Se algo está sucumbido, é
justamente a mensagem populista. Pessoas como Donald Trump e Jair Bolsonaro
mostraram sua mesquinharia, dando a ideia de estar pronto para sacrificar os
mais fracos. E na Europa não funcionou jogar a culpa nos chineses ou refugiados:
quem transportou o vírus foram turistas e empresários. Até a corrida
armamentista dos EUA é ingênua.
Eles pensam em proteger a
casa e ficam doentes porque não lavam as mãos o suficiente. Estamos todos
aprendendo que esforços nacionais isolados não são suficientes: os limites do
populismo nacionalista que insiste na soberania do Estado estão diante dos
olhos de todos. Repito, a solidariedade global e a cooperação são o único
caminho racional e até egoísta a seguir. No entanto, teremos de enfrentar o futuro
da União Europeia: foi ridiculamente passiva. Poderia ter determinado ações e
distribuído ajuda. Não o fez. Falhou.
Ainda não estamos fora da
emergência. Como podemos resistir até então?
Vivemos uma experiência
excepcional, pode tirar o nosso melhor ou o pior. Não nos tornaremos todos
monges budistas ou santos católicos. Para enfrentar com a solidão, talvez o
melhor seja continuar estabelecendo rotinas básicas. Uma repetitividade que nos
impede de ceder ao caos. Temos que manter uma ordem para estar prontos amanhã.
Do que você mais sente
falta, estando fechado em casa?
De ir às livrarias. Os
últimos lugares onde você ainda tem possibilidades de escolha cultural. Não
suporto os algoritmos da Amazon, da Netflix: eles oferecem o que pensam que
você gosta, sem dar a oportunidade de descobrir coisas novas e, portanto,
surpreender-te. Na livraria, você vai para procurar algo e muitas vezes volta
com outra coisa. As livrarias são insubstituíveis e é muito grave que a crise
as esteja colocando em risco.
Participe da campanha de
assinaturas solidárias do Brasil 247. Saiba mais.
Receba as notícias do 247 no
seu email. Inscreva-se.
Leia também:
Heather McGhee
O racismo é também um custo
para a economia
17 de abril de 2020, 17:39
Custa muito para nós permanecermos
divididos", diz a especialista em políticas públicas Heather C. McGhee
Bandeira da China é hasteada
em Pequim
Desponta novo consenso
positivo sobre a China na União Europeia
16 de abril de 2020, 19:14
"De uma perspectiva
global, esta crise está expondo todas as falhas e fraquezas estruturais
acumuladas nas últimas décadas pelo Ocidente",
Entendendo o coronavírus
como uma catástrofe ecológica
15 de abril de 2020, 16:55
De acordo com a professora e
autora americana Kate Brown, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), “o
coronavírus não é somente...
terça-feira, 14 de abril de 2020
Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?, por Armando Coelho Neto
Divulgando de GGN...
Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?, por Armando
Coelho Neto
O Estado mínimo neoliberal é reduzido a nada quando
o assunto é necessidade básica do povo. Mas para socorrer bancos, há Estado
máximo.
Por - ARMANDO COELHO - 13/04/2020
Neofascismo
X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?
por
Armando Rodrigues Coelho Neto
A pandemia neofascista antecede à pandemia da
Covid-19. No Brasil, os sintomas mais graves surgiram nas tais jornadas de
junho/2013 e em capítulos que antecedem o golpe de 2016, muitos descritos neste
espaço. Não é o momento de reorganizar esses capítulos, mas traçar linhas entre
o neofascismo e o neoliberalismo (*).
O neofascismo pode ser, grosso modo, definido como
o movimento de forças retrógradas que busca o retrocesso civilizatório, que se
aglutina e se expressa, hoje, por mecanismos digitais mediante engenharia de
redes sociais. O neofascismo está associado ao neoliberalismo, pois ambos
pregam o Estado mínimo.
No Brasil, o neofascismo chegou ao poder via
demagogia penal (Sérgio Moro que o diga), principalmente usando a suposta luta contra
a corrupção, em conluio com o Congresso Nacional e a mídia, na qual a TV Globo
(que hoje esperneia) exerceu deplorável papel. Além disso, teve maciço apoio do
poder econômico, que graças ao coronavírus, pode hoje minimizar o fracasso de
Paulo Guedes e do Palhaço-mor do Brasil. Graças à pandemia, a derrocada do
pensamento militar que ronda a assessoria do Palácio do Planalto sequer é
notada.
Uma vez instalados no comando da Nação, os
neofascistas passaram a hostilizar parcela de antigos apoiadores, trabalham
intensamente por uma sociedade dividida (pobres contra pobres). Bozo não mede
esforços quando antagoniza com governos estaduais (não apenas da Região
Nordeste, mais pobre, mas também os conservadores governos das regiões Sudeste,
Sul e Centro-Oeste). Agride o Parlamento, a Suprema Corte e insulta a imprensa,
em especial a Globo.
Aparentemente, o neofascismo seria a antítese do
liberalismo, mas não se observa nenhuma atitude de franca contraposição de
parte dos “conservadores obsoletos” (que no cenário político brasileiro são
misturados com a esquerda e rotulados de “velha política”, “comunistas”,
“esquerdopatas”, “petezada”).
Apesar de o neofascismo expressar-se hoje
simultaneamente em diversas partes do mundo, tendo inclusive chegado ao poder
nos EUA, Brasil, Hungria, Ucrânia e Itália, não existe uma reação ampla,
coordenada, decidida contra o fenômeno. O neofascismo no contexto atual da luta
de classes tem o papel de chantagear as instituições.
O capitalismo rentista está no centro desse debate.
Ele já não se sente mais obrigado a quaisquer concessões ao bem-estar coletivo,
nem consegue mais conviver com a Democracia. Aqui, o neofascismo cumpre papel
necessário à elite. Dudu Bananinha se posiciona claramente contra a taxação das
grandes fortunas. O posto Ipiranga do pai dele sorri para os financistas. Nas
medidas emergenciais contra a pandemia, houve resposta rápida para os bancos,
inclusive com a compra de papéis podres. Nenhum dinheiro para empresas e
lentidão no que ajudaria a grande massa, diz o economista Eduardo Moreira.
Atos do gênero mostram que o papel do neofascismo é
vergastar, destruir a espinha dorsal das democracias liberais, mediante
permanente ameaça fascista. Nesse sentido, o jipe, o cabo e o soldado não foram
e não são simples retóricas vazias. Não foram exagero ou incontinência verbal
de Dudu Bananinha. Foi um recado simples, objetivo e ameaçador, com o qual as
instituições convivem, seja por conivência, covardia ou coação. Aqui ali
observam-se lampejos higienizantes para dar ares de democracia, normalidade, de
que as instituições estão funcionando.
Sob conivência, covardia ou omissão, está clara a
prostituição das instituições, a submissão ao interesse financeiro, que aliás,
não começou com o fenômeno mais recente do neofascismo como alternativa
política séria. Mas sem dúvida, ela se intensifica diante da chantagem
fascista. Esta a razão pela qual já não se pode contar com o “mercado” ou mesmo
com seus tradicionais porta-vozes políticos – na política, na “juristocracia”
ou na mídia tradicional – neles inclusos golpistas travestidos de liberais e os
isentões de meia tigela.
O neofascismo tem se colocado como oposição ao
neoliberalismo e empurra a sociedade para a defesa de um pretenso “mal menor”.
Entre os danos colaterais da chantagem neofascista, já assimilados ao
cotidiano, está a infantilização do debate público.
Nesse ponto, conservadores obsoletos, como FHC,
rebaixam o debate público à dicotomia: Estado mínimo x Estado máximo, sem
considerar uma série fatores inerentes a países em desenvolvimento. Nessa
trilha, o Estado mínimo neoliberal de FHC é reduzido a Estado nenhum, sobretudo
quando o assunto é necessidade básica do povo. Mas, para socorrer bancos,
proteger grandes fortunas há Estado máximo. Eis a síntese do neoliberalismo de
FHC, como oposição ao neofascismo bolsopata.
O neofascismo bolsopata vai além. É ausente no
social e máximo no campo penal e na guerra. Quer a completa extinção dos
direitos sociais e da alteridade comportamental e persegue a homogeneização da
sociedade – seja pelo controle religioso, seja pelo condicionamento ideológico,
perseguições ao desenvolvimento científico. É contra a livre difusão do
conhecimento e da informação.
Em meio à pandemia, a popularidade do Bozo
permanece em alta por que a sociedade está dividida entre Bozo e Mandetta
(ambos Governo). Entre os que defendem a cloroquina e os “contra” ela (mesmo
não sendo). Entre os que acreditam na doença e os que não creem. Entre
salvadores da economia e salvadores de vidas. Tudo fruto de manipulações,
ideologizações, cruzadas evangélicas e chantagens, por meio das quais a
extrema-direita (neofascista) promove a total aniquilação do debate público. As
pautas do noticiário são idiossincrasias de um ministro, as postagens abjetas
de um político extremista, a fake news da semana ou o “roubou-ou-não-roubou”.
Por fim, ouve-se e lê-se muito, por aí, que a
pandemia pôs em xeque o mundo capitalista. Bem, sim e não. A realidade
pós-COVID-19 será evidentemente mais amarga e menos próspera. Mas é preciso
conter o otimismo ingênuo. Versalhes também já se havia desnudado em sua
insensibilidade e distanciamento das demandas populares quando Maria Antonieta
mandou os plebeus comerem brioches, já que não havia pães. E, no entanto, a
Bastilha não caiu: foi derrubada!
Se quisermos verdadeiramente derrotar o
neofascismo, será importante lutar com todas as forças contra o capitalismo
rentista e suas instrumentalidades políticas. Pois ao mandar o povo brasileiro
para a morte em protestos contra o isolamento social, a extrema-direita deu
outro recado: somos úteis ao Capital Financeiro e não desistiremos
espontaneamente desse projeto de barbárie e morte.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista,
delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São
Paulo.
(*) Texto produzido com um colaborador anônimo.
Você pode
fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor
Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne
um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Assinar:
Postagens (Atom)