Divulgando...
Boa
tarde povo!
4ª
dia de Pensamento Inquieto! Continuamos com os textos anunciados na primeira
postagem. Os mesmos serão divididos em várias postagens pra facilitar a
leitura.
Obs.:
Lembrando que temos uma novidade! Se você estiver sem tempo para ler o texto, a
partir de agora disponibilizaremos um link para que você possa ouvir o texto
sintetizado em MP3 (Haverá alguns sotaques visto que são sintetizadores
estrangeiros)! O(s) Link(s) estará(ão) sempre entre o primeiro e o segundo
parágrafo do texto postado.
Degustem!
GUETO
DO PENSAMENTO INQUIETO
JUSTIÇA
ROBERTO
A. R. DE AGUIAR – Professor Titular e Diretor do Centro de
Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade de Brasília
O
Pensamento Inquieto (Curso de Extensão Universitária a
Distância). Organização de Clodomir de Souza Ferreira, João Antonio de Lima
Esteves e Laura Maria Coutinho – Brasília: CEAD/Editora Universidade de
Brasília, 1993. (pp. 65 a 78).
QUESTÕES
PARA RELFEXÃO
Não há mais paixão pela
justiça. A justiça é um conceito, é um jogo, uma relação abstrata. Por isso a
sociedade assume essa dimensão aética em que vivemos. Que valores priorizamos
em nossa concepção de justiça? O professor Roberto Aguiar assinala que, no
Código Penal, a maioria dos delitos classificados se referem a crimes contra o
patrimônio; os delitos contra a pessoa ocupam apenas três capítulos. Que
implicações se pode tirar de uma justiça que valoriza mais as coisas do que os
seres humanos? Como concretizar práticas sociais que privilegiem os valores da
vida? O que é justo para cada um de nós, e como agimos para a concretização
dessa justiça na História? Estas são algumas questões às quais ninguém pode
ficar indiferente.
Antes de começar a falar sobre a Justiça, preciso contar
dois fatos, para que todos sintam que alguma coisa anda mal a respeito dessa
questão.
Certa vez fiz uma palestra numa capital de estado, aqui
no Brasil, e a palestra era justamente sobre a questão de Direitos Humanos. E
todos com uma visão “muito” avançada, progressista, e as divergências até que
eram poucas.
Após a conferência, saí à porta e tinha uma menina, que a
juridiscidade chama de menor. Menor é o filho Fe pessoa pobre. Nunca falamos
assim: tenho um menor em casa, que é o meu filho. Ela tava vendendo balas. Era
uma menina de oito anos, e eu a pus no colo, para conversar com ela. Depois de
conversarmos, trocamos ideias. Não fiz anda por ela, porque como acontece, a
gente acaba fazendo só algo periférico. E quando pus aquela criança no chão, um
dos progressistas me disse: o senhor quer lavar as mãos? Aquele que estava com
discurso altamente avançado!
Cito outra questão. A
televisão , o Roberto Marinho, toda hora coloca imagens da Somália com aquelas
crianças marginalizadas, quase mortas, miseráveis. E olhamos as estatísticas
oficiais, chanceladas até mesmo pelo Tribunal de Contas da União, que dizem que
temos 33 milhões de miseráveis. Isso é quatro vezes a população da Somália.
Então, me parece, á primeira vista, para entrar na questão da Justiça, é que
algo nos deixou completamente insensíveis para a concretude que está embaixo de
nossos narizes.
Somos muito hábeis em trabalhar por mediações. Mediações
do texto legal, das tabelas, estatísticas. Lembrando até aquela velha colocação
de Marx, de que somos
muito bons em reificar os homens e humanizar as coisas. E isso tem
uma história e isso repercute profundamente ma questão da justiça. Isto porque
se olharmos as conceituações hoje vigentes de Justiça, elas são frases retóricas
sem qualquer tipo de sentido. Se olharmos os cursos jurídicos ou o
sentido de Justiça do senso comum, que é passado até mesmo pelos meios de
comunicação, são
frases que não têm sentido algum. E que por não terem sentido algum podem ser
preenchidas com qualquer conteúdo. Então, por exemplo, uma velha
frase de Ulpiano, do Direito Romano e que todo mundo acha nos cursos jurídicos
“isso é uma maravilha”! – ele se pergunta: o
que é Justiça? É viver honestamente, não lesar o outro e dar a cada um o que é
seu. Essa definição é tão, definitiva que levou certos juristas a dizerem:
realmente existe um direito natural.
Este sentido de Justiça transcende a todas as sociedade.
Isto é real. Só que há um pequeno problema prático nisso. Viver honestamente
segundo que valor? Não lesar o outro: quem é o outro? Dar a cada um o que é
seu: qual é o seu de cada um? Isto é, são definições que escondem, sonegam a
questão central que há por trás. E é por
isso que Pinochet no Chile; Hitler, na Alemanha; Noriega, no Panamá; Somoza, na
Nicarágua, todos davam o seu de cada um, não lesaram o outro e viviam
honestamente. Depende dos padrões de um outro tipo de visão e um outro tipo
de prática para tentar perceber a questão da Justiça.
Por outro lado, voltando aos mesmos romanos que deram
essa definição de Justiça, eles já dão indicadores, principalmente a partir de
dois autores conhecidíssimos por todos que são: Cícero e César.
Quando eles analisam e usam o vocábulo Justiça, eles dão
alguns indicadores dos seus sentidos. A
palavra Justitia, em latim, tem um sentido de justiça, de equidade. Mas, também
tem um sentido de direito. Então, nesse momento, vemos um casamento entre a
questão jurídica e a questão do valor Justiça.
Mas ao mesmo tempo os romanos, que eram muito ricos em
termos vocabulares e simbólicos, eles tinham uma outra palavra Iussum, que quer
dizer: comando. Então, a palavra
Juridicidade, se de um lado está ligada a direito, a equidade, de outro está
ligada a ordem, comando, poder.
E ainda temos a visão da palavra Justus, que quer dizer
legítimo.
Nesse momento os próprios romanos, Cícero e César,
trouxeram nas suas interpretações quatro pontas: a Justiça é Equidade; a
Justiça é Direito; a Justiça é Legitimidade, e a Justiça é Poder.
Então me parece que olhando a questão da Justiça em
termos conceituais, podemos perceber que precisamos trabalhar com o conceito de Justiça, com o
sentimento de Justiça, com práticas de Justiça e com perspectivas utópicas de
Justiça. Se não tentarmos fazer esse arco, vamos trabalhar na mera abstração.
Tentarei aqui, fazer algumas considerações, a partir de
determinados eixos de reflexão.
O primeiro grande eixo, chamei até arbitrariamente, de Eixo da Concretização. O que significa
isso? Significa que, se olharmos essa sociedade com aquelas duas histórias
rápidas com as quais iniciei esta discussão, vamos perceber que no decorrer da história, desembocamos num
conceito de humano que é um conceito completamente abstrato, alijado, exilado
da concretude.
Se tomarmos as sociedades indígenas, que uns dizem que
são sem Estado, e outros dizem que são sociedades contra o Estado, isto é, eles
são tão sutis que urdem normas para que nunca a minoria empalme o poder.
Voltando à questão da modernidade, de achar que o índio é
atrasado e primitivo, talvez o índio seja muito mais sutil, ele estrutura uma sociedade onde nunca o
chefe comande, onde o poder político sempre está situado na coletividade e
dá ao chefe (aí a sofisticação jurídica) a função de ensinar os fundamentos da
sociabilidade do grupo, e dentre esses fundamentos está toda uma estrutura de
História, de contos onde o chefe sempre diz: eu não comando. E toda vez que o
chefe comandar esse chefe é tirado. E assim, por exemplo, surge a famosa lenda
que todos já conhecemos quando éramos crianças, dos Kamaiurás, dos
Waimiri-Atroari, dos Ianomamis, a lenda da origem da casca da tartaruga. A
tartaruga era um animal muito rápido, muito inteligente e aí ela começou a
explorar o trabalho dos outros bichos. E como o contar indígena é interessante!
Então, de cada um ele vai contando: o que tiraram da onça, do tamanduá, etc.
Então fizeram uma assembleia e resolveram parar com isso: pedir ao macaco, à
noite, quando a tartaruga estivesse dormindo, subisse na mais alta das árvores
e jogasse a tartaruga lá embaixo, para matá-la. Mas ela não morreu. Ficou com o
casco todo trincado, e passou a andar muito vagarosamente.
Quando o chefe diz isso, como obrigação, ele está dizendo:
toda vez que alguém quiser dominar vocês subam no alto da árvore e joguem-no lá
embaixo, isto é, defenestrem-no. É uma estrutura muito complexa.
Então o que há nisso? Há o sentido de pertinência anímica. O Ser Humano tem as
relações de igualdade, as suas relações de reconhecimento, baseadas no fato de
pertencerem ao mundo espiritualizado. Todas as coisas têm espírito.
Se olharmos a Antiguidade Clássica, vamos perceber um
outro ponto. A Antiguidade Clássica
Greco-romana tem uma perspectiva de um Universo pronto. Que aliás, a Idade
Média também, em sua primeira fase, vai reproduzir.
Neste Universo pronto, o papel do Homem no Universo
ptolomaico, o papel do Homem qual é? É
contemplar a glória de Deus, no caso do romano. E, no caso grego, é contemplar
a ordem do Cosmos. Nem em Deus falavam, porque Deus já era menor, era um
demiurgo.
Ora, então o que acontecia? O que era Justiça, para esse
tipo de concepção? Era aquilo que os gregos faziam a diferença entre Nomos e
Logos. Logos é a Lei Universal que rege
aquela estrutura fixa, e essa lei é infalível: a Lei Universal é definitiva, é
eterna, ela realiza a natureza das coisas. Daí a palavra aperfeiçoa, que
quer dizer, torna ato aquilo que é potência. E o que é Nomos? É a imperfeita Lei Humana, traduzida pelos
costumes, pelas relações sociais e pelo Direito. Qual é a Justiça? A Justiça é a adequação da Lei Imperfeita
(Nomos, feita pelo Homem) à Lei Perfeita do Logos, isto é, o padrão de Justiça
era a adequação da lei, do costume, do justo à uma ordem Universal pré-fixada.
De qualquer maneira, o que se sentia no Universo Greco-romano é que as pessoas se sentiam participes. Os
gregos, em determinado período histórico, das suas cidades-Estado e os romanos,
de seu império. Tanto é que o grande trabalho político dos imperadores
romanos era a extensão da cidadania aos colonizados. Tanto é que termina com
Caracala, aliás famoso na História porque até hoje sobrevivem as famosas termas
de Caracala. Ele dá o último passo: estende a todos os colonizados a cidadania
romana. Então, eles se sentiam romanos, com direitos romanos. Podemos perceber
isso na Bíblia, nos Evangelhos. Paulo, na hora de morrer, não morreu como
judeu, não foi crucificado. Ele avocou para si o seu direito de morrer como
cidadão romano. Paulo não foi crucificado. Então, se percebe a pertinência ao
Império.
Na Idade Média feudal, e depois na Idade Média de
ascensão do mercantilismo, vamos sentir uma coisa. Quem estava dentro do feudo, mesmo que servo da gleba, mesmo que
inferior, era partícipe de uma Ordem Divina e de uma Ordem Hierarquizada Vertical.
Quando o mercantilismo aparece, e os burgos começam a urdir aquela mudança
econômica, onde o valor terra é substituído pelo valor dinheiro e o valor lucro
passa a superar o valor troca, o cidadão
se sente partícipe do burgo. Antes da feira, depois da vila, depois do burgo,
que é a estrutura jurídica daquela nova forma econômica. De qualquer maneira
nessas diversas formas de organização social, o justo era previsível.
O
justo traduzia uma certa concepção do mundo, e as pessoas tinham até
mesmo uma certa consciência de sua posição mesmo que inferior.
E de qualquer maneira, é preciso ainda relembrarmos que
em todas elas, uma coisa ainda não tinha sido sacada das pessoas. Por mais injustas que fossem as
organizações sociais, um aspecto não tinha sido retirado das pessoas: o uso da
sua corporeidade. O corpo do cidadão romano, do cidadão ateniense, o corpo do
servo da gleba feudal ou o corpo do burguês emergente mercantil, eram corpos
respeitados, que tinham liberdade. Só pra dar um pequeno exemplo,
vamos lembrar que mesmo com a força da igreja, o casamento religioso só começa
a aparecer a partir do século XVI. Antes,
as pessoas se casavam com compromisso recíproco, e como a Igreja era forte, nas
escadarias da Igreja. Nunca um padre ia lá, colocar seu dedo para dizer
como deveriam usar o corpo.
A partir do século
XVIII, surge uma forma produtiva, isto é, começa a denominada Primeira
Revolução Industrial, fim do século XVIII, início do século XIX. E nesse momento era
preciso que o Homem se reconceituasse, para aguentar uma nova forma produtiva
onde ele não teria mais a sua corporeidade. O que acontece? Primeiro: o Ser Humano vai trabalhar num
lugar onde ele já não é mais dono nem da máquina, nem do produto, nem do
estoque. Não haveria mais o que havia, inclusive, no século XVII, de alguém
ir trabalhar com outro e levar a sua ferramenta. Não, nem mais a ferramenta era sua.
É nesse momento em que aparecem os perigos das pessoas que vão trabalhar num
lugar onde elas não são donas de nada: o perigo de fazerem greve, o perigo de
destruírem a máquina, o perigo de furtarem o estoque ou furtarem o produto. É nesse momento que
o corpo humano vai sofrer as mais violentas formas de agressão.
Lembro-me apenas, em termos práticos da minha área, de uma fábrica em São Paulo
da Volkswagen, que era um lugar perigosíssimo porque era uma linha de montagem,
onde o pessoal fazia uma média de 20 mil movimentos repetitivos em cada jornada
de oito horas, e eles costumavam trabalhar dez, com duas extras. Era um lugar
de alta periculosidade, de alta insalubridade. Então, aquele corpo forçado a se
repetir ad nausean, para uma produção para a qual o corpo não está preparado.
Fisiologicamente ele não está preparado. Quanto
mais se repete o movimento, mais possibilidade se tem de acabar falhando no
movimento. Tanto é que nas máquinas repetitivas é onde se tem acidentes de
trabalhos mais frequentes.
CONTINUA NA PRÓXIMA
QUARTA...
Obs.: Os negritos
itálicos são os destaques do texto original; os [ ], os negritos
e os negritos
vermelhos são destaques nossos.
"Pobre 'esclarecido' que se diz anticomunismo ou anticomunista é como o cão que volta pra lamber a mão do dono depois de levar um pontapé do mesmo!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário