Divulgando...
AS
ESCOLAS BRASILEIRAS E SUA MANIA DE ENSINAR
por
Pedro Demo
Professor
gosta de “ensinar”. Confunde com aprender, porque acha que aprender deriva de
ensinar. Daí o acento tão obcecado em aula, que os grevistas aproveitam para
badalar: greve significa suspensão de aula. O “resto” pode funcionar, menos
aula, pois acha-se que sem aula a escola não existe. Escola é lugar de aula, é
um conjunto arquitetônico de salas de aula e o professor tem como função
central “dar aula”. Ainda não acordamos para um tipo totalmente diferente de
escola – um lugar para estudar, ler, pesquisar, elaborar, exercitar autoria,
argumentar, apresentar ensaios etc. Chamamos de “estudante” alguém que pode
fazer muita coisa na escola, menos “estudar” – sua função básica é escutar
aula, tomar nota e fazer prova. Depois desse besteirol, vem um diploma (vazio).
Este é o “sistema de ensino” vigente, que os dados do IDEB castigam
veementemente – está em queda livre, também na escola privada (em especial no
ensino médio e nos anos finais) – mas o MEC salvaguarda como o tesouro
educacional do país.
Professor
como “ensinador” esvaiu-se, a ponto de haver já faculdade “sem professor”,
concebida por bilionário francês, primeiro em Paris, agora também no Vale do
Silício, somente para a área de programação digital e similares, e, ainda,
gratuita. É uma área tradicionalmente autodidata – lembremos que computador
começou com partes soltas agregadas por interessados que sabiam programar
digitalmente. Um experimento sui generis nesta área também chamou a atenção:
Computer Clubhouse (Kafai et alii, 2009. Demo, 2012) – após a aula, estudantes
pobres se reúnem numa sala grande com mais ou menos 25 computadores de bom
porte, para exercitar autorias digitais (animação, robótica, editoração,
coding, videogames etc.), onde não pode haver aula, nem professor, nem aula,
prova e repasse. Ao centro do recinto há uma mesa e tem um “mentor”, para
organizar a “bagunça” (regras de jogo). Visto como experimento muito exitoso,
mostra que aprender é atividade de quem aprende – não está na aula do
professor. Este é “mediador”, como sempre se afirmou em educação. Os
adolescentes aprendem juntos, dos mais experimentados, montando sua autoria
passo a passo. Aula nunca fez qualquer falta.
Mesmo
assim, não comungo com a ideia de acabar com professor. Ao contrário. É figura
fundamental, mas como “aprendiz”, parceiro, orientador, avaliador, ou seja,
“mediação”. Ocorre algo similar com pais e progenitores: são mediadores, mas
fundamentais. A neurociência – inteira – sustenta esta ideia. Mas a escola acha
que pode “ensinar”, só ensinar, como se fosse um “cursinho”, daqueles privados
oferecidos a milhares de estudantes para concurso ou vestibular, onde só há
aula… O IDEB tem mostrado a inépcia desta proposta, em especial no Ensino Médio
da escola privada: além não atingir a meta de 2015, regride desde 2013. Mas o
império do ensino não se abala, porque continua sendo a Meca do vestibular e do
concurso. Professor tem como compromisso pedagógico cuidar da autoria dos
estudantes, todo dia, avaliando-o por aquilo que produz. A escola vale,
concretamente, pela produção estudantil, não pela aula docente. A razão é
clarividente: aprendizagem acontece na mente do estudante que estuda, não na
aula do professor. Esta é perfeitamente descartável, embora ele, não.
A
mania do ensino avassala a escola. Enquanto os dados indicam que é um desastre
sonoro e provocativo tocamos esta charanga impavidamente, como a orquestra do
Titanic – o barco está afundando, mas para desviar a atenção tocamos com tanto
maior furor! Professor é referência importantíssima na escola, mas não no papel
de “ensinador” – este se esgotou. O que não falta na escola é, precisamente,
ensino. O estudante aprende quando, por motivação intrínseca, se dedica a
estudar e a outras atividades autorais, porque aprendizagem só sucede quando
autoria emerge. Assim, papel docente é provocar esta autoria no estudante. Não
pode ler, estudar, pesquisar por ele. Uma vez, o MEC resolveu passar o ensino
fundamental de oito para nove anos. Qual o resultado? Os anos finais estão em
bancarrota, ou seja, a proposta não foi só inepta, foi contraproducente. Só
atrapalhou os estudantes, porque não faz sentido aumentar aula. A maneira mais
eficaz de reduzir aprendizagem é aumentar aula.
Mas
não há qualquer sinal oficial de mudança, porque o sistema está montado na
aula. Mantém-se porque é o palco preferido docente, contando com público cativo
(nem tanto hoje em dia), sistemática diária, afagos no ego, pretenso status
social etc. A cada momento o MEC pretende “reformar” alguma coisa neste sistema
caduco de ensino, como foi a “reforma do ensino médio” recente, indicando que o
problema seria curricular. É, em parte, mas nem de longe o problema maior. Este
é que praticamente ninguém aprende, exigindo mudanças “pedagógicas” radicais
que passam, entre outras, coisas pela reinvenção do professor; de “auleiro”
precisa passar a “mediador” de atividades autopoiéticas dos estudantes, como
sugere a neurociência. Não há qualquer perspectiva de que tais “reformas”
reformem alguma coisa importante, mesmo implicando investimentos. A proposta
não acarreta qualquer avanço pedagógico – teremos o mesmo IDEB, muito
provavelmente piorado. Bastaria ver o último PISA (2016). A escola baseada em
aula é uma fraude oficial.
Podemos
sugerir que o problema tem a ver com o professor, ainda que não em correlação
linear (que não existe, a bem da verdade). Quando o professor não aprende –
apenas teve aula na faculdade – faz na escola o que fizeram com ele na
faculdade – só dá aula, parecendo-lhe o pináculo de sua função escolar. Vai se
consolidando a prática desastrosa: quem não aprende, dá aula. O licenciado em
matemática não pode ser diretamente responsabilizado pela calamidade pública
que é matemática na escola, mas tem a ver com o problema indiretamente. A
pergunta se instala imediatamente: por que não se aprende matemática? Em parte
é porque o professor, não tendo aprendido matemática, não sabendo o que é
aprender matemática, mas “treinado” alegremente em dar aula de matemática,
massacra matemática. Este resultado é ainda mais flagrante quando se comparam
resultados com os anos iniciais, onde trabalha o pedagogo – sua matemática
funciona bem melhor (está, em geral, em ascensão). Tem-se, então, a impressão
de que a licenciatura atrapalha visivelmente o professor de matemática. Aula
não falta. Só tem. Não existe aprendizagem. Assim, diria que os dados sugerem
dois desastres conjugados: matemática e aprendizagem estão em extinção.
Ao
final, porém, se professor é problema, é principalmente a melhor solução.
Precisamos cuidar dele, religiosamente, também porque é o mediador maior de
qualquer inovação escolar. O desafio é fazer dele um pesquisador, cientista,
autor, oferecendo chances de exercitar autoria com devida educação científica.
Esta colocação já descortina vazios clamorosos de sua formação original: nunca
foi levado a produzir ciência, a estudar métodos e técnicas, bem como
metodologia científica, a ser avaliado por ensaios (não por provas), não sabe
pesquisar, apenas reproduzir. Foi vítima de um “anticurso”, cuja função mais
ostensiva pareceu ser atrapalhar sua aprendizagem. Chega à escola literalmente
“pelado”, sem eira nem beira, totalmente despreparado para a função, também
porque o curso nunca lhe deu chance de “estágio” verdadeiro. É amador. Todo
amador vive de aula. Cumpre agora fazer dele um profissional, não do ensino,
mas da aprendizagem. Não é enigma. Todo professor, mesmo muito destituído, é do
ramo. Sabe, de alguma forma, o que é conhecimento autorrenovador, aprendizagem
autoral, pesquisa e educação científica. Não teve oportunidade. Precisamos
garantir isso a ele, para que possa engendrar um estudante pesquisador,
cientista, autor.
09/12/17,
14:29 - JKim: Interessante
09/12/17,
14:30 - EVANDIR: Pedagogia de Projetos... seria uma saída
09/12/17,
14:33 - JKim: Uma possibilidade mas a maioria de nós odeia projetos
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