19/11/16, 15h50 - EVANDIR: José Pacheco: Onde estão os
professores? Por que não ocupam suas escolas?
Um dos grandes formuladores de novos paradigmas educacionais,
José Pacheco, saúda secundaristas brasileiros e sugere: “O poder público
insiste em velhas fórmulas. Por que os professores não ocupam suas escolas”?
Por José Pacheco
Pré-ocupações
Há mais de cem anos, Almada Negreiros escreveu:
“Quando eu nasci, todos os tratados que visavam salvar o
mundo já estavam escritos. Só faltava uma coisa: salvar o mundo.
Quando decidi ser professor, todos os tratados que visavam
salvar a educação já estavam escritos. Só faltava refundar a escola, salvar a
educação, sair da zona de conforto.
Já na distante década de 1970, nos pré-ocupávamos e
questionávamos o instituído. Os enunciados dos projetos requeriam que se
educasse para e na autonomia.
Porém, professores cativos de uma platônica caverna, para
onde uma “formação” deformadora os havia atirado, semeavam heteronímia.
Uma tradição centralizadora e autoritária recusava às escolas
o direito à autonomia, contrariando a lei.
Provisórias medidas ministeriais adiavam a refundação da
escola e negavam o direito à educação.
A crença nas virtudes da velha escola mantinha os professores
na ilusão de uma possível melhoria de um modelo em decomposição. Se a família
terceirizava a educação dos seus filhos e a escola não ensinava, uma sociedade
doente considerava normal que assim fosse.
O contraste entre a sofisticação do discurso e a miséria das
práticas tornava-se insustentável. Se as medidas de política educativa negavam
a muitos alunos o direito à educação (direito consagrado na Constituição e na
Lei da Bases), o poder público teria direito de manter tais políticas?
Se o modo como as escolas funcionavam provocava a exclusão de
muitos jovens, as escolas poderiam organizar-se desse modo?
Se, do modo como ensinávamos, muitos alunos não aprendiam,
teríamos o direito de continuar a trabalhar desse modo? Cadê a ética?
Estas foram algumas das nossas pré-ocupações. Até ao momento
em que, fundamentando as nossas reivindicações na lei e numa ciência prudente,
assumimos o estatuto de autonomia, dignidade profissional.
Reivindicamos condições de desenvolvimento dos projetos
político-pedagógicos, exigimos respeito pelas decisões (políticas e
pedagógicas) das nossas escolas e comunidades.
Da pré-ocupação passamos à ocupação.
No Brasil, ao cabo de vinte anos, o artigo 15º da Lei de
Diretrizes e Bases do Florestan [Fernandes] e do Darcy [Ribeiro] é letra morta.
A lei não foi cumprida e o poder público insiste no fomento de velhas fórmulas.
Bem nos avisava o Anísio [Teixeira]: Habituamo-nos a viver no
país proclamado. Não no país real. Não existe uma política de Estado. Existe
uma prática de desgovernos.
Mas há jovens brasileiros que não se mostram condescendentes
com ministeriais disparates e ocupam escolas. Surpreende-me que sejam os jovens
a ocupar escolas.
Deveriam ser os professores a ocupá-las. Porque os jovens
sabem aquilo que não querem, mas ignoram a escola a que têm direito. Suponho
que os professores saibam…
Se o sabem, por que se mantêm apáticos, quando, na formulação
de política educativa, critérios de natureza administrativa se sobrepõem a
critérios de natureza pedagógica?
Por que não cumprem os
seus projetos?
Por que consentem que
burocratas lhes imponham a mordaça do “dever de obediência hierárquica”?
Onde estão os
professores?
Por que não agem no
chão da escola e da comunidade, fazendo o que é preciso e inadiável, assumindo
um estatuto de autonomia?
Por que não ocupam as
suas escolas?
(Do Outras Palavras/
Blog da Redação)
José Pacheco é educador português e mundialmente conhecido
pela criação da experiência inovadora representada pela Escola da Ponte, é
autor de diversas obras sobre aprendizagem e gestão democrática na educação
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