Amigos, permito-me partilhar convosco a minha reação ao anúncio de
uma "reforma".
Abraço fraterno.
José
Abraço fraterno.
José
Carta
para Darcy
Sofreste
o exílio, enquanto o teu país
dormia distraído, sem
perceber que era
subtraído em tenebrosas transações. Vão sacrifício o teu,
porque as escolas
continuam a não ensinar. E o que prevalece, como disseste, é um monstruoso sistema de comunicação de massa,
impondo padrões de
consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis.
A
lei, que fizeste aprovar nos idos de
96, continua sendo letra morta. Imagina que os autores de uma
anunciada reforma
creem que o sistema irá melhorar
com boletins e
reprovações, ou quando,
pelo menos um período por
dia seja
dedicado ao desenvolvimento de atividades interdisciplinares.
Leste bem,
Darcy: um período por dia! Ou quando houver
espaço para que professores trabalhem por projetos em algumas
disciplinas.
Em algumas disciplinas! Ou, ainda, quando no
último ciclo, os alunos sejam protagonistas do próprio
aprendizado. Somente
no último ciclo acontecerá a emancipação
social e cidadã dos alunos (sic!).
É
triste, caro Darcy, verificar que
aqueles que detêm o poder de mudar não entendam que, junto com
Anísio Teixeira,
Paulo Freire e Lauro de Oliveira Lima, tu formas o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da
história da educação
em nosso país. É lamentável que ousem afirmar que, há
décadas, foi implantada a
chamada progressão continuada,
quando, na verdade, ela nunca foi implantada. É lamentável
que continues
ostracizado e que equívocos entre avaliação e classificação
gerem inúteis
“mudanças” de conceito
para nota. Que se
promovam inúteis alterações
na cartesiana segmentação em ciclo. Que se confunda trabalho de
projeto com
caricaturas de trabalho de projeto…
Os
nossos governantes lamentam que apenas 34% dos alunos apresentem
conhecimento
adequado ou avançado em português e 27% em matemática; ou que,
na 8ª série, 23%
estejam com nível adequado e avançado em português e 10%
apresentem esse
resultado em matemática, mas cometem o despudor de ressuscitar
medidas que, no
passado, deram origem a esse descalabro.São medidas de
retrocesso, que
perenizam o velho paradigma escolar, reprodutor de oprimidos e
opressores, que
o malogrado secretário de educação Paulo Freire tanto denunciou.
Medidas de manutenção
do desperdício de dinheiro e de gente, que servirão para
perpetuar o
analfabetismo, numa escola que já produziu mais de 30 milhões de
analfabetos.
Ficamos
sem
saber se os nossos reformadores agem por ignorância ou loucura.
São ignorantes
aqueles que desprezam a produção científica, que ignoram a
existência de práxis
coerentes com a tua Lei de Bases, quem toma decisões desprovidas
de bom senso. Também
um súbito acesso de loucura pode ter acontecido, pois já o sábio
Einstein nos
avisava que a maior insanidade é continuar fazendo sempre a
mesma coisa e
esperar resultados diferentes.
Essas
e outras inúteis “medidas” são
apregoadas na comunicação social, com pompa e circunstância,
como de algo sério
se tratasse. Eu sei que custa a crer, caro Darcy, mas é verdade.
Se não me
engano, foste tu quem fez esta afirmação: o
Brasil, último país a acabar com a escravidão tem uma
perversidade intrínseca
na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de
desigualdade, de
descaso. Não desesperes. Fica sabendo que já muitos
educadores e escolas
são sensíveis aos teus apelos. Depois de tenebrosos tempos,
luminosos tempos
hão-de vir. Ainda que, entretanto, milhões de jovens sejam
condenados à
ignorância e ao sofrimento, por via de desastrosas polícias
públicas.
Sei
que te confessas ateu. Mas, se
alguma influência tiveres junto de Deus, pede-Lhe que perdoe os
nossos governantes,
porque eles não sabem o que fazem.